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verdade
quarta-feira 13 de dezembro de 2023
Wahrheit
Se, não obstante, é necessário perguntar pela VERDADE, então se exige uma resposta ao nosso desejo de saber onde hoje nos encontramos. Queremos saber o que, hoje em dia, acontece conosco. Clamamos pela meta a ser proposta ao homem como ser historial e à história mesma. Queremos a "VERDADE" real. Portanto, existe, contudo, uma preocupação pela VERDADE!
O que, pois, se entende ordinariamente por "VERDADE"? Esta palavra tão sublime e, ao mesmo tempo, tão gasta e embotada designa o que constitui o VERDADEiro enquanto VERDADEiro. O que é ser VERDADEiro? Dizemos, por exemplo: "É uma VERDADEira alegria colaborar na realização desta tarefa". Queremos dizer que se trata de uma alegria pura, real. O VERDADEiro é o real. Assim falamos do ouro VERDADEiro distinguindo-o do falso. O ouro falso não é realmente aquilo que aparenta. É apenas uma "aparência’ e por isso irreal. O irreal passa pelo oposto do real. Mas o ouro falso é, contudo, algo real. É assim que dizemos mais claramente: o ouro real é o ouro autêntico. Mas um e outro são "reais", o ouro autêntico não o é nem mais nem menos que o falso. O VERDADEiro do ouro autêntico não pode, portanto, ser simplesmente garantido pela sua realidade. Retorna a questão: Que significam aqui autêntico e VERDADEiro? O ouro autêntico é aquele ouro real, cuja realidade consiste na concordância com aquilo que "propriamente", prévia e constantemente entendemos como ouro. Pelo contrário, ali onde presumimos que haja ouro falso, exclamamos: "Aqui algo não está de acordo". O que, entretanto, é assim "como deve ser" nos faz dizer: está de acordo. A coisa está de acordo.
[…]
O VERDADEiro, seja uma coisa VERDADEira ou uma proposição VERDADEira, é aquilo que está de acordo, que concorda. Ser VERDADEiro e VERDADE significam aqui: estar de acordo, e isto de duas maneiras: de um lado, a concordância entre uma coisa e o que dela previamente se presume, e, de outro lado, a conformidade entre o que é significado pela enunciação e a coisa. [MHeidegger 163]
Nós dizemos "VERDADE" e a entendemos geralmente como o correto de uma representação. [GA7 , pag.16]
A técnica não é, portanto, um simples meio. A técnica é uma forma de desencobrimento. Levando isso em conta, abre-se diante de nós todo um outro âmbito para a essência da técnica. Trata-se do âmbito do desencobrimento, isto é, da VERDADE. [GA7 , pag. 17]
A indicação, portanto, que nos dá a palavra techne e a maneira, como os gregos a determinam, nos conduzem e levam ao mesmo contexto que se nos mostrou no questionamento do que é, na VERDADE, a instrumentalidade do instrumento.
Técnica é uma forma de desencobrimento. A técnica vige e vigora no âmbito onde se dá descobrimento e desencobrimento, onde acontece aletheia, VERDADE. [GA7 , pag. 18]
A liberdade tem seu parentesco mais próximo e mais íntimo com o dar-se do desencobrimento, ou seja, da VERDADE. […] A liberdade é o que aclarando encobre e cobre, em cuja clareira tremula o véu que vela o vigor de toda VERDADE e faz aparecer o véu como o véu que vela. [GA7 , pag. 28]
Assim, pois, a com-posição provocadora da ex-ploração não encobre apenas um modo anterior de desencobrimento, a pro-dução, mas também o próprio desencobrimento, como tal, e, com ele, o espaço, onde acontece, em sua propriedade o desencobrimento, isto é, a VERDADE.
A com-posição depõe a fulguração e a regência da VERDADE. [GA7 , pag. 30]
O predomínio da com-posição arrasta consigo a possibilidade ameaçadora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento mais originário e fazer assim a experiência de uma VERDADE mais inaugural. [GA7 , pag. 30]
Se a essência da técnica, a com-posição, constitui o perigo extremo e se também é VERDADEira a palavra de Hölderlin , então o domínio da com-posição não se poderá exaurir simplesmente porque ela depõe a fulguração de todo desencobrimento, não poderá deturpar todo o brilho da VERDADE. [GA7 , pag. 31]
Todo destino de um envio acontece, em sua propriedade, a partir de um conceder e como um conceder. Pois é a concessão que acarreta para o homem ter parte no desencobrimento, parte esta de que carece a aproximação do desencobrimento. Por ser assim encarecido, o homem se acha apropriado pela apropriação da VERDADE. [GA7 , pag. 34]
A essência da técnica é de grande ambiguidade. Uma ambiguidade que remete para o mistério de todo desencobrimento, isto é, da VERDADE.
A questão da técnica é a questão da constelação em que acontece, em sua propriedade, em desencobrimento e encobrimento, a vigência da VERDADE.
Mas de que adianta olhar dentro da constelação da VERDADE? Propicia ver o perigo e perceber o crescimento do que salva. [GA7 , pag. 35]
Outrora, não apenas a técnica trazia o nome de techne. Outrora, chamava-se também de techne o desencobrimento que levava a VERDADE a fulgurar em seu próprio brilho. Outrora, chamava-se também de techne a pro-dução da VERDADE na beleza. […] A arte era piedade, promos, isto é, integrada na regência e preservação da VERDADE. [GA7 , pag. 36]
É o poético que leva a VERDADE ao esplendor superlativo que, no Fedro, Platão chama de to ekphanestaton, "o que sai a brilhar da forma superlativa". O poético atravessa, com seu vigor, toda arte, todo desencobrimento do que vige na beleza. [GA7 , pag. 37]
Ninguém poderá saber se está reservada à arte a suprema possibilidade de sua essência no meio do perigo extremo. Mas todos nós poderemos nos espantar. Com o quê? Com a outra possibilidade, a possibilidade de se instalar por toda parte a fúria da técnica até que, um belo dia, no meio de tanta técnica, a essência da técnica venha a vigorar na apropriação da VERDADE. [GA7 , pag. 37]
A arte nos proporciona um espaço assim. Mas somente se a consideração do sentido da arte não se fechar à constelação da VERDADE, que nós estamos a questionar. [GA7 , pag. 37]
A pergunta sobre o “sentido do seer” é a pergunta de todas as perguntas. Na execução de seu desdobramento determina-se a essência do que denominamos aí “sentido”; determina-se o lugar em que a pergunta se retém como meditação, o que ela abre como pergunta: a abertura para o encobrir-se, isto é, a VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 4]
Na filosofia, algo essencial, depois que ele, quase velado, recebe um choque, precisa se retrair e ganhar o cerne do insuficiente (para a maioria), porque esse elemento essencial é inultrapassável e, por isto, precisa se subtrair em meio à possibilitação do início. Pois sempre se precisa iniciar uma vez mais com o seer e com a sua VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 5]
Nós já nos movimentamos, apesar de em um primeiro momento apenas transitoriamente, em uma outra VERDADE (na essência transformada e mais originária de “VERDADEiro” e “correto”). A fundação dessa essência naturalmente exige um empenho do pensar, tal como ele só precisou ser levado a termo no primeiro início do pensar ocidental. Esse empenho é para nós estranho, porque nós não pressentimos nada daquilo que exige o domínio do simples. Os homens atuais mesmo, que quase não são dignos de serem citados em um abandono deles, permanecem excluídos do saber do caminho pensante; eles se refugiam em “novos” conteúdos e dão e arranjam para si, com a introdução do “politico” e “racial” um adorno até aqui não conhecido das antigas peças de aparelhamento da filosofia escolar. [tr. Casanova ; GA65 : 5]
No ser-aí e enquanto ser-aí acontece apropriadoramente para o seer a VERDADE, que ele mesmo revela como a recusa, como aquela região do aceno e da subtração – do silêncio – nos quais se decidem pela primeira vez a chegada e a fuga do último deus. O homem não consegue realizar nada para tanto e é quando a preparação da fundação do ser-aí lhe é entregue como tarefa que ele se encontra menos em condições de tal realização, de tal modo que essa tarefa determina inicialmente uma vez mais a essência do homem. [tr. Casanova ; GA65 : 5]
A longa cristianização de deus e a crescente publicização de toda e qualquer ligação afinada com o ente soterraram de maneira igualmente tenaz e velada as condições prévias, graças às quais algo se encontra na distância da indecidibilidade sobre a fuga ou a chegada do deus, indecidibilidade essa cuja essenciação, todavia, é experimentada da maneira mais íntima possível; e isso por um saber, naturalmente, que só se encontra na VERDADE como algo criador. Criar – no sentido mais amplo aqui visado – significa todo abrigo da VERDADE no ente. [tr. Casanova ; GA65 : 7]
O acontecimento apropriador é a própria história originária, com o que poderia estar insinuado que aqui em geral a essência do seer é concebida “historicamente”. A questão é: historicamente com certeza, mas não se valendo de um conceito de história, senão historicamente porque agora a essência do seer não significa apenas a presentidade, mas a plena essenciação do a-bismo tempo-espacial e, com isto, da VERDADE. Juntamente com isto, vem à tona o saber em torno da unicidade do seer. Por meio daí, contudo, não é preterida, por exemplo, a natureza, mas essa é do mesmo modo originariamente transformada. Neste conceito originário de história, conquista-se pela primeira vez o âmbito, no qual se mostra por que e como a história é “mais” do que ação e vontade. Também o “destino” pertence à história e não esgota sua essência. [tr. Casanova ; GA65 : 12]
A retenção é a prontidão mais intensa e ao mesmo tempo mais terna do ser-aí para a apropriação em meio ao acontecimento, o ser jogado no encontrar-se-em propriamente dito na VERDADE da viragem para o cerne do acontecimento apropriador. O domínio do último deus só toca na retenção; a retenção cria para ele, para esse domínio, assim como para ele, para o último deus, a grande tranquilidade. [tr. Casanova ; GA65 : 13]
Retenção afina o respectivo instante fundante de um abrigo da VERDADE no ser-aí futuro do homem. Essa história fundada no ser-aí é a história velada da grande tranquilidade. É nela apenas que é ainda possível um povo. Só a retenção consegue reunir a essência do homem e levar a termo a reunião do homem nele mesmo, isto é, na determinação de seu encargo: a insistência do último deus. [tr. Casanova ; GA65 : 13]
Retenção como a origem da tranquilidade e como lei da reunião. A reunião na tranquilidade e o abrigo da VERDADE. Abrigo da VERDADE e seu desdobramento na ocupação e na lida. [tr. Casanova ; GA65 : 13]
Só quem concebe o fato de que o homem precisa fundar historicamente a sua essência por meio da fundação do ser-aí, o fato de que a insistência da pendência do ser-aí não é outra coisa senão a moradia no tempo-espaço daquele acontecimento, que acontece apropriadoramente como a fuga dos deuses; só quem recolhe de maneira criadora a consternação e a animação do acontecimento apropriador na retenção como tonalidade afetiva fundamental, consegue pressentir a essência do ser e preparar em tal meditação a VERDADE para o futuro VERDADEiro. [tr. Casanova ; GA65 : 19]
Não querer questionar essa questão significa: ou bem se desviar da VERDADE questionável sobre o homem, ou bem difundir a convicção de que já se encontra para toda a eternidade decidido quem nós somos. [tr. Casanova ; GA65 : 19]
O projeto desdobra o projetista e o aprisiona ao mesmo tempo no que é aberto por ele. Esse aprisionamento que pertence ao projeto essencial é o início da fundação da VERDADE conquistada no projeto. [tr. Casanova ; GA65 : 21]
O que e quem “é” o projetista é algo que só se torna tangível a partir da VERDADE do projeto; mas, ao mesmo tempo, também se torna velado a partir dai. Pois isto é o que há de mais essencial, o fato de que a abertura enquanto clareira faz com que o velar-se aconteça e só então o abrigo da VERDADE recebe o seu fundamento e seu aguilhão. [tr. Casanova ; GA65 : 21]
O início é o seer mesmo como acontecimento apropriador, o domínio velado da origem da VERDADE do ente enquanto tal. E, enquanto o acontecimento apropriador, o seer é o início. [tr. Casanova ; GA65 : 23]
O pensamento inicial, porém, encontra o mais duro obstáculo na autocompreensão inexpressa, que o homem hoje tem de si. Abstraindo-nos completamente das interpretações particulares e dos estabelecimentos particulares de finalidades, o homem se considera hoje como um exemplar “presente à vista” do gênero “ser humano”. Isto se deixa transpor para o ser histórico como um acontecimento no interior de uma copertinência gerada. Onde essa interpretação do ser do homem (e, com isso, também de um ser do povo) impera, falta todo e qualquer ponto de apoio e toda e qualquer pretensão a uma chegada do deus. Não tem lugar aí nem mesmo a pretensão da experiência da fuga dos deuses. Precisamente essa experiência pressupõe que o ser humano histórico se saiba exposto em meio ao ente, que é abandonado pela VERDADE de seu ser. [tr. Casanova ; GA65 : 24]
A historicidade aqui concebida como uma VERDADE, um encobrimento clareador do ser enquanto tal. O pensar inicial enquanto pensar histórico, isto é, enquanto um pensar que, na disposição que se conjuga, funda concomitantemente história. [tr. Casanova ; GA65 : 25]
As duas formas de dominação – fundamentalmente diversas – precisam ser queridas e ao mesmo tempo afirmadas pelos que sabem. Aqui temos ao mesmo tempo uma VERDADE, na qual a essência do seer é pressentida: a abertura de um fosso abissal que se essencia no seer em meio à mais elevada unicidade e à mais rasa vulgarização. [tr. Casanova ; GA65 : 25]
“Pensar” na determinação habitual há muito tempo usual é o re-presentar de algo em sua idea como o koinon, re-presentar de algo no universal. Esse pensar, porém, está por um lado referido ao que se encontra presente à vista, ao que já se acha presente (uma determinada interpretação do ente). Deste modo, porém, ele é sempre ultenor, na medida em que não fornece senão o seu maximamente universal para o já interpretado. Esse pensar impera segundo diversos modos na ciência. A apreensão do “universal” é ambígua, sobretudo a caracterização do pensado como koinon visto não originariamente a partir dele mesmo, mas a partir dos “muitos”, do “ente” (enquanto me ón). O ponto de partida dos muitos e a referência fundamental a ele é decisiva e, de início, mesmo no interior do ponto de vista da consciência, de tal modo que ele é o “em face de que”, sem propriamente ser determinado e fundamentado de antemão propriamente em sua VERDADE. Essa VERDADE deve ser primeiro fundamentada pelo “universal”. Assim como essa concepção do pensamento deve ser, então, articulada com o estabelecimento e a conquista de “categorias” e assim como a “forma do pensamento” do enunciado se torna normativa. Esse pensar ainda foi um dia – no primeiro início – criativo junto a Platão e Aristóteles . Mas ele criou justamente o âmbito, no qual o representar do ente enquanto tal futuramente se manteve, no qual, então, o abandono do ser se desdobrou de maneira cada vez mais velada. [tr. Casanova ; GA65 : 27]
O que é concebido é aqui originariamente a “quintessência” e essa em primeiro lugar e sempre referida à conexão que acompanha a viragem em direção ao cerne do acontecimento apropriador. De início, o caráter paradigmático pode ser indicado por meio da ligação, que todo e qualquer conceito de ser enquanto conceito, isto é, em sua VERDADE, tem com o ser-aí e, com isto, com a insistência do homem histórico. Na medida, contudo, em que o ser-aí só se funda como pertencimento à conclamação na viragem do acontecimento apropriador, o mais íntimo da quintessência reside no conceito da própria viragem, naquele saber que, suportando a indigência do abandono do ser, se mantém na prontidão para a conclamação; naquele saber que fala, na medida em que antes silencia a partir da insistência suportadora no ser-aí. [tr. Casanova ; GA65 : 27]
[A imensurabilidade do pensar inicial como pensar finito] Esse pensar e sua ordem por ele desdobrada encontram-se fora da questão de saber se pertenceria a ele um sistema ou não. “Sistema” só é possível em consequência do domínio do pensar matemático (no sentido amplo). Um pensar que se acha fora desse âmbito tanto quanto da determinação correspondente da VERDADE enquanto certeza é, por isto, essencialmente sem sistema, a-sistemático; com isto, contudo, ele não é arbitrário e confuso. A-sistemático só significa algo assim como “confuso” e desordenado, quando ele é medido pelo sistema. [tr. Casanova ; GA65 : 28]
O rigor da retenção é diverso do rigor da “exatidão” do “raciocínio” largado a si mesmo, que pertence igualmente a qualquer um e é indiferente com seus resultados imponentes para tais pretensões de certeza. Aqui, algo só é imponente porque a pretensão de VERDADE se satisfaz com a correção da dedução e com a adaptação a uma ordem dirigida e calculável. Essa moderação é o fundamento do que se mostra como imponente. [tr. Casanova ; GA65 : 28]
Enquanto certeza crescida, o estilo é a lei de realização da VERDADE no sentido do abrigo no ente. E isto porque a arte, por exemplo, é o pôr-em-obra da VERDADE e porque, na obra, o abrigo em si mesmo chega a se aprumar em relação a si mesmo. Por isto, o “estilo”, ainda que só muito pouco concebido, é particularmente visível no campo da arte. O pensamento do estilo, contudo, não é transposto de maneira estendida a partir da arte para o ser-aí enquanto tal. [tr. Casanova ; GA65 : 31]
Uma visada decisiva segundo a realização de ressonância e conexão de jogo. Importante é vislumbrar e perseguir de antemão a ligação entre ser e VERDADE, assim como, a partir daí, tempo e espaço estão fundados em seu pertencimento originário, apesar de toda estranheza. [tr. Casanova ; GA65 : 32]
VERDADE é encobrimento clareador, que acontece como deslocamento extasiante e fascinante. Esses dois deslocamentos, em sua unidade tanto quanto em sua medida excessiva, fornecem o aberto recolocado para o jogo do ente, que se torna sendo no abrigo de sua VERDADE como coisa, utensílio, maquinação, obra, feito, sacrifício. [tr. Casanova ; GA65 : 32]
O abrigo mesmo realiza-se no e como ser-aí. E isto acontece, conquista e perde a história na o-cupação insistente, que pertence de antemão ao acontecimento apropriador, mas que só sabe muito pouco algo sobre esse pertencimento. Essa ocupação pensada não a partir da cotidianidade, mas concebida a partir da ipseidade do ser-aí, se mantém em modos múltiplos que se requisitam entre si: fabricação de utensílios, instituição da maquinação (técnica), criação de obras, ato formador de Estado, sacrifício pensante. Em tudo isso a cada vez de maneira diversa, a pré e a co-configuração de conhecimento e de saber essencial como fundação da VERDADE. “Ciência” apenas uma estaca distanciada de uma penetração determinada da fabricação de utensílios etc.; nada autônomo e nunca podendo ser colocada em conexão com o saber essencial do repensar do ser (filosofia). [tr. Casanova ; GA65 : 32]
Precisamente quem concebeu a questão do ser e quem tentou efetivamente mensurar inteiramente a sua via, esse não pode esperar mais nada da “Antiguidade” e do que se seguiu a ela a não ser a terrível advertência de que é preciso primeiro transpor uma vez mais o questionamento para o interior do mesmo fundamento da necessidade, não daquela necessidade que se deu pela primeira vez, que tinha sido derradeira e apenas assim essenciante. Ao contrário, “retomada” significa aqui deixar o mesmo, a unicidade do seer, se tornar uma vez mais e, com isso, a partir de uma VERDADE mais originária, o necessário e urgente. “Uma vez mais” significa aqui precisamente: algo completamente diverso. Mas para aquela advertência terrível falta ainda a escuta e a vontade de sacrifício, de permanecer sobre o próximo trecho da via que ainda quase não foi aberta. [tr. Casanova ; GA65 : 33]
Inversamente: tudo aquilo que só é pensado de início e em meio à necessidade na transição da questão diretriz desdobrada para a questão fundamental sobre o seer e inquirido como caminho para a VERDADE (o desdobramento do ser-aí), tudo isto nunca pode ser traduzido no deserto sem chão de uma “ontologia” e de uma “doutrina das categorias” até aqui. [tr. Casanova ; GA65 : 34]
“Tempo” é em Ser e tempo a indicação e a ressonância daquilo que acontece como VERDADE da essenciação do seer na unicidade do acontecimento da apropriação. [tr. Casanova ; GA65 : 34]
Em contrapartida, se perguntarmos sobre o seer, então o ponto de partida não se dará aqui a partir do ente, isto é, a partir a cada vez desse ou daquele ente, também não a partir do ente enquanto tal na totalidade, mas realizará o salto para o interior da VERDADE (clareira e encobrimento) do seer mesmo. Aqui se experimenta e se inquire ao mesmo tempo esse elemento que de antemão se essencia (e que reside abscondito mesmo na questão diretriz), a abertura para a essenciação enquanto tal, isto é, a VERDADE. Aqui se questiona concomitantemente a questão prévia acerca da VERDADE. E, na medida em que o seer é experimentado como o fundamento do ente, a questão assim formulada acerca da essenciação do seer é a questão fundamental. Da questão diretriz para a questão fundamental nunca há um caminho contínuo imediato, dotado de um mesmo sentido, que aplique uma vez mais ainda a questão diretriz (ao seer), mas apenas um salto, isto é, a necessidade de um outro início. Com certeza, em contrapartida, por meio da superação desdobradora da formulação da questão diretriz e de suas respostas enquanto tais, precisa ser criada uma transição, que prepara o outro início e o torna em geral visível e intuível. É a essa preparação da transição que serve Ser e tempo , isto é, a obra já se encontra propriamente na questão fundamental, sem desdobrar essa questão de maneira pura a partir de si inicialmente. [tr. Casanova ; GA65 : 34]
Para a questão fundamental, em contrapartida, o ser não é a resposta e o âmbito da resposta, mas o que há de mais digno de questão. Para ele, vale a dignificação única e saliente, isto é, ele mesmo é aberto como domínio e, assim, elevado ao nível do aberto como o que nunca pode ser controlado. O seer como o fundamento, no qual todo ente primeiramente enquanto tal chega à sua VERDADE (abrigo, instituição e objetividade); o fundamento, no qual o ente mergulha (abismo), o fundamento, no qual ele também se atreve a se lançar em sua indiferença e obviedade (não fundamento). O fato de o seer se essenciar de maneira fundante em sua essenciação desse modo indica a sua unicidade e domínio. E esse domínio, por sua vez, é apenas o aceno para o acontecimento apropriador, no qual temos de buscar a essenciação do seer em seu mais extremo velamento. O seer enquanto o que há de mais digno de questão não conhece mesmo em si nenhuma questão. [tr. Casanova ; GA65 : 34]
O silenciamento é a legalidade sensata do silenciar (sigan). O silenciamento é a “lógica” da filosofia, na medida em que ela questiona a partir do outro início a questão fundamental. Ela busca a VERDADE da essenciação do seer e essa VERDADE é o velamento que ressoa e nos fornece um aceno (o mistério) para o acontecimento apropriador (a renúncia hesitante). [tr. Casanova ; GA65 : 37]
Nós nunca podemos dizer de maneira imediata o próprio seer, precisamente se ele é ressaltado no salto. Pois todo dizer vem do seer e fala a partir de sua VERDADE. Toda palavra e, com isso, toda lógica se encontra sob o poder do seer. A essência da “lógica” é, portanto, a sigética. Nela se concebe também pela primeira vez a essência da linguagem. Mas “sigética” é apenas um título para aqueles que ainda pensam em “disciplinas” e só acreditam ter um saber quando o dito é inserido na ordem de tais disciplinas. [tr. Casanova ; GA65 : 37]
A experiência fundamental não é o enunciado, a sentença e, de acordo com isso, o princípio, seja ele “matemático” ou “dialético”, mas o manter-em-si da retenção contra o recusar-se hesitante na VERDADE (clareira do encobrimento) da indigência, da qual emerge a necessidade da decisão. [tr. Casanova ; GA65 : 38]
As “alterações” não são certamente condicionadas de fora, por meio de objeções. Pois até aqui nenhuma objeção se tornou possível, uma vez que a questão ainda não foi de maneira alguma concebida. As “alterações” emergem da abissalidade crescente da própria questão do seer, por meio da qual se retira dela todo e qualquer apoio histórico. Por isto, o caminho mesmo se torna com certeza cada vez mais essencial, não como “desenvolvimento pessoal”, mas como o empenho visado de maneira completamente não biográfica do homem por trazer o seer mesmo no ente à sua VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 42]
Pela primeira vez acontece isso como o pensar de Nietzsche ; e o que vem ao nosso encontro aí como “psicologia”, como autodecomposição, dissolução e “Ecce homo”, com todo o elemento contemporâneo daquele tempo desértico, tem sua VERDADE propriamente dita como história do pensar, que em Nietzsche ainda busca primeiramente o a pensar e encontra-o ainda na esfera do modo de questionamento metafísico (vontade de poder e eterno retorno do mesmo). [tr. Casanova ; GA65 : 42]
O perigo de interpretar equivocadamente Ser e tempo nessa direção “antropológico”-“existenciária”, de ver os nexos entre caráter resoluto – VERDADE – ser-aí a partir da resolução visada moralmente, ao invés de, inversamente, a partir do fundamento vigente do ser-aí, a VERDADE como abertura, conceber o caráter resoluto como a espacialização temporalizante do campo de jogo temporal do seer, esse perigo é natural e é intensificado por aquilo que em muitos aspectos se encontra indomado em Ser e tempo . Mas a interpretação falsa é, no fundo, ainda que não em uma superação executora, alijada, se desde o início se retém a questão fundamental acerca do “sentido do seer” como a única questão. [tr. Casanova ; GA65 : 43]
O longo hábito, não apenas moderno, de uma visão de primeiro plano do homem (como animal rationale) em todo o pensar ocidental torna difícil dizer palavras e conceitos dotados de um conteúdo antropológico-psicológico aparentemente fixo a partir de uma VERDADE completamente diversa e para a fundação dessa VERDADE, sem ir ao encontro dessa interpretação antropológica falsa e de sua réplica cômoda, segundo a qual justamente tudo seria “antropológico”. O caráter leviano dessa objeção é tão ilimitado, que nunca se quer colocar o homem, isto é, a si mesmo, em questão, talvez porque não se esteja em segredo tão completamente seguro da magnificência antropológica do homem. [tr. Casanova ; GA65 : 43]
Enquanto o “seer” for concebido como entidade, como o de algum modo “geral” e, com isso, como uma condição ativada por detrás do ente para o ente, isto é, de sua representidade, isto é, de sua objetualidade e, por fim, de seu ser “em si”, o seer mesmo será degradado em meio à VERDADE do ente, em meio à correção do re-presentar. Como tudo isso em Kant se encontra realizado da maneira mais pura possível, pode-se tentar em sua obra tornar visível algo ainda mais originário e, por isso, não dedutível a partir dele, totalmente diverso, correndo o risco de que, então, essa tentativa seja uma vez mais lida kantianamente e seja interpretada de maneira falsa como um “kantismo” arbitrário, tornando-se inócua. [tr. Casanova ; GA65 : 44]
O saber sobre o constante ser pensado do raro pertence à vigília para o seer, cuja essência enquanto a VERDADE mesma irradia no escuro de sua própria ardência. [tr. Casanova ; GA65 : 44]
A missão, porém, à luz e na via da decisão: o abrigo da VERDADE do acontecimento apropriador a partir da retenção do ser-aí na grande tranquilidade do seer. [tr. Casanova ; GA65 : 45]
Por meio do que é tomada a decisão? Por meio do presente ou da permanência de fora daqueles insignemente delineados, que nós denominamos “os que estão por vir”, em diferença em relação aos muitos que arbitrariamente virão depois e aos imparáveis, que não têm mais nada diante de si e mais nada atrás de si. Desses elementos delineados faz parte: 1) Aqueles poucos particulares, que fundam de antemão os sítios e os instantes para os âmbitos do ente naquelas vias essenciais do ser-aí fundante (poesia – pensamento – ação – sacrifício). Eles criam, assim, a possibilidade essenciante para os diversos abrigos da VERDADE, abrigos esses nos quais o ser-aí se torna histórico. 2) Aqueles inúmeros elos de ligação, para os quais está dado pressentir a partir da concepção do querer sapiente e das fundações do particular as leis da recriação do ente, da preservação da terra e do projeto do mundo em sua contenda e torná-las visíveis em meio à execução. 3) Aquelas muitas referências de um para o outro, de acordo com a sua proveniência histórica (terrena e mundana), por meio da qual e para a qual a recriação do ente e, com isso, a fundação da VERDADE do acontecimento apropriador conquista consistência. 4) Os particulares, os poucos, os muitos (não considerados como número, mas com vistas ao seu caráter assinalado) se encontram ainda em parte nas antigas ordens correntes e planejadas. Essas ordens só se mostram ainda como uma proteção de sua consistência ameaçada ao modo de um invólucro ou ainda como forças diretrizes de seu querer. A consonância desses particulares, desses poucos e muitos é velada, não produzida, crescendo repentinamente e por si. Impera sobre ela o reinado a cada vez diverso do acontecimento apropriador, no qual se prepara uma reunião originária, na qual e como a qual se toma histórico aquilo que pode ser denominado um povo. 5) Esse povo é em sua origem e em sua determinação unicamente de acordo com a unicidade do próprio seer, cuja VERDADE ele tem de fundar uma única vez junto a um único sítio em um único instante. Como é que essa decisão pode ser preparada? Será que o saber e a vontade têm aqui um espaço para dispor ou só se trata aqui de uma intervenção cega em necessidades veladas? Mas necessidades só reluzem em uma indigência. E a preparação de uma prontidão para a decisão encontra-se naturalmente sob o domínio da necessidade de apenas ainda acelerar por fim a falta de história turbilhonante e calcificar suas condições, onde ela quer de qualquer modo o diverso. [tr. Casanova ; GA65 : 45]
Todas essas possibilidades têm supostamente ainda sua longa história prévia, na qual elas permanecem ainda sem serem conhecidas e falsamente interpretáveis. De onde, porém, vem para a filosofia do futuro a sua necessidade e indigência? Ela mesma não precisa despertar – iniciando-se – pela primeira vez essa necessidade e essa indigência? Essa necessidade e essa indigência se encontram aquém da aflição e da preocupação, que sempre apenas contornam as coisas em um aceno qualquer do ente fixado e de sua “VERDADE”. Essa necessidade e essa indigência não têm, por outro lado, como ser suspensas e mesmo negadas por meio da arrumação de um suposto autodivertimento com os “milagres” do “ente”. Essa necessidade e essa indigência, enquanto fundamento da necessidade da filosofia, são experimentadas através do espanto no júbilo do pertencimento ao ser, júbilo esse que coloca no aberto como um aceno o abandono do ser. [tr. Casanova ; GA65 : 45]
A ressonância do seer como recusa no abandono do ser do ente – isso já diz que aqui não deve ser descrito, explicado ou colocado em ordem algo presente à vista. O peso do pensamento é diverso no outro início da filosofia: o re-pensar daquilo que acontece apropriadoramente como o próprio acontecimento apropriador, trazendo o seer para a VERDADE de sua essenciação. Como, porém, no outro início, o seer se torna acontecimento apropriador, a ressonância do seer também precisa ser história, atravessar a história em um abalo essencial e poder dizer e saber ao mesmo tempo o instante dessa história. (Não são uma caracterização e uma descrição histórico-filosófica que se tem em vista aqui, mas um saber sobre a história a partir do instante e como o instante da primeira ressonância da VERDADE do próprio seer). E, de qualquer modo, o discurso soa como se só vigorasse a denominação do atual. O que é dito seria sobre a era da completa inquestionabilidade, que estende seu espaço de tempo subtemporalmente para além do atual de volta e muito para a frente. Nessa era, nada essencial – caso essa determinação em geral ainda tenha um sentido – é mais impossível ou inacessível. Tudo “é feito” e “se deixa fazer”, contanto que se tenha a “vontade” para tanto. O fato, porém, de ser precisamente essa “vontade”, que já estabeleceu e degradou de antemão aquilo que pode ser possível e, antes de tudo, necessário, já é de antemão desconhecido e deixado fora de toda e qualquer questão. Pois essa vontade, que faz tudo, se prescreveu de antemão a maquinação, aquela interpretação do ente como o re-presentável e re-presentado. Re-presentável significa por um lado: acessível no visar e no calcular; e significa, então: passível de ser trazido à tona na pro-dução e na execução. Tudo isso, porém, pensado a partir do fundamento: o ente enquanto tal é o re-presentado, e apenas o representado é ente. O que estabelece aparentemente uma resistência e um limite para a maquinação é, para ela, apenas a matéria prima para o trabalho ulterior e o impulso para o progresso, a ocasião para a extensão e a ampliação. No interior da maquinação, não há nada digno de questão, algo tal que pudesse ser honrado enquanto tal e honrado sozinho, e, com isso, iluminado e elevado ao nível da VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 51]
A era da completa ausência de questões não tolera nada digno de questão e destrói toda solidão. Por isso, ela precisamente precisa difundir o discurso acerca do fato de que, ao mesmo tempo, cada um de nós adquire conhecimento por meio da solidão desse solitário e é instruído a tempo sobre o seu fazer em termos de “imagens” e “sons”. Aqui, a meditação toca tangencialmente o elemento sinistro da era e se sabe também, afinal, muito distante de todo e qualquer tipo de “crítica temporal” e de “psicologia” vulgar. Pois é importante saber que aqui, em todo o deserto e em todo o caráter terrível, ressoa algo da essência do seer e alvorece o abandono do ente (enquanto maquinação e vivência) pelo seer. Essa era da completa ausência de questão só pode ser ultrapassada por uma era da simples solidão, na qual se prepara a prontidão para a VERDADE do próprio seer. [tr. Casanova ; GA65 : 51]
O homem é, assim, superofuscado pelo elemento maquinal-objetual, de tal modo que o ente já se lhe subtrai; tanto mais ainda o seer e sua VERDADE, na qual originariamente pela primeira vez todo ente precisa emergir de maneira nova e causar estranheza, para que o criar acolha seus grandes impulsos, a saber, para a criação. [tr. Casanova ; GA65 : 52]
Ao abandono do ser pertence o esquecimento do ser e, do mesmo modo, a decomposição da VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 54]
Abandono do seer é, no fundo, uma de-generescência do seer. A essência é perturbada e só ganha a VERDADE como correção da re-presentação – noein – dianoein – idea. O ente permanece o que se presenta, e propriamente ente é o constantemente presente e, assim, o que a tudo con-diciona, o in-condicionado, o ab-soluto, ens entium, Deus etc. Todavia, que acontecimento de que história é esse abandono? Há uma história do seer? E o quão raramente e quase nunca ela vem encoberta à luz? [tr. Casanova ; GA65 : 55]
A esse esquecimento do ser, porém, corresponde a compreensão de ser dominante, ou seja, ele é enquanto tal pela primeira vez consumado e encobre a si mesmo por meio dessa compreensão. Nela vige como VERDADE intocável sobre o seer o seguinte: 1) Sua universalidade (o “que há de mais geral”, cf idea – koinon – gene); 2) Seu caráter corrente (inquestionado, uma vez que contém o que há de mais vazio e nada questionável). [tr. Casanova ; GA65 : 56]
A longa hesitação da VERDADE e das decisões é uma recusa da via mais curta e dos maiores instantes. Nessa era, “o ente”, aquilo que se denomina o “efetivamente real”, “a vida” e “os valores”, é desapropriado do seer em meio ao acontecimento. [tr. Casanova ; GA65 : 57]
A maquinação como essenciação da entidade dá um primeiro aceno para o cerne da VERDADE do próprio seer. Nós sabemos muito pouco sobre ela. Apesar disso, ela impera inteiramente sobre a história do ser da filosofia ocidental até aqui, de Platão até Nietzsche . [tr. Casanova ; GA65 : 61]
Parece ser uma lei da maquinação, cujo fundamento ainda não foi investigado, o fato de que ela, quanto mais normativamente ela se desdobra – assim na Idade Média e na Modernidade –, tanto mais tenaz e maquinacionalmente ela se encobre enquanto tal; na Idade Média por detrás do ordo e da analogia entis, na Modernidade por detrás do caráter do que se encontra contraposto e da objetividade como as formas fundamentais da realidade efetiva e, com isso, da entidade. E com essa primeira lei da maquinação está articulada uma segunda: quanto mais decididamente desse modo a maquinação se encobre, tanto mais ela impele ao predomínio daquilo que, segundo sua essência, parece ser completamente contraposto a ela, mas que, contudo, possui a mesma essência que ela, a vivência. Assim, insere-se uma terceira lei: quanto mais incondicionadamente a vivência se mostra como medida da correção e da VERDADE (e, com isso, da “realidade efetiva” e da constância), tanto mais sem perspectivas se torna o fato de que, a partir daí, se realize um conhecimento da maquinação enquanto tal. [tr. Casanova ; GA65 : 61]
O que é vivência? Em que medida a certeza do eu (prelineada em uma interpretação determinada da entidade e da VERDADE). Como o despontar da vivência fomenta e solidifica o modo de pensar antropológico. Em que medida o vivenciar é um fim (porque ratifica incondicionadamente a “maquinação”). [tr. Casanova ; GA65 : 66]
Maquinação como dominação do fazer e do produto do fazer. Nesse caso, porém, não se pode pensar no fazer e no empreender humanos e em seu funcionamento. Algo assim só é possível em sua incondicionalidade e exclusividade com base na maquinação. Essa é a denominação de uma VERDADE determinada do ente (de sua entidade). De início e na maioria das vezes, essa entidade nos é concebível como objetualidade (ente como objeto da representação). Mas a maquinação concebe essa entidade de maneira mais profunda, mais inicial, porque ligada com a techne. Na maquinação reside ao mesmo tempo a interpretação bíblico-cristã do ente como ens creatum, por mais que esse possa ser tomado agora de modo relacionado com a crença ou de modo secularizado. [tr. Casanova ; GA65 : 67]
O passo de Descartes já é uma primeira e decisiva consequência, por meio da qual a maquinação conquista o domínio como a VERDADE transformada (correção), a saber, como certeza. [tr. Casanova ; GA65 : 67]
Os dois nomes designam a história da VERDADE e da entidade como a história do primeiro início. [tr. Casanova ; GA65 : 67]
Será que o que há de mais extremo e mais oposto é, com isso, reconhecido em seu pertencimento, em um pertencimento que indica ele mesmo pela primeira vez aquilo que nós ainda não concebemos porque a VERDADE desse VERDADEiro ainda não foi fundada? Mas nós podemos meditar sobre esse elemento de pertença e aí sempre permanecer cada vez mais distantes de todo e qualquer tipo de análise “situacional” autoembasbacada. [tr. Casanova ; GA65 : 68]
A meditação sobre “a ciência”, que tem de ser fixada em uma série de sentenças diretrizes, precisa destacar algum dia esse nome da indeterminação histórica característica da equiparação arbitrária com episteme, scientia, Science, fixando-a com vistas à essência moderna da ciência. Ao mesmo tempo, a subespécie que se firmou na ciência, a subespécie da aparência de saber (como resguardo da VERDADE), precisa se tornar clara e a ciência precisa ser perseguida até as instituições e os estabelecimentos de funcionamento que pertencem necessariamente à sua essência maquinal (a “universidade” atual). Para a caracterização da essência dessa ciência, na medida em que a ligação com o “ente” é vislumbrada, a distinção agora corrente entre ciências históricas e ciências exatas experimentais é diretriz, apesar de essa distinção, assim como a distinção que emerge dela entre “ciências da natureza e ciências do espírito”, só ser uma distinção de primeiro plano e só encobrir propriamente de maneira precária a essência una das ciências que, em aparência, são fundamentalmente diversas. A meditação não é válida inteiramente para uma descrição e uma clarificação dessas ciências, mas para a solidificação realizada através delas e nelas do abandono do ser, em suma, da ausência de VERDADE de toda ciência. [tr. Casanova ; GA65 : 73]
O outro caminho, que estaria prelineado nas seguintes sentenças diretrizes, concebe a ciência em sua constituição atual real e efetiva. Essa meditação tenta conceber a essência moderna da ciência segundo as aspirações que lhe são pertinentes. Como meditação, porém, ela também não é nenhuma mera descrição de um estado presente à vista, mas a exposição de um processo, na medida em que esse processo conflui para uma decisão sobre a VERDADE da ciência. Essa meditação permanece dirigida pelos mesmos critérios de medida que a primeira e não é senão o reverso daquela. [tr. Casanova ; GA65 : 75]
2) De acordo com isso, “a ciência” mesma não é nenhum saber (n. 23) no sentido da fundação e da conservação de uma VERDADE essencial. A ciência é uma instituição derivada de um saber, isto é, a abertura maquinacional de uma esfera de correções no interior da região de uma VERDADE de resto velada, que não é de modo algum questionável para a ciência (sobre a “natureza”, a “história”, o “direito”, por exemplo). [tr. Casanova ; GA65 : 76]
3) O que é cognoscível “cientificamente” é a cada vez previamente dado “para a ciência” em uma “VERDADE”, ela mesma nunca concebível pela ciência, uma VERDADE que concerne à região conhecida do ente. O ente se encontra presente como região para a ciência; trata-se de um positum, e cada ciência é em si ciência “positiva” (mesmo a matemática). [tr. Casanova ; GA65 : 76]
10) Na medida em que “a ciência” tem na investigação integral de sua região a única tarefa que lhe é própria, a ciência mesma porta em si o traço de uma elevação da posição de primado do avanço e do procedimento em face da própria região de objetos. A questão decisiva para a ciência enquanto tal não é que caráter essencial tem o ente mesmo que se acha à base da sua região de objetos, mas se com esse ou com aquele procedimento é possível esperar por um “conhecimento”, isto é, por um resultado para a investigação. Diretriz é o olhar para a instituição dos “resultados” e para a colocação dos “resultados” à disposição. Os resultados e até mesmo o seu caráter imediata e inteiramente próprio para a utilização asseguram a correção da investigação, correção científica essa que é considerada como a VERDADE de um saber. Ao se reportar aos “resultados” e à sua utilidade, “a” ciência precisa buscar a partir de si a ratificação de sua necessidade (não faz em essência nenhuma diferença se, nesse caso, “a ciência” se justifica como “valor cultural” ou como “serviço ao povo” ou como “ciência política”, razão pela qual, então, todas as justificativas e “dotações de sentido” desse tipo correm umas através das outras e se comprovam cada vez mais, apesar da aparente inimizade, como se copertencendo). Só uma ciência inteiramente moderna (isto é, “liberal”) pode ser uma “ciência popular”. Só a ciência moderna permite, com base na posição de primado do procedimento em face da coisa e da correção do juízo em face da VERDADE do ente uma comutação regulável sempre e a cada vez de acordo com a necessidade e com vistas a diversas finalidades (levar a termo o materialismo e o tecnicismo decisivos no bolchevismo; entrada em ação no plano quadrienal; utilização para a educação política). “A” ciência é aqui por toda parte a mesma, e ela se torna por meio desses diversos estabelecimentos de finalidades no fundo cada vez mais uniforme, isto é, “internacional”. Como a “ciência” não é nenhum saber, mas a instituição de correções em uma região explicativa, “as ciências” também experimentam necessariamente a partir do estabelecimento de finalidades a cada vez novas ao mesmo tempo novos “impulsos”, com a ajuda dos quais elas podem se convencer ao mesmo tempo da inexistência de toda e qualquer ameaça (a saber, de toda e qualquer ameaça essencial) e continuar investigando com uma “aquietação” renovada. Assim, não foram precisos agora senão poucos anos até que “a ciência” tivesse clareza quanto ao fato de que sua essência “liberal” e seu “ideal de objetividade” não apenas se mostram como bem compatíveis com a “orientação” político-popular, mas são mesmo imprescindíveis para ela. E, por isso, tanto a partir da “ciência”, quanto a partir da “visão de mundo”, é preciso admitir de maneira unânime, que o discurso sobre uma “crise” da ciência de fato não foi senão um falatório. A “organização” “popular” “da” ciência movimenta-se pela mesma via que a organização “americanista”, a questão é apenas de que lado os meios e as forças maiores são colocados para a disposição mais rápida e plena, a fim de sair à caça da essência inalterada e também inalterável por si da ciência moderna, indo ao encontro de seu estado final extremo, uma “tarefa” que pode precisar ainda de séculos e que exclui de maneira cada vez mais definitiva toda e qualquer possibilidade de uma “crise” da ciência, isto é, de uma transformação essencial do saber e da VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 76]
20) As “universidades”, enquanto “sítios da investigação e da doutrina da ciência” (assumindo tal modo de ser, elas são construtos do século 19) se transformam em puras instituições funcionais cada vez mais “próximas da realidade efetiva”, nas quais nada chega a se decidir. Elas só se mantêm como o último resto de uma decoração cultural, enquanto elas precisam permanecer em um primeiro momento ainda ao mesmo tempo um meio para a propaganda “político-cultural”. Uma essência qualquer de “universitas” não tem mais como ser desdobrada a partir delas: por um lado, porque a utilização político-populista torna supérfluo algo desse gênero, e, em seguida, porém, porque o funcionamento da ciência pode ser mantido em movimento de maneira muito mais segura e confortável mesmo sem o “elemento universitário”, o que significa aqui simplesmente, sem a vontade de meditação. A filosofia, compreendida aqui apenas como meditação pensante sobre a VERDADE, isto é, sobre a questionabilidade do seer, não como erudição historiológica capaz de fabricar “sistemas”, não tem na “universidade” e na instituição funcional na qual ela se transformará simplesmente nenhum lugar. Pois ela não “tem” em geral em parte alguma tal lugar para além daquele que ela mesma funda, para o qual, porém, não consegue conduzir imediatamente nenhum caminho marcado por uma instituição fixa. [tr. Casanova ; GA65 : 76]
A transição para o outro início realiza uma cesura, que há muito não se dá mais entre direções da filosofia (idealismo – realismo etc.) ou mesmo entre posturas da “visão de mundo”. A transição cinde a emergência do seer e a fundação de sua VERDADE na existência de toda ocorrência e apreensão do ente. [tr. Casanova ; GA65 : 89]
Quão poucos compreendem e o quão raramente esses que compreendem concebem a “negação”. Só se vê nela de imediato a rejeição, o alijamento, a degradação e até mesmo a decomposição. Essas figuras da negação não se difundem apenas com frequência, mas também são elas que vão ao encontro da representação corrente do “não” da maneira mais imediata possível. Assim, fica de fora pensar na possibilidade de que a negação pudesse ter até mesmo uma essência ainda mais profunda do que o “sim”; sobretudo uma vez que o sim também é concebido de imediato no sentido de todo e qualquer tipo de anuência, ou seja, de maneira tão superficial quanto o não. Mas, no âmbito da representação e da “valoração” representativa, a concordância e a recusa são a única forma do sim e do não? Será que, em geral, aquele âmbito é o único e o essencial ou será que, como toda correção, ele também provém da VERDADE mais originária? E o sim e o não – e esse de maneira mais originária do que aquele – não são uma posse essencial do próprio ser? [tr. Casanova ; GA65 : 90]
Se buscarmos a história da filosofia efetivamente no acontecimento do pensar e de seu primeiro início e se mantivermos aberto esse pensar em sua historicidade por meio do desdobramento da questão diretriz não desdobrada através de toda essa história até Nietzsche , então o movimento interno desse pensar, apesar de só ser retido por meio de fórmulas, por meio de passos e níveis particulares, pode ser retido: A experiência e a apreensão e reunião do ente em sua VERDADE solidificam-se na questão acerca da entidade do ente a partir do fio condutor e da antecipação do “pensar” (enunciar apreendedor). [tr. Casanova ; GA65 : 91]
No primeiro início, a VERDADE (enquanto desvelamento) é um caráter do ente enquanto tal e, de acordo com a mudança da VERDADE para a correção do enunciado, a “VERDADE” se transforma na determinação do ente que se tornou algo objetivo, (VERDADE como correção do juízo, “objetividade”, “realidade efetiva” – “ser” do ente). [tr. Casanova ; GA65 : 91]
Se essa indigência não tivesse a grandeza da pro-veniência a partir do primeiro início, de onde ela retiraria, então, a força para a imposição da prontidão para o outro início? E, por isto, a questão da VERDADE é o primeiro passo para o estar pronto. Essa questão da VERDADE, apenas uma figura essencial da questão do seer, mantém essa questão futuramente fora das regiões da “metafísica”. [tr. Casanova ; GA65 : 91]
O outro início não é a direção contrária em relação ao primeiro início, mas se encontra como outro fora do contra e da comparabilidade imediata. Por isto, a confrontação também não é nenhuma adversariedade, nem no sentido da recusa tosca, nem sob o modo de uma suspensão do primeiro no outro. O outro início auxilia a partir de uma nova originariedade o primeiro início para a VERDADE de sua história e, com isso, para a sua alteridade inalienável mais própria, que só se torna frutífera no diálogo histórico dos pensadores. [tr. Casanova ; GA65 : 92]
O fato de a entidade ter sido concebida desde a Antiguidade como presentidade constante já vale para muitos, se é que eles em geral perguntam sobre uma fundamentação, como fundamentação. Mas o caráter do inicial e do primevo nessa interpretação do ente não é imediatamente uma fundamentação, mas torna inversamente essa interpretação pela primeira vez propriamente questionável. Para o questionamento correspondente se mostra: não se pergunta de maneira alguma sobre a VERDADE da entidade. Para o pensar do primeiro início, a interpretação é infundada e infundável, e isso com razão, se compreendermos por interpretação a explicação explicativa, que reconduz a um outro ente (!). Não obstante, essa interpretação do ón como physis (e mais tarde idea) não é sem fundamento, mas com certeza ela permanece velada com vistas ao fundamento (isto é, à VERDADE). Poder-se-ia achar que a experiência da fugacidade, do surgimento e do perecimento, sugeriria e exigiria como contraparte o estabelecimento da constância e da presentidade. Mas por que é que o que surge e o que perece são considerados como o não ente? De qualquer modo, isso só acontece se a entidade já se encontra fixada como constância e presentidade. Por isto, entidade não é deduzida a partir do ente ou do não-ente, mas o ente é projetado para essa entidade, a fim de se mostrar pela primeira vez no aberto desse projeto como o ente ou não-ente. Mas a partir de onde e por que a abertura da entidade é sempre projeto? Mas a partir de onde e por que o projeto é de tal tempo não concebido por si mesmo? As duas coisas estão em conexão? (Tempo extaticamente e projeto fundado como ser-aí). [tr. Casanova ; GA65 : 100]
Na medida, porém, em que, assim, a pura ligação do eu-penso-unidade (no fundo uma tautologia) se torna a ligação incondicionada, isso significa: o presente que está presente para si mesmo passa a ser o critério de medida de toda entidade. E por mais que tudo permaneça encoberto nas ligações mais profundas, mostra-se com isso uma coisa decisiva: como o pensar, e de maneira cada vez mais própria o pensar, se torna incondicionadamente o fio condutor, tanto mais decididamente o caráter de presente enquanto tal, isto é, o “tempo” em um sentido originário, se torna aquilo que dá de maneira completamente encoberta e inquestionada à entidade a VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 102]
A VERDADE enquanto correção não consegue reconhecer seu próprio campo de jogo enquanto tal, isto é, ela não consegue fundamentá-lo. Ela se auxilia, na medida em que eleva a si mesma em direção ao incondicionado e coloca tudo sob si, a fim de não carecer mais assim por si mesmo do fundamento (assim o parece). [tr. Casanova ; GA65 : 102]
Para a produção da história do “fio condutor”, isto é, da fixação do horizonte no saber absoluto, os seguintes níveis graduais são importantes: Do ego cogito sum enquanto a primeira certeza, do normativo certum = verum = ens, para o connaissance des verités nécessaires como condição de possibilidade da reflexion, da apreensão do eu enquanto “eu”. A mais necessária VERDADE é a essência do VERDADEiro como identitas, e essa é a entitas entis e enquanto doadora de antemão (qua principium) consciente de horizonte para a apreensão da perceptio e de seu perceptum, para a apperceptio, a apreensão expressa da monas enquanto monas. A partir daqui aponta-se o caminho para a unidade sintética originária da apercepção transcendental. Daqui para o “eu” enquanto a identidade originária, que se sabe conveniente e, por isso, essente. (A = A fundado no eu = eu, e não eu = eu fundado no caso particular do A = A). Na medida, porém, em que o “eu” é concebido de maneira transcendental como unidade-eu-penso, essa identidade originária é ao mesmo tempo a unidade incondicionada, que a tudo condiciona, mas, apesar disso, ainda não absoluta, uma vez que, em termos fichtianos, o posicionado só é posicionado como não-eu. O caminho para a identidade absoluta só acontece em Schelling . [tr. Casanova ; GA65 : 102]
2) O idealismo alemão é aquele que, prelineado por meio de Leibniz e com base no passo transcendental kantiano para além de Descartes , procurou pensar o ego cogito da apercepção transcendental de maneira absoluta e que concebeu ao mesmo tempo o absoluto na direção da dogmática cristã, de tal modo que essa dogmática alcança nessa filosofia a sua VERDADE propriamente dita, VERDADE essa que chegou a si mesma; e isto significa, cartesianamente (!), a mais elevada certeza de si. O equívoco desse idealismo alemão, se é que podemos julgar nesses âmbitos dessa forma, não reside no fato de que ele se achava “distante da vida”, mas, ao contrário, no fato de que ele se movimenta total e completamente na via da existência moderna e do Cristianismo, ao invés de colocar a questão do ser para além do “ente”. O idealismo alemão estava próximo demais da vida e propiciou de certa maneira a não filosofia do positivismo que o remiu e que agora festeja seu triunfo biologista. [tr. Casanova ; GA65 : 103]
A confusão se intensifica radicalmente, quando se busca chegar, com o auxílio da diferença “ontológica” que emergiu de modo ontológico-fundamental, a uma solução da questão. Pois essa “diferença” é, com efeito, apenas ponto de partida não na direção da questão diretriz, mas na direção do salto ao cerne da questão fundamental; não para jogar de maneira obscura com marcas desde então fixas (ente e ser), mas para retornar à questão acerca da VERDADE da essenciação do seer e, com isso, para apreender de maneira diversa a ligação entre seer e ente, sobretudo porque o ente enquanto tal experimenta uma interpretação transformada (guarda da VERDADE do acontecimento apropriador) e porque não subsiste mais nenhuma possibilidade de inopinadamente contrabandear para aí “o ente” enquanto “objeto representado” ou enquanto “algo presente à vista em si” e coisas do gênero. [tr. Casanova ; GA65 : 107]
1) Como o espaço e tempo são experimentados e concebidos, como eles são denominados no primeiro início; o que significa aqui interpretação “mítica”? 2) Como os dois mesmos estão voltados para o interior do âmbito do ente como o constantemente presente e, em parte, como um me ón. 3) O fato de aqui o âmbito da VERDADE se encontrar cerrado e permanecer desconhecido. 4) Em que medida não há nenhuma possibilidade e nenhuma necessidade de repensar espaço e tempo (lugar e agora) em sua origem (pertencente à aletheia). 5) Por meio do que, então, espaço e tempo se tornam representações de quadros pela via de sua interpretação com vistas ao melethos. 6) Como esse ponto de partida é, então, assumido no pensar “matemático” moderno. 7) Como é que, em Leibniz e em Kant , por fim, a ambiguidade de sua essência e da ligação com o “eu” e com a “consciência”, que já vige ela mesma, tal como a interpretação do ente enquanto ousia, como certa e como decidida em seu conceito. (Tal como mesmo Nietzsche não pergunta aqui desde o fundamento). [tr. Casanova ; GA65 : 108]
25) De acordo com isso precisamos perguntar: a) Em que experiência e interpretação está fundado o estabelecimento do ente enquanto idea? Em que VERDADE (de que essência) se b) encontra a determinação da entidade (ousia) do ente, ón, como idea? c) Se essa VERDADE permaneceu indeterminada, e ela permaneceu, por que não se perguntou sobre ela? d) Se nenhuma necessidade em relação a tal questão se fez valer, em que esse questionamento tem o seu fundamento? Esse fundamento só pode residir no fato de que a interpretação da entidade enquanto idea era completamente suficiente para a questão acerca do ente e tragava de antemão todo e qualquer questionamento diverso. E isso, por sua vez, precisa estar fundamentado na unicidade da interpretação do ente. e) Essa interpretação projeta o ente com vistas à presentidade constante. A idea se essencia enquanto tal e torna todo e qualquer passo para além disso impossível; pois com tal projeção o ser passa a se dar na essenciação, de acordo com a qual o ente encontra tudo preenchido. A essenciação enquanto presentidade e constância não abre nenhum espaço para uma in-suficiência e, com isso, também não oferece nenhum motivo para a questão acerca da VERDADE dessa interpretação; ela ratifica a si mesma como aquilo que ratifica todo ente enquanto tal. A entidade enquanto idea é, com isso, por si mesma o VERDADEiramente (alethos) ente, ón. f) Por meio dessa interpretação do ente é atribuída ao homem desde então e de acordo com o ser uma posição inequívoca: como constantemente presente, o VERDADEiramente ente é sempre e a cada vez o contraposto, a vista que se encontra em face de; o homem, por sua vez, é aquilo que ocorre e que está ligado e por si mesmo vinculado a esse contraposto; ele pode ser ele mesmo ainda o contraposto em meio à reflexão; o desdobramento posterior de consciência, objeto e “auto”-consciência se acham preparados. g) Não obstante, resta o fato de que a aletheia tinha sido experimentada e vislumbrada com a interpretação inicial do ón como physis. E, de acordo com isso, há no primeiro início mais do que na interpretação platônica. E, por isso, em meio à confrontação, o primeiro início precisa ser recolocado em sua grandeza e unicidade incapazes de serem falsificadas; a confrontação não o suspende, mas funda pela primeira vez sua necessidade para o outro. [tr. Casanova ; GA65 : 110]
O seer como o acontecimento apropriador é a vitória do incontornável no testemunho do deus. Será que o ente, porém, consegue se inserir na junção fugidia do seer? Será que é conferido ao homem, ao invés da desertificação em uma perduração progressiva, a unicidade do declínio? O declínio é a reunião de toda grandeza no instante da prontidão para a VERDADE da unicidade e singularidade do seer. O declínio é a mais íntima proximidade com a recusa, na qual o acontecimento apropriador se doa ao homem. [tr. Casanova ; GA65 : 116]
A meditação “ontológico-fundamental” (fundamentação da ontologia como sua superação) é a transição do fim do primeiro início para o outro início. Essa transição, contudo, é ao mesmo tempo o ímpeto para o salto, por meio do qual apenas um início, e, sobretudo, o outro, pode, como constantemente ultrapassado pelo primeiro, se iniciar. Aqui, na transição, prepara-se a decisão mais originária e, por isso, mais histórica, aquele ou-ou, em relação ao qual não restam nenhum esconderijo e nenhuma região para o desvio; ou permanecemos presos ao fim e ao seu transcurso, o que significa ao mesmo tempo às modulações renovadas da “metafísica”, que vêm se tornando cada vez mais toscas, desprovidas de fundamento e de meta (o novo “biologismo” e coisas do gênero), ou iniciamos o outro início, ou seja, nos decidimos pela sua longa preparação. Agora, porém, uma vez que o início só acontece no salto, essa preparação também precisa já ser um saltar e, enquanto preparação, provir e se destacar por meio de um salto da confrontação (conexão de jogo) com o primeiro início e sua história. O totalmente outro do outro início em contraposição ao primeiro pode ser elucidado por meio de um dizer, que aparentemente só joga com uma inversão, enquanto na VERDADE tudo se modifica. [tr. Casanova ; GA65 : 117]
No outro início, porém, o ente é de tal modo, para que ele suporte ao mesmo tempo a clareira na qual se encontra imerso, clareira essa que se essencia como clareira do encobrir-se, isto é, do seer como acontecimento apropriador. No outro início, todo ente é sacrificado pelo seer, e, a partir daí, o ente enquanto tal obtém pela primeira vez a sua VERDADE. O seer, contudo, se essencia como acontecimento apropriador, como os sítios instantâneos da decisão quanto à proximidade e à distância do último deus. Aqui, na habitualidade incontornável do ente, o seer é o que há de mais inabitual; e esse estranhamento do seer não é um modo de sua aparição, mas ele mesmo. A inabitualidade do seer corresponde no âmbito da fundação de sua VERDADE, isto é, no ser-aí, à unicidade da morte. O mais terrível júbilo precisa ser a morte de um deus. Só o homem “tem” a distinção de se encontrar diante da morte, porque o homem é insistentemente no seer: a morte, a mais elevada testemunha do seer. [tr. Casanova ; GA65 : 117]
Se soubéssemos a lei da chegada e fuga dos deuses, então conceberiamos algo primeiro em relação ao acometimento e à permanência de fora da VERDADE e, com isso, da essenciação do seer. [tr. Casanova ; GA65 : 120]
O seer se essencia como a VERDADE do ente. Sobre esse ente já sempre se decidiu com a essenciação do seer concebida ainda de maneira muito rudimentar e por meio de desvios. Com isso, a decisão sobre a VERDADE cai em todos os aspectos no salto para o interior da essenciação do seer. [tr. Casanova ; GA65 : 120]
Clareira e encobrimento, constituindo a essenciação da VERDADE, nunca podem, por isso, ser considerados como um transcurso vazio e como objeto do “conhecimento”, de uma representação. Clareira e encobrimento são arrebatadores de maneira extasiante e voltam para o interior do próprio acontecimento apropriador. E onde quer que e até o ponto em que a aparência persiste de que haveria uma abertura vazia, em si realizável de uma acessibilidade imediata ao ente, aí o homem se encontra, então, apenas no campo prévio não mais e ainda nunca concebido do abandono, campo esse que restou e, assim, ainda se encontra deixado e mantido como resto de uma fuga dos deuses. [tr. Casanova ; GA65 : 120]
O salto mais próprio e mais amplo é o salto do pensar. Não como se a partir do pensar (enunciado) a essência do seer fosse determinável, mas porque aqui, no saber em torno do acontecimento apropriador, a abertura do fosso abissal do ser é escalada e atravessada mais amplamente, de tal modo que as possibilidades do abrigo da VERDADE no ente podem ser mensuradas mais extensamente. [tr. Casanova ; GA65 : 120]
A fundação do tempo-espaço, porém, não projeta nenhuma tábua de categorias vazia, mas é em seu ponto mais íntimo enquanto pensar inicial histórica, isto é, determinada a partir da indigência da falta de indigência, ela se atém antecipativamente às necessidades dos abrigos essenciais da VERDADE e do saber diretriz em torno dela. [tr. Casanova ; GA65 : 120]
A indigência da falta de indigência se depara, quando ela irrompe, com a permanência de fora da chegada e da fuga dos deuses. Essa permanência de fora é tanto mais ingente, quanto mais longa e aparentemente de modo constante ainda se conservam as igrejas e as formas de culto a um Deus, por mais que elas sejam impotentes para fundar ainda uma VERDADE originária. [tr. Casanova ; GA65 : 120]
Será que mensuramos a partir daqui a não VERDADE, na qual o seer precisa cair? Será que avaliamos sua VERDADE, que se essencia na direção oposta à sua dissipação como a pura recusa e que tem a unicidade por si tanto quanto a completa estranheza? [tr. Casanova ; GA65 : 121]
O que precisa permanecer, porém, é a extração em meio ao campo de jogo temporal do seer. Essa extração acomete todo aquele que se tomou forte o suficiente para pensar inteiramente as primeiras decisões, em cujo âmbito uma seriedade sapiente serve conjuntamente com a era, à qual permanecemos próprios. Tal seriedade, por sua vez, não se depara mais com bom e mim, com decadência e salvação da tradição, com benevolência e violência, mas só vê e concebe aquilo que é, a fim de auxiliar a partir desse ente, no qual a inessência vigora como algo essencial, a saída em direção ao ceme do seer, e a fim de trazer a história para o interior de seu fundamento imanente. Por isto, Ser e tempo não é nenhum “ideal” e nenhum “programa”, mas o início que se prepara da essenciação do seer mesmo; não aquilo que nós repensamos, mas o que, contanto que tenhamos nos tornado suficientemente maduros, nos impõe a entrada em um pensar que nem fornece uma doutrina, nem ocasiona um agir “moral”, nem assegura a “existência”, mas que, ao contrário, “apenas” funda a VERDADE como o campo de jogo temporal, no qual o ente uma vez mais pode ser sendo, isto é, pode se transformar na guarda do seer. [tr. Casanova ; GA65 : 125]
Uma vez que algumas pessoas precisam dessas guardas de uma maneira mais distintiva, para em geral poderem ressuscitar o ente em si, precisa haver a arte, que põe a VERDADE em sua obra. [tr. Casanova ; GA65 : 125]
O seer só alcança sua grandeza, se ele é reconhecido como aquilo de que o deus dos deuses e de que toda deização precisam. O “usado” se contrapõe a toda utilização. Pois ele é o acontecimento apropriador do acontecimento da apropriação do ser-aí, no qual o sítio silencioso é fundado como a essenciação da VERDADE, o campo de jogo temporal do passar ao largo, o em meio a desprotegido, que desencadeia a tempestade do acontecimento da apropriação. [tr. Casanova ; GA65 : 126]
[A abertura do fosso abissal] Essa abertura é o desdobramento que permanece em si da intimidade do seer mesmo, na medida em que nós o “experimentamos” como a recusa e como a recusa transvertora. Caso se quisesse tentar de qualquer modo o impossível e se buscasse apreender a essência do seer com o auxílio das “modalidades” metafísicas, então poder-se-ia dizer: a recusa (a essenciação do seer) é a mais elevada realidade efetiva do mais elevado possível enquanto possível, e, com isso, a primeira necessidade; contudo, seria preciso deduzir daí a proveniência das “modalidades” da ousia. Essa “elucidação” do seer, porém, o arranca de sua VERDADE (da clareira do ser-aí) e o degrada ao pura e simplesmente presente à vista em si, a mais deserta desertificação que pode caber ao ente. E pensemos no que acontece se essa desertificação for transportada ainda até mesmo para o seer! Ao contrário, precisamos tentar pensar a abertura do fosso abissal a partir daquela essência fundamental do seer, graças à qual ele se mostra como o reino da decisão para a luta dos deuses. Essa luta joga por sua chegada e fuga, em cuja luta os deuses pela primeira vez se deízam e colocam em decisão seu deus. [tr. Casanova ; GA65 : 127]
Acontecimento apropriador da fundação do aí deve querer dizer como genitivo objetivo que o aí, a essenciação da VERDADE em sua fundação (o mais originário do ser-aí), é apropriado em meio ao acontecimento, e a fundação mesma clareia o encobrir-se, o acontecimento apropriador. A viragem e o pertencimento da VERDADE (clareira do encobrir-se) à essência do seer. [tr. Casanova ; GA65 : 130]
A partir da essência originária da VERDADE determina-se pela primeira vez o VERDADEiro e, com isso, o ente; e, com efeito, de tal modo que agora não é mais o ente que é, mas o seer que emerge como que por um salto para o “ente”. Por isso, no outro início do pensar, o seer é experimentado como acontecimento apropriador; e isso de tal modo, com efeito, que essa experiência muda como um novo salto todas as referências ao “ente”. Desde então, o homem, isto é, o homem essencial e os poucos de seu tipo, precisa construir a partir do ser-aí a sua história, o que significa que, antes de tudo, é a partir do seer para o ente que ele precisa provocar efeitos no ente. Não apenas como até aqui, de tal modo que o seer se mostre como algo esquecido, mas incontornavelmente apenas pré-visado, mas de tal modo que o seer, sua VERDADE, suporte expressamente toda e qualquer ligação com o ente. Isso exige a retenção como tonalidade afetiva fundamental, que afina inteiramente aquela guarda no tempo-espaço para o passar ao largo do último deus. [tr. Casanova ; GA65 : 130]
Não é possível calcular se terá sucesso esse revolvimento do homem até aqui, isto é, a fundação anterior da VERDADE mais originária no ente de uma nova história. Ao contrário, tudo depende da doação ou da subtração do próprio acontecimento da apropriação; e isso mesmo se a essenciação do seer já tiver sido previamente pensada na meditação atual e se ela tiver se tornado consciente nos seus traços fundamentais. [tr. Casanova ; GA65 : 130]
A ida ao encontro por parte do homem exige antes de tudo a mais profunda prontidão para a VERDADE, para o questionamento acerca da essência do VERDADEiro sob o domínio da recusa a todos os apoios no correto e naquilo que foi retificado pela maquinação. [tr. Casanova ; GA65 : 130]
O seer torna-se o estranho e, com efeito, de tal modo que a fundação de sua VERDADE eleve a estranheza e, com isso, todo ente conserve esse seer em sua estrangeiridade. Somente então se cumpre a plena unicidade do acontecimento apropriador e de toda instantaneidade atribuída a ele do ser-aí. Somente então o mais profundo desejo é liberto de seu fundamento como o elemento criador, que é preservado na retenção maximamente silenciosa de se degradar em um mero impelir insuficiente de impulsos cegos. [tr. Casanova ; GA65 : 130]
O seer precisa do homem, para que ele se essencie, e o homem pertence ao seer, algo com vistas ao que ele consuma a sua mais extrema determinação enquanto ser-aí. O seer, porém, não se torna com isso dependente de um outro, ainda que esse precisar constitua sua essência e não seja apenas uma consequência da essência? Como é que temos o direito de falar de de-pendência onde esse precisar recria precisamente o que é precisado em seu fundamento, dominando-o para o seu si mesmo. E como é que o homem, inversamente, pode colocar o seer sob a conformidade de sua mensagem, se ele precisa passar de qualquer modo a se dar por perdido junto ao ente, a fim de se tornar o apropriado em meio ao acontecimento e aquele que pertence ao seer. Esse impulso mútuo do precisar e do pertencer constitui o seer enquanto acontecimento apropriador, e alçar o impulso desse impulso mútuo para o interior da simplicidade do saber e fundá-lo em sua VERDADE é o primeiro que se oferece a nós de maneira pensante. [tr. Casanova ; GA65 : 133]
O acontecimento apropriador, no entanto, não tem como ser de maneira alguma re-presentado como uma “ocorrência dada” e como uma “novidade”. Sua VERDADE, isto é, a própria VERDADE, só se essencia no abrigo enquanto arte, pensamento, poetação, ato, exigindo, por isso, a insistência do ser-aí, que rejeita toda aparência de imediatidade do mero re-presentar. [tr. Casanova ; GA65 : 136]
Além disto, o compreender como projeto é um projeto jogado, o chegar ao aberto (VERDADE), que já se encontra em meio ao ente aberto, enraizado na terra, soerguendo-se em um mundo. Assim, o com-preender do ser como fundação de sua VERDADE é o contrário da “sub-jetivação”, uma vez que superação de toda subjetividade e dos modos de pensar que lhe são determinantes. [tr. Casanova ; GA65 : 138]
Em que figura o acometimento do seer é colocado e preservado pela primeira vez fornece o sinal prévio do âmbito para o abrigo da VERDADE do deus que está chegando e fugindo. [tr. Casanova ; GA65 : 139]
O seer e a essenciação de sua VERDADE são do homem, na medida em que ele vem a ser insistentemente como ser-aí. Mas isso significa ao mesmo tempo: o seer não se essencia pela graça do homem, pelo fato apenas de que o homem ocorre. [tr. Casanova ; GA65 : 143]
Como o não pertence à essência do seer (a maturidade como viragem no acontecimento apropriador; cf O último deus), o seer pertence ao não; isto é, o propriamente niilizante é o que é dotado de caráter de não e de modo algum o mero “nada”, tal como ele é representado por meio da negação representadora de algo; representação essa, com base na qual se pode, então, dizer: o nada não “é”. Mas o não-seer se essencia e o seer se essencia, o não-ser se essencia na inessência, o seer se essencia como dotado do caráter de não. Somente porque o seer se essencia com o caráter do não, ele tem como o seu outro o não-ser. Pois esse outro é o outro de si mesmo. Como se essenciando com o caráter do não, ele possibilita e impõe ao mesmo tempo a alteridade. De onde, porém, provém aqui a restrição mais extrema ao um e ao outro e, assim, o ou-ou? A partir da unicidade do seer obtém-se a unicidade do não que lhe pertence e, com isto, do outro. O um e o outro se impõem eles mesmo o ou-ou como algo primeiro. Em meio a esta diferenciação que parece ser maximamente universal e vazia, porém, é preciso saber que ela só é tal diferenciação para a interpretação da entidade como idea (ser e pensar!): algo (qualquer e em geral) e o não-algo (o nada); o não também é igualmente, em termos representacionais, sem fundamento e vazio. Mas essa diferenciação, que parece ser maximamente universal e vazia, é a decisão mais única e mais plena, e, por isto, nunca pode ser pressuposta uma representação indeterminada de “seer”, de tal modo que haveria seer, sem autoilusão; ao contrário, o seer como acontecimento apropriador. O acontecimento apropriador como a renúncia hesitante e, aí, a maturidade do “tempo”, a potência do fruto e a grandeza da doação, mas na VERDADE enquanto clareira para o encobrir-se. A maturidade é prenhe do “não” originário, amadurecimento como não sendo ainda doação, não mais as duas coisas na contravibração, ela mesma na hesitação fracassada e, assim, a fascinação no arrebatamento extasiante. Aqui pela primeira vez o niilizante que se essencia do seer enquanto acontecimento apropriador. [tr. Casanova ; GA65 : 146]
[O ente é] De maneira imediata, essa sentença não diz nada. Pois ela repete apenas o que já foi dito com “o ente”. A sentença não diz nada, enquanto ela é compreendida imediatamente, até o ponto em que isto é em geral possível, ou seja, enquanto ele for pensado de modo desprovido de pensamentos. Em contrapartida, se a sentença for voltada imediatamente para o âmbito da VERDADE: o ser se essencia, então ela diz: o ente pertence à essenciação do seer. E, agora, a sentença sai de uma obviedade desprovida de pensamento para a questionabilidade. Mostra-se que a sentença não é algo derradeiro em meio à dizibilidade, mas o que há de mais provisório na questionabilidade. [tr. Casanova ; GA65 : 148]
Em todo caso, a partir do “pensar” imediato dessa diferença, não é possível apresentar nada sobre aquilo que a determina como campo de visão e como VERDADE, enquanto persistirmos nesse pensar como algo derradeiro e primeiro. [tr. Casanova ; GA65 : 149]
Uma explicitação dialética meramente formal da relação entre essentia e existentia, isto é, uma explicitação que acolhe a diferença como simplesmente dada e como se ela tivesse caído do céu, permanece uma escolástica vazia, que tem seu traço distintivo justamente em se manter sem um campo de visão e sem uma meditação sobre a VERDADE com vistas aos conceitos da entidade em sentido amplo. A saída é, então, a explicação do “ser” a partir do ente supremo como feito e pensado por esse ente. [tr. Casanova ; GA65 : 149]
Essentia e existentia não são aquilo que é mais rico ou a consequência de algo simples, mas, ao contrário, um determinado empobrecimento de uma essência em si mais rica do seer e de sua VERDADE (sua tempo-espacialidade enquanto o abismo). [tr. Casanova ; GA65 : 149]
Esta diferenciação foi realizada em primeiro lugar a partir da questão diretriz acerca da entidade e ficou presa aí. Mas mesmo no outro início essa diferenciação tem sua VERDADE, sim, agora pela primeira vez ela conquista essa VERDADE. Pois agora, quando não se tem mais a pergunta a partir do “pensar” acerca da entidade (não entidade e pensamento, mas “ser e tempo ”, transitoriamente compreendido), agora a “diferenciação” denomina aquele âmbito do acontecimento apropriador da re-essenciação do ser na VERDADE, isto é, em seu abrigo, algo por meio do que o ente enquanto tal é voltado para o interior do aí. [tr. Casanova ; GA65 : 151]
Não resta, porém, apesar disso um caminho para criar ao menos provisoriamente, ao modo das “ontologias” dos diversos “campos” (natureza, história), um campo de visão do projeto consonante com o ser, e, assim, para tornar os âmbitos novamente experimentáveis? Como transição, algo desse gênero pode se tornar necessário; isso permanece, todavia, fatídico, uma vez que a partir daí é natural o deslize em uma sistemática de um estilo mais antigo. Mas se a “ordem” é uma junção fugidia, que se encontra submetida à formação da história e à exportação resolutora de seu mistério, então essa junção fugidia pode, sim, ela precisa ter por si mesma um âmbito e um caminho; e não é um caminho arbitrário qualquer do abrigo (por exemplo, a técnica) que pode ser submetido à meditação. É preciso lembrar aqui que o abrigo é sempre a contestação da contenda entre mundo e terra, que mundo e terra solapam um ao outro em se sobrelevando, que é em sua oposição que transcorre de antemão e antes de tudo o abrigo da VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 152]
Para saber dessa abertura em sua estrutura, precisamos experimentar o abismo (cf VERDADE) como pertencente ao acontecimento apropriador. A essenciação do seer permaneceu sempre cerrada para a filosofia, enquanto ela tinha em vista que se poderia, por exemplo, saber o ser por meio da invenção imaginativa dos diversos conceitos de modalidade, construindo-o por assim dizer de maneira composta. Abstraindo-se da origem questionável das modalidades, uma coisa é aqui decisiva: o salto para o interior do seer como acontecimento apropriador; e pela pnmeira vez a partir daí se abre o fosso abissal. Mas justamente esse salto carece da mais longa preparação, e essa encerra em si a completa separação do ser como a entidade e a determinação “mais geral”. [tr. Casanova ; GA65 : 156]
A essenciação não pertence a todo e qualquer ente, sim, no fundo, ela só pertence ao ser e àquilo que cabe a ele mesmo, a VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 167]
Ser-aí significa acontecimento da apropriação no acontecimento apropriador como a essência do seer. Mas é só com base no ser-aí que o seer chega à sua VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 168]
Pertencente sempre e a cada vez a cada um deles, afinado em meio ao inesperado, essa não enumeração dos deuses está longe de se mostrar como a arbitrariedade do que deixa tudo vigorar. Pois essa não enumeração é já a consequência de um ser-aí mais originário: de sua reunião no revolvimento da recusa, a essenciação do seer. Dito na linguagem que sobreviveu da metafísica, isso significa: a recusa como essenciação do ser é a mais elevada realidade efetiva do mais elevado possível enquanto possível e, com isso, é a primeira necessidade. Ser-aí é fundação da VERDADE dessa abertura maximamente simples do fosso abissal. [tr. Casanova ; GA65 : 169]
O ser-aí é o fundamento que propriamente se funda da aletheia da physis, a essenciação daquela abertura, que reabre pela primeira vez o encobrir-se (a essência do seer) e que, assim, se mostra como a VERDADE do próprio seer. [tr. Casanova ; GA65 : 173]
Ser-aí – o ser que distingue o homem em sua possibilidade, portanto, não se precisa mais de modo algum do adendo “humano”. Em que possibilidade? Em sua possibilidade extrema, a saber, na possibilidade de ser ele mesmo o fundador e o guardião da VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 176]
Insuficientemente indicado na impropriedade, na medida em que a propriedade não deve ser compreendida de maneira moral e existenciária, mas ontológico-fundamental como indicação do ser-aí, no qual o aí é constituído a cada vez a partir de um modo do abrigo da VERDADE (de maneira pensante, poetante, construtiva, por meio de liderança, sacrifício, sofrimento e júbilo). [tr. Casanova ; GA65 : 177]
Subsiste uma ligação essencial originária entre fundamento e VERDADE, mas a VERDADE é concebida como encobnmento clareador. A relação entre ratio e veritas iudicii, que se torna visível na história da resposta à questão diretriz (em particular em Leibniz ), não passa de uma aparência muito superficial da ligação originária. [tr. Casanova ; GA65 : 188]
A VERDADE e, com isso, a essência do fundamento se des-conjunta tempo-espacialmente. Neste caso, porém, tempo e espaço são originariamente concebidos a partir da VERDADE e estão ligados essencialmente com a fundação. [tr. Casanova ; GA65 : 188]
Somente na sondagem do solo do acontecimento apropriador é que tem sucesso a jurisdicionalidade do ser-aí nos modos e nos caminhos do abrigo da VERDADE no ente. [tr. Casanova ; GA65 : 188]
A essência mais profunda da história se baseia concomitantemente no fato de que o acontecimento da apropriação, acontecimento esse que abre o fosso abissal (que funda a VERDADE), deixa emergir pela primeira vez aqueles que, precisando uns dos outros, só se voltam uns para os outros e se desviam uns dos outros no acontecimento apropriador da viragem. Essa abertura do fosso abissal que se decide sempre a cada vez entre abandono e re-aceno ou que se encobre na indecisão da aproximação e do distanciamento é a origem do tempo-espaço e o reino da contenda. [tr. Casanova ; GA65 : 190]
Cf. o logos (mas não como sujeito e alma) e o noûs na filosofia pré-platônica, a psyche em Platão e em Aristóteles (he psyche ta onta pos estin); tudo isso aponta para o fato de que algo que o homem mesmo é e que, porém, o ultrapassa e toca, entra em jogo respectivamente para a determinação do ente enquanto tal na totalidade. E como a questão acerca do ente precisou ser formulada diretamente no primeiro início e permaneceu, assim formulada, futuramente a questão diretriz apesar de Descartes , Kant etc., elementos do gênero da alma, da razão, do espírito, do pensamento e da representação precisaram também sempre uma vez mais fornecer um fio condutor, de tal modo, naturalmente, que, com a falta de clareza do modo de formulação da própria questão diretriz, o fio condutor também permaneceu indeterminado em seu caráter enquanto fio condutor e não se questionou de modo algum por que tal fio condutor é necessário, se essa necessidade não reside na essência e na VERDADE do próprio ser e em que medida isso acontece. [tr. Casanova ; GA65 : 193]
Nunca se chega a determinar e a inquirir o ser do homem assim interpretado e, com efeito, em seu papel de fio condutor para a VERDADE do ente a partir dessa VERDADE mesma, e, assim, a visualizar a possibilidade de que, por fim, o ser humano assuma em geral em face do ser uma tarefa, que, para além dele, o transponha de maneira revirada naquele elemento questionável, o ser-aí. [tr. Casanova ; GA65 : 193]
O ser-aí não conduz para fora do ente e não evapora o ente em uma espiritualidade, mas, ao contrário, de acordo com a unicidade do seer, ele abre pela primeira vez a inquietude do ente, cuja “VERDADE” só se constitui na luta uma vez mais inicial de seu abrigo no que é criado pelo homem histórico. [tr. Casanova ; GA65 : 193]
Somente aquilo que nós, insistentemente no ser-aí, fundamos e criamos, e, criando, deixamos vir ao nosso encontro como o que nos toma de assalto, somente isso pode ser algo VERDADEiro, manifesto e, consequentemente, pode ser reconhecido e sabido. Nosso saber só se estende até onde chega a jurdisdicionalidade do ser-aí, isto é, a força do abrigo da VERDADE no ente configurado. [tr. Casanova ; GA65 : 193]
Aqui se encontra também o fundamento para o fato de que a questão da VERDADE, que Nietzsche formula aparentemente a partir de uma força originária de questionamento e de decisão, não é precisamente nele formulada, mas, completamente a partir da posição fundamental na “vida”, é antes explicada biologicamente como asseguramento da vida, e isso a partir de um embasamento na interpretação tradicional do ente (como constância e presentidade). [tr. Casanova ; GA65 : 193]
Na medida, porém, em que aquele que re-presenta é o que re-presenta a si mesmo, esse encontrar-se fora é apenas repetido e recolhido a esse mesmo, de tal modo que permanece dissimulado o que distingue o ser-aí, justamente ser o aí, a clareira para o encobrimento, na jurisdicionalidade da determinação de sua ipseidade como fundação da VERDADE no ente. [tr. Casanova ; GA65 : 193]
O pertencimento ao seer, contudo, só se essencia porque o ser em sua unicidade precisa do ser-aí e se funda nele, fundando ao mesmo tempo o homem. Nenhuma VERDADE se essencia de outra forma. De outro modo, reina apenas o nada na figura mais insidiosa da proximidade do “realmente efetivo” e “vivente”, isto é, do não ente. [tr. Casanova ; GA65 : 194]
Expelidos dessa VERDADE e cambaleando no abandono do ser, nós não sabemos senão muito pouco sobre a essência do si mesmo e sobre os caminhos para o saber autêntico. Pois por demais tenaz é o primado da consciência “egoica”, sobretudo porque essa consciência pode se esconder em múltiplas figuras. As mais perigosas são aquelas, nas quais o “eu” sem mundo teria aparentemente abdicado de si e se entregue a um outro, que seria “maior” do que ele e ao qual ele é atribuído de maneira parcial e parte a parte. A dissolução do “eu” na “vida” como povo: aqui, a superação do “eu” é viabilizada a partir do abandono da primeira condição de tal superação, a saber, a meditação sobre o ser-si-mesmo e sobre sua essência, que se determina a partir da atribuição apropriadora e da sobreapropriação. [tr. Casanova ; GA65 : 197]
Os sítios instantâneos emergem da solidão da grande tranquilidade, na qual o acontecimento da apropriação se torna a VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 200]
O aí “é” o homem apenas como homem histórico, isto é, fundador de história, que insiste no aí sob o modo do abrigo da VERDADE no ente. [tr. Casanova ; GA65 : 202]
Pertence ao aí como o seu extremo aquele velamento em seu mais próprio aberto, o ausente, ele tem como sua constante possibilidade o ser-ausente; o homem conhece isso nas diversas figuras da morte. Onde, porém, o ser-aí deve ser pela primeira vez concebido, a morte precisa ser determinada como a possibilidade extrema do aí. Caso se fale aqui de “fim” e caso se delimite com toda agudeza todo e qualquer tipo de presença à vista, então “fim” nunca pode ter em vista aqui a mera interrupção e o mero desaparecimento de algo presente à vista. Se tempo, precisamente como temporalidade, é arrebatamento extasiante, então “fim” significa aqui um não e algo diverso desse arrebatamento extasiante, um completo tresloucamento do aí enquanto tal no “ausente”. E ausente não significa, por sua vez, o “que foi embora” característico do mero desparecimento de algo que se encontrava antes presente à vista, mas aponta para o completamente outro do aí, completamente velado para nós, mas pertencente nesse velamento essencialmente ao aí e subsistente de maneira concomitante na insistência do ser-aí. Como o que há de mais extremo no aí, a morte é ao mesmo tempo o mais íntimo de sua transformação possível completa. E nisso reside ao mesmo tempo a indicação para a mais profunda essência do nada. Só o entendimento comum, que está conectado com o ente presente à vista como o unicamente ente, é que pensa também o nada de modo vulgar. Ele não tem a menor ideia da ligação íntima entre o ausente e o tresloucamento de todo ente em seu pertencimento ao aí. O que se encontra aqui como o velamento mais próprio em meio ao aí, a ligação alternante do aí com o caminho voltado para ele, é o reflexo da viragem na essência do próprio ser. Quanto mais originariamente o ser é experimentado em sua VERDADE, tanto mais profundo é o nada como o abismo à margem do fundamento. Com certeza, é confortável explicar o que foi dito sobre a morte a partir das representações cotidianas não colocadas à prova sobre “fim” e “nada”, ao invés de, ao contrário, aprender a pressentir como é que, com a vinculação avalizada de acordo com o arrebatamento extasiante da morte no aí, a essência de “fim” e de “nada” precisa se modificar. [tr. Casanova ; GA65 : 202]
Antecipação da morte não é vontade de nada no sentido vulgar, mas, ao contrário, um ser-aí superior, que vincula concomitantemente o velamento do aí na jurisdicionalidade da subsistência da VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 202]
Não estamos perguntando nesse caso sobre a VERDADE da VERDADE, e não começamos, perguntando assim, um progresso vazio em direção ao vazio? [tr. Casanova ; GA65 : 204]
Se a VERDADE significa aqui a clareira do seer como abertura do em meio ao ente, então não se pode de modo algum perguntar sobre a VERDADE dessa VERDADE, a não ser que se tenha em vista a correção do projeto, o que, porém, perde de vista em múltiplos aspectos o essencial. Pois não se pode perguntar por um lado sobre a “correção” de um projeto em geral, nem tampouco sobre a correção do projeto, por meio do qual a clareira em geral é fundada enquanto tal. Por outro lado, porém, a “correção” é um “modo” da VERDADE, que permanece aquém da essência originária enquanto sua consequência e, por isso, já não se mostra como suficiente para conceber a VERDADE originária. [tr. Casanova ; GA65 : 204]
No campo de visão usual da “lógica” e do pensamento dominante, o projeto da fundação da VERDADE permanece um puro arbítrio, e é só aqui também que o caminho está livre para as perguntas feitas de volta infinitas e aparentemente fundamentais acerca da VERDADE da VERDADE da VERDADE etc. Toma-se aqui a VERDADE como um objeto do cálculo e do computo e se estabelece a pretensão à compreensibilidade derradeira de um entendimento cotidiano maquinacional como critério de medida. E é aqui, então, que o arbítrio vem de fato à tona. Pois essa pretensão não tem nenhuma necessidade porque lhe falta a indigência, uma vez que deduz o seu aparente direito da ausência de indigência do autoevidente; e isso se é que ela consegue em geral se inserir nas questões de legitimidade com vistas a si mesmo, uma vez que, de fato, tais questões se encontram o mais distante possível de tudo o que é autoevidente. E o que seria mais autoevidente do que a “lógica”! O projeto essencial do aí, contudo, é a exportação resolutora desprotegida do caráter de jogado de si mesmo que emerge pela primeira vez no lance. [tr. Casanova ; GA65 : 204]
1) O retorno crítico da correção para a abertura. 2) A abertura em primeiro lugar como a mensuração essencial da aletheia, que ainda se mostra nesse aspecto indeterminada. 3) Essa mensuração essencial determina ela mesma o “lugar” (tempo-espaço) da abertura: o em-meio-a clareado do ente. 4) Para que a VERDADE se destaque definitivamente de todo ente em todo e qualquer tipo de interpretação, seja como physis, seja como idea ou perceptum e objeto, algo sabido, pensado. 5) Agora, porém, com maior razão, temos a questão acerca de sua própria essenciação; essa só é de-terminável a partir da essência e essa essência a partir do seer. 6) A essência originária, contudo, é clareira do encobrir-se, isto é, a VERDADE é a VERDADE originária do seer (acontecimento apropriador). 7) Essa clareira se essencia e é na suportabilidade criativa afinada: isto é, a VERDADE “é” como fundação do aí e como ser-aí. 8) O ser-aí é o fundamento do homem. 9) Com isso, entretanto, novamente formulado: quem é o homem. [tr. Casanova ; GA65 : 206]
[A VERDADE] Como é que ela poderia ser para nós aquele derradeiro resíduo da decadência mais extrema da aletheia (idea) platônica, como é que a validade de correções poderia se mostrar em si como ideal, isto é, como a maior de todas as indiferenças e impotências? A VERDADE é, enquanto acontecimento apropriador do VERDADEiro, a abertura do fosso abissal, abertura essa na qual o ente se divide e precisa se encontrar em meio à contenda. VERDADE também não é para nós o fixado, aquele descendente suspeito de indiferenças em si. Ela também não é, contudo, o mero oposto, o tosco fluir e o permanecer fluido de todas as opiniões. Ela é o meio abissal, que estremece no passar ao largo do deus e, assim, o fundamento suportado para a fundação do ser-aí criador. A VERDADE é a maior de todas as desprezadoras de tudo o que é “VERDADEiro”, pois todo “VERDADEiro” se esquece imediatamente da VERDADE, do atiçar seguro da simplicidade do único como o a cada vez essencial. [tr. Casanova ; GA65 : 208]
Desde Platão , a aletheia como a claridade, na qual o ente enquanto tal se encontra, a visualidade do ente enquanto a sua presentidade (aletheia kai ón). Ao mesmo tempo como a claridade, na qual o noein vê pela primeira vez. Portanto, a claridade é aquilo que articula o ón he ón e o noein, o zugon. aletheia agora como zugon na ligação do que apreende com o que vem ao encontro, e então a aletheia mesma tensionada no “jugo” da correção. Cf. Aristóteles , o aletheuein tes psyches, aletheia torna-se acessibilidade, encontrar-se livre do ente enquanto tal, travessia para o apreender. Assim os níveis: Da aletheia (como phos) para o zugon. Do zugon à homoiosis. da homoiosis à veritas como rectitudo; ao mesmo tempo a VERDADE aqui, isto é, a correção do enunciado, é concebida a partir do enunciado como symploke, connexio (Leibniz ). Da rectitudo para a certitudo, estar certo de uma conexão (connexio?). Da certitudo para a validade enquanto objetualidade. Da validade para a valência. [tr. Casanova ; GA65 : 210]
No estabelecimento do zugon, a VERDADE é captada, mas de tal modo que, com isso, a aletheia é requisitada como o desvelamento do ente enquanto tal e como âmbito de visão da visualização e da apreensão. Isso quer dizer o seguinte: na medida em que se chega ao estabelecimento da correção, a aletheia, naquele duplo sentido limitado, é estabelecida como o fundamento da correção e, com efeito, de tal modo que o fundamento só é colocado no ser fundado do posicionado de sua intelecção (nesse fundamento); razão pela qual a homoiosis ainda é aletheia, dito em termos gregos, ainda se baseia nesse fundamento, se essenciando nele como essência e, por isso, também podendo e precisando ser chamada assim. [tr. Casanova ; GA65 : 210]
[Aletheia. A crise de sua história em Platão e Aristóteles , a última irrdiação e a completa queda] aletheia kai ón – desvelamento e, com efeito, do ente: 1) enquanto tal, dito em termos platônicos da idea; aletheia sempre do lado do ón; cf as passagens em Platão , República, Livro VI, Fim; 2) O reluzir do ente enquanto tal; a partir do ente a iluminação, a claridade, na qual o ente se essência. A claridade vista a partir do ente, na medida em que esse ente é concebido como idea (ao mesmo tempo a partir do “a-” considerado como “contra”); 3) A partir daí reluzindo para onde? Para onde senão em direção à apreensão, e essa, por sua vez, no ir ao encontro do ente, a-preensão essa que só é possível na claridade, através dela. Portanto, a claridade, isto é, a idea mesma como o que é visto, o jugo, zugon, apesar de, caracteristicamente, esse não ser nunca expresso; 4) O jugo, porém, ou a VERDADE apreendida enquanto jugo, é a forma prévia para a VERDADE enquanto correção, na medida em que o jugo é concebido e sondado como aquilo mesmo que liga e não como o fundamento da concordância; ou seja, a aletheia é propriamente perdida. Resta apenas a lembrança da imagem da “luz”, o que é necessário para o “ver” (cf Idade Média lumen!). Platão concebe a aletheia como zugon. Mas a aletheia não se deixa mais dominar a partir do zugon; ao contrário, o inverso é que é possível. Deu-se o passo em direção à homoiosis. A interpretação do zugon como aletheia é correta, mas é preciso que se saiba que, com isso, a aletheia mesma é interpretada em um determinado aspecto e o questionamento propriamente dito sobre ela é desde então impedido; 5) E o que foi dito no tópico 4 é inevitável porque há o tópico 2, porque a aletheia sempre é concebida de maneira autenticamente grega a partir do ente e de sua presentidade constante; e, em todo caso, como o entre. Só que, como a história mostra, isso não é suficiente. O desvelamento precisa ser sondado e fundado como abertura do ente na totalidade e como a abertura enquanto tal do encobrir-se (do ser) e esse encobrir-se como ser-aí. [tr. Casanova ; GA65 : 211]
O que se fixou em Platão , sobretudo como primado da entidade interpretado a partir da techne, é a tal ponto aguçado agora e elevado ao nível da exclusividade que se cria a condição fundamental para uma era humana, na qual a “técnica” – o primado do maquinacional, das providências e dos procedimentos diante daquilo que entra em cena aí e que é ao mesmo tempo tocado – necessariamente assume o domínio. A obviedade do seer e da VERDADE como certeza é agora sem limites. Com isto, a possibilidade do esquecimento do seer se transforma em princípio fundamental, e o esquecimento do ser inicialmente estabelecido se propaga e se abate sobre todo o comportamento humano. [tr. Casanova ; GA65 : 212]
A certeza, porém, enquanto certeza do eu, aguça a interpretação do homem enquanto animal racional. A consequência desse processo é a “personalidade”, da qual muitos ainda hoje acreditam e gostariam de fazer crer, que ela seria a superação da egocidade, lá onde ela só pode ser de qualquer modo o seu encobrimento. O que significa isso, porém, o fato de, ainda em Descartes , se tentar justificar a própria certeza como lumen naturale a partir do ente supremo como creatum do creator? Que forma assume esse nexo mais tarde? Em Kant como doutrina dos postulados! No Idealismo Alemão como a absolutidade do eu e da consciência! Tudo isso é apenas com base no transcendental de formas posteriores, estabelecidas mais profundamente, do curso de pensamento cartesiano: ego, ens finitum, causatum ab ente infininito. Por esta via, a humanização de início pré-determinada do ser e de sua VERDADE (eu – certeza racional) é alçada ao nível do absoluto e, assim, aparentemente superada de maneira própria; e, contudo, tudo isso é o contrário de uma superação, a saber, o enredamento mais profundo no esquecimento do ser. E até mesmo aquele tempo, que surge depois da metade do século XIX, não tem nem mesmo um saber sobre esse empenho da metafísica, mas mergulha na técnica da “teoria da ciência” e se reporta aí, não completamente sem razão, a Platão . O Neokantismo, que também afirma a filosofia da “vida” e da “existência”, porque os dois, por exemplo, Dilthey da mesma maneira que Jaspers , permanecem sem nenhuma ideia daquilo que propriamente aconteceu na metafísica ocidental e que precisa se preparar como a necessidade do outro início. [tr. Casanova ; GA65 : 212]
1) Não de uma mera alteração do conceito. 2) Não de uma intelecção mais originária da essência. 3) Mas do salto para o interior da essenciação da VERDADE. 4) E, consequentemente, de uma transformação do ser humano no sentido do tres-loucamento de sua posição no ente. 5) E, por isso, em primeiro lugar, de uma dignificação mais originária e do apoderamento do seer mesmo como acontecimento apropriador. 6) E, por isso, antes de tudo, trata-se da fundação do ser humano no ser-aí como o fundamento exigido pelo seer mesmo de sua VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 213]
A abertura: isso não é o que há de mais vazio do vazio? (cf VERDADE e a-bismo). É assim que ela aparece, quando tentamos tomá-la por assim dizer por si como uma coisa. Mas o aberto, no qual, ao mesmo tempo se encobrindo, o ente a cada vez se encontra, e, com efeito, não apenas as coisas imediatamente à mão, é, de fato, algo assim como um meio oco, por exemplo, o meio do cântaro. Aqui reconhecemos, contudo, que não se trata de um vazio arbitrário qualquer cercado por paredes e deixado sem preenchimento pelas coisas, mas, ao contrário, o meio oco é o elemento que cunha e suporta de maneira determinante a constituição das paredes e de suas margens. Essas paredes e margens não são senão a irradiação daquele aberto originário, que deixa se essenciar sua abertura, na medida em que exige tais paredes (a forma do vaso) à sua volta e em relação consigo. Assim, no que cerca se reflete a essenciação do aberto. De maneira correspondente, só que mais essencial e mais rica, é que nós precisamos compreender a essenciação da abertura do aí. Suas paredes circundantes não são, naturalmente, nada que se ache presente à vista como uma coisa, sim, em geral não é um ente e nem mesmo o ente, mas as paredes do próprio ser, o estremecimento do acontecimento apropriador no aceno do encobrir-se. [tr. Casanova ; GA65 : 214]
Mesmo essa meditação não pode senão indicar que algo necessário ainda não foi concebido e captado. Esse elemento necessário, o ser-aí, só é alcançado por meio de um tresloucamento do ser do homem na totalidade, isto é, a partir da meditação sobre a indigência do ser enquanto tal e de sua VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 214]
O ponto de partida da questão da VERDADE parece ser agora completamente arbitrário, uma vez que, há muito tempo, a questão da VERDADE não é mais questão alguma. E, contudo, se segue dessa situação o contrário: que o ponto de partida tem sua determinação única: a saber, na indigência, que está tão profundamente enraizada, que ela não é mais nenhuma indigência para qualquer um: que a questão acerca da VERDADE do VERDADEiro não é de modo algum experimentada e concebida como questão em sua necessidade. [tr. Casanova ; GA65 : 216]
A concepção, segundo a qual a VERDADE seria em primeiro lugar encobrimento clareador (cf o a-bismo) tem em vista o fato de uma clareira se fundar para o que se encobre. O encobrir-se do seer na clareira do aí. No encobrir-se se essencia o seer. O acontecimento apropriador nunca vem à luz abertamente como um ente, como algo presente (cf o salto, o seer). [tr. Casanova ; GA65 : 217]
Uma vez que essa essência é histórica, toda e qualquer “VERDADE” no sentido do VERDADEiro só se mostra com maior razão historicamente como algo VERDADEiro, se ela for levada antes de tudo de volta em seu crescimento para um fundamento e, por meio daí, tiver se tornado ao mesmo tempo a força que atua antecipadamente. [tr. Casanova ; GA65 : 217]
Onde a VERDADE se encapsula sob a forma da “razão” e do “racional”, sua inessência está em atividade, aquele poder destrutivo do que é válido para todos, daquilo por intermédio do que qualquer um é colocado arbitrariamente em seu direito e irrompe aquela satisfação em relação ao fato de que ninguém tem mesmo de antemão algo de essencial em relação a um outro. É essa “magia” da validade universal que firma o domínio da interpretação da VERDADE como correção e a torna quase inabalável. Isso se mostra, por fim, no fato de que mesmo lá onde se acredita conceber algo sobre a essência histórica da VERDADE, o que vem à tona é apenas um “historicismo” extrínseco: acha-se que a VERDADE não é eternamente válida, mas que ela é válida apenas “por um tempo”. Essa opinião, porém, é apenas uma restrição “quantitativa” da validade universal e precisa, para se tornar algo assim, como pressuposto, que a VERDADE seja correção e validade. [tr. Casanova ; GA65 : 217]
Se dizemos que a VERDADE é clareira para o encobrimento, então apenas indicamos com isso a essenciação, na medida em que a essência é denominada. Ao mesmo tempo, porém, essa denominação deve indicar que a interpretação da essenciação da VERDADE se encontra na lembrança da aletheia, isto é, não na mera palavra literalmente traduzida, em cujo âmbito, então, uma vez mais, entra em cena a concepção tradicional, mas na lembrança da aletheia como o nome para o primeiro reluzir da própria VERDADE e, com efeito, necessariamente na unidade com a denominação inicial do ente enquanto physis. [tr. Casanova ; GA65 : 218]
A VERDADE é o originariamente VERDADEiro. [tr. Casanova ; GA65 : 219]
A fundação do ser-aí acontece como abrigo da VERDADE no VERDADEiro, que só assim vem a ser. [tr. Casanova ; GA65 : 219]
A correção é uma estaca incontornável da VERDADE. Por isto, onde a correção predetermina a “ideia” de VERDADE, todos os caminhos até sua origem são soterrados. [tr. Casanova ; GA65 : 219]
A questão acerca da VERDADE, no sentido delineado e apenas nele, é para nós a questão prévia, que nós precisamos primeiro atravessar. [tr. Casanova ; GA65 : 220]
Somente assim se funda um campo de decisão para as meditações essenciais. (cf a elaboração isolada da questão acerca da VERDADE como questão prévia no alinhamento pelo tempo-espaço). [tr. Casanova ; GA65 : 220]
A questão acerca da VERDADE é a questão acerca da essenciação da VERDADE. A VERDADE mesma é aquilo em que o VERDADEiro tem seu fundamento. [tr. Casanova ; GA65 : 220]
A VERDADE: a clareira para o encobrir-se (isto é, o acontecimento apropriador; renúncia hesitante como a maturidade, o fruto e a doação). A VERDADE, porém, não é simplesmente clareira, mas justamente clareira para o encobrir-se. [tr. Casanova ; GA65 : 221]
A VERDADE: fundamento como abismo. Fundamento não: de onde, mas em que como o pertinente. Abismo: como tempo-espaço da contenda; a contenda como contenda entre terra e mundo, por conta da ligação da VERDADE com o ente! [tr. Casanova ; GA65 : 221]
O primeiro (inicial) abrigo, a questão e a decisão. A pergunta acerca da VERDADE (meditação), colocar em decisão a sua essência. Origem e necessidade da decisão (da questão). A questão: precisamos perguntar (essencialmente)? Se a resposta for sim, então: por quê? A questão e a crença. [tr. Casanova ; GA65 : 221]
Só se nos encontramos na clareira, experimentaremos o encobrir-se. A VERDADE jamais se mostra como o “sistema” que é composto por sentenças, às quais se poderia recorrer. Ela é o fundamento como o fundamento que recolhe e que atravessa de maneira soberana, que prepondera sobre o velado, sem suspendê-lo, a tonalidade afetiva que afina como esse fundamento. Pois esse fundamento é o próprio acontecimento apropriador como essenciação do seer. O acontecimento apropriador suporta a VERDADE = a VERDADE é atravessada de maneira soberana pelo acontecimento apropriador. [tr. Casanova ; GA65 : 222]
A pergunta sobre a VERDADE soa muito pretensiosa e desperta a impressão de que se saberia, apesar da questão, o que seria o VERDADEiro. E, contudo, o questionamento não é aqui nenhum mero prelúdio, para apresentar algo inquestionado, como se ele tivesse sido conquistado. O questionamento é o início e o fim. E a “VERDADE” é visada como a essência questionável do VERDADEiro, algo bastante provisório e alheio para qualquer um que queira lançar mão e possuir francamente o VERDADEiro. E se houvesse aqui uma saída, então a filosofia precisaria transformar a pergunta sobre a VERDADE em uma pergunta dotada de um teor completamente diverso, aparentemente inofensivo e velado, em uma pergunta a ser, ao que tudo indica, evitada, como se estivessem sendo prometidas aqui grandes anunciações. [tr. Casanova ; GA65 : 222]
Se a VERDADE se essencia como clareira do encobrir-se, e se pertence à essência, de acordo com a niilidade do ser, a inessência, então a inversão da essência pode se difundir na essência, isto é, a dissimulação da clareira como aparência da essência e, com isso, essa dissimulação mesma em sua dimensão extrema, maximamente superficial, podem ser expostas, teatralizadas? Palco – a configuração do efetivamente real como tarefa dos cenografistas! [tr. Casanova ; GA65 : 223]
Se algum dia o elemento teatral chegar ao poder, como as coisas vão se mostrar em relação à essência? Ela não precisa ser, então, velada e fundar tranquilamente como fundamento, por mais que quase ninguém saiba disso? Mas como é, então, que ela ainda pode se mostrar como fundamento? Com vistas ao universal? Mas a essência do ser não é a unicidade e a raridade do estranhamento? A inessência propriamente dita da VERDADE na conferência sobre a VERDADE designada como a errância. Essa determinação ainda mais originária na niilização do aí. Por outro lado, a inessência mais elevada, porém, precisamente na aparência da exposição. Significado duplo de in-essência. [tr. Casanova ; GA65 : 223]
O quão parco é o nosso saber sobre os deuses e o quão essencial é, de qualquer modo, sua essenciação e degenerescência na abertura dos velamentos do aí, na VERDADE? [tr. Casanova ; GA65 : 224]
O que deve nos dizer, então, sobre o acontecimento apropriador a experiência da essência da própria VERDADE? Ora, mas como conseguimos silenciar propriamente esse dizer? [tr. Casanova ; GA65 : 224]
A questão prévia acerca da VERDADE é ao mesmo tempo a questão fundamental acerca do seer, esse, como acontecimento apropriador, se essencia como VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 224]
Toda questão acerca da VERDADE, que não pensa de maneira tão amplamente antecipativa, pensa curto demais. Mesmo aquela interpretação medieval completamente diversa do verum como determinação do ens (do ente), interpretação essa que se movimenta no âmbito da questão diretriz (no âmbito da metafísica) e que, além disso, se encontra desenraizada em relação ao seu solo grego mais imediato ainda se constitui como uma aparência dessa intimidade de VERDADE e seer. Não obstante, não se deve misturar esse questionamento acerca do acontecimento apropriador com aquela relação completamente diversa, construída inteiramente sobre a VERDADE como correção do representar (intellectus), a relação do ente (ens) com o ser re-presentado no intellectus divinus, uma relação que só permanece correta sob a pressuposição de que omne ens (excluindo daí Deus creator) é ens creatum; sendo que, visto “ontologicamente”, mesmo Deus é concebido a partir da creatio, com o que se demonstra o elemento normativo do relato da criação no A. T. nesse tipo de “filosofia”. A visão desse contexto é, então, porém, tanto mais essencial, uma vez que ele é mantido ainda por toda parte na Metafísica da Modernidade, mesmo lá onde o erigir medieval a partir do “bem de fé” da igreja já tinha sido abandonado há muito tempo e de maneira mesmo fundamental. Precisamente o domínio multiplamente modulado do pensar “cristão” no tempo pós e contra-cristão dificulta toda e qualquer tentativa de se afastar desse solo e de se pensar de modo inicial a partir da experiência mais originária a ligação fundamental entre seer e VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 225]
A aletheia tem em vista o desvelamento e o desvelado mesmo. Já nesse ponto é indicado que o próprio encobrimento só é experimentado como o que precisa ser afastado, o que precisa ser levado embora (a-). E, por isto, o questionamento também não se remete ao próprio encobrimento e ao seu fundamento; e, por isso, inversamente, o desencoberto também só se torna essencial enquanto tal; uma vez mais não o desencobrimento, e esse mesmo como clareira, na qual, então, em geral, o encobrimento mesmo ganha o aberto. Por meio daí, contudo, o encobrimento não é suspenso, mas se torna antes apreensível em sua essência. Por isto, a VERDADE como a clareira para o encobrimento é um projeto essencialmente diverso da aletheia, apesar de esse projeto pertencer precisamente à lembrança da aletheia e de ela se mostrar em relação com ele. [tr. Casanova ; GA65 : 226]
Quando cheguei a determinações tais como: o ser-aí é ao mesmo tempo na VERDADE e na não-VERDADE, então se compreendeu essa sentença imediatamente de uma maneira moral ligada a uma visão de mundo, sem apreender o decisivo da meditação filosófica, a essenciação do “ao mesmo tempo” como essência fundamental da VERDADE, e sem uma concepção originária da não-VERDADE no sentido do encobrimento (e não, por exemplo, da falsidade). [tr. Casanova ; GA65 : 226]
Em face da desertificação e desfiguração crescente da filosofia, algo essencial já teria sido conquistado há um bom tempo, caso se tivesse conseguido colocar da maneira correta a questão acerca da VERDADE a partir de sua necessidade. Sua necessidade emerge da indigência do abandono do ser. A maneira correta de formulação da questão é a transição para a essência originária sob a clarificação do ponto de partida, do conceito dominante da correção. Ao mesmo tempo, é preciso que se conceba o fato de que é só com a VERDADE na viragem que se determina pela primeira vez a VERDADE da essência e da essenciação, e, por isso, desde o início, não um conceito de “essência” no sentido de uma reunião genericamente correta de propriedades maximamente universais, acessíveis imediatamente para qualquer um, conceito esse que pode ser almejado e exigido; ao contrário, algo mais elevado, junto ao qual o desenraizamento já há muito dominante pode ser já imediatamente mensurado. VERDADE é a partir daqui, isto é, experimentada de maneira historicamente necessária, o tresloucamento que transpõe para o deslocamento. [tr. Casanova ; GA65 : 227]
Que sempre subsiste de certa maneira essa VERDADE, desde que o homem é e caso ele seja historicamente, e que, contudo, esse deslocamento permanece velado, isso se acha essencialmente no domínio da correção. De acordo com ela, o homem se encontra e se acha ao mesmo tempo e apenas em um em-face-de (psyche – antikeimenon, cogito – cogitatum, consciência – o de que se tem consciência). A partir desse em-face-de, ele toma e espera o preenchimento de suas pretensões. Nele se transcorre tudo aquilo em que o homem se acredita versado. A isso também pertence o domínio da ‘‘transcendência”. E aqui está a razão mais profunda para o caráter velado e dissimulado do ser-aí. Pois o que é, apesar de toda oposição contra o “eu”, mais inequívoco e mais inquestionado do que o fato de que “eu”, de que “nós” estamos contrapostos aos objetos; por mais que “nós” e “eu” sejamos a princípio o inquestionado que se pode carregar tranquilamente nas costas. E, com isso, não se ousa, porém, levar a meditação a um ponto tão distante, mesmo que apenas no interior dessa posição fundamental, de tal modo que se veja: “nós” não “damos” mais nada que pudesse reproduzir em imagem o VERDADEiro e re-stituí-lo. [tr. Casanova ; GA65 : 227]
VERDADE, aletheia, quase não ressoando aí, poderosa, com efeito, mas infundada e mesmo não propriamente fundante. A correção leva a psyche a alcançar o primado, assim como acontece com a relação sujeito-objeto. Como o domínio da correção já tem a sua longa história, é só muito lenta e dificilmente que a sua origem e a possibilidade de algo diverso são visualizadas. Com a psyche também se dá originariamente o logos como reunião e, em seguida, como discurso e como saga. O fato de o enunciado se tornar o lugar para a “VERDADE” é concomitantemente o que há de mais estranho em sua história, apesar de isso ser considerado por nós como corrente. Por isto, porém, abstraindo-se da concepção da própria essenciação, a VERDADE e o VERDADEiro precisam continuar sendo buscados e conservados lá onde não supomos de modo algum que eles estariam. Este desenraizamento da VERDADE é acompanhado pelo velamento da essência do seer. Em que medida a “correção” é essencial a partir da instituição e do abrigo (linguagem)? [tr. Casanova ; GA65 : 231]
O que sobrecarrega tanto e quase chega mesmo a bloquear o pensamento mais próprio de Nietzsche é a intelecção do fato de que a essenciação da VERDADE significa: ser-aí, isto é, encontrar-se em meio à clareira do que se encobre e haurir daí o fundamento e a força do ser humano. Pois, apesar das ressonâncias do “perspectivismo”, a “VERDADE” continua enredada na “vida” e a vida mesma, de maneira quase coisal, um centro de vontade e de força, que quer sua elevação e superelevação. [tr. Casanova ; GA65 : 234]
Aquele se encontrar exposto de modo arrebatado e extasiante no desconhecido, que era para Nietzsche certamente uma experiência fundamental, não tinha como se tornar para ele, se vejo corretamente, o centro fundado de seu questionamento; e não porque ele estava preso no enredamento triplo acima (p 353) citado por meio do que foi legado pela tradição. E, assim, chega-se ao fato de que Nietzsche não concebeu de saída e ainda por muito tempo a partir de sua mais velada vontade pensante, mas se viu articulado com os campos de visão correntes do pensamento dominante e das visões de mundo do século XIX, a fim de encontrar e tornar útil no destacar-se delas e, portanto, contudo, com o seu auxílio, o seu elemento próprio e “novo”. Todavia, como é que a confrontação com Nietzsche dominou ou não dominou a sua concepção da “VERDADE” é algo que precisa se transformar na pedra angular da decisão sobre se nós auxiliaremos a sua filosofia propriamente dita a alcançar o seu futuro (sem nos tornarmos “nietzschianos”), ou se nós o inseriremos em uma ordem “historiológica”. [tr. Casanova ; GA65 : 234]
VERDADE é, para Nietzsche , uma condição da vida, que é ela mesma contra a vida. De acordo com isto, a vida necessita desse contra-o-que (o que se anuncia aqui? A ligação não experimentada a partir do fundamento e trazida para o espaço livre, assim como não fundada em representação e pensamento, com o “ente” enquanto tal?). Mas como “a vida” já é a realidade efetiva no sentido do maximamente plurissignificativo idealismo, que prescreveu para si o positivismo, a VERDADE precisa ser estabelecida de antemão como mera condição, vinculada à vida. Por isto, a questão última e aparentemente originária permanece a questão acerca de seu “valor”: em que sentido, degradante, apaziguador, coassegurador ou elevador, ela é condição da “vida”. Como é, porém, que se chega em geral ao critério de medida do “valor” para a vida? A vida mesma não exige decisões sobre as suas condições? Que vida? E se ela exige algo assim, então há a questão de saber como as próprias condições e as decisões sobre isso pertencem à “vida” e o que, então, significa “vida”. [tr. Casanova ; GA65 : 234]
Se a vontade de poder é o querer-para-além-de-si e, dessa maneira, o chegar-a-si-mesmo, então a VERDADE se revela, naturalmente compreendida de maneira diversa da de Nietzsche , como a condição da vontade de poder. O para-além-de-si, se não é apenas uma elevação numérica, mas abertura e fundação, exige a abertura do tempo-espaço. Visto assim, a VERDADE não é apenas como vontade de VERDADE uma condição da vida, mas o fundamento de sua essentia como vontade de poder. Com certeza, mostra-se aqui toda a plurissignificância da “vida” e resta a questão de saber se e como aqui uma ordem hierárquica é passível de ser estabelecida, por exemplo, em correspondência à doutrina leibniziana da mônada. [tr. Casanova ; GA65 : 234]
Crer: o tomar-por-VERDADEiro. Nessa significação, ela designa a apropriação do “VERDADEiro”, exatamente como esse é dado e pode ser assumido. Nessa significação ampla: concordância. O tomar-por-VERDADEiro vai se modificar sempre a cada vez de acordo com o VERDADEiro (e inteiramente e em primeiro lugar segundo a VERDADE e a sua essência). [tr. Casanova ; GA65 : 237]
Crer significa, porém, sobretudo na contraposição aberta ou tácita em relação ao saber, o tomar-por-VERDADEiro daquilo que se subtrai ao saber no sentido da intelecção explicativa (já: “acreditar” em uma notícia, cuja “VERDADE” não pode ser comprovada, mas que é atestada por aqueles que a comunicam e por testemunhas). Também aqui torna-se claro: esse crer depende em sua essencialidade do respectivo modo de saber, que é colocado contra ele. [tr. Casanova ; GA65 : 237]
O saber essencial é um manter-se na essência. Com isso, deve ser expresso o seguinte: não se trata de nenhuma mera representação de algo que vem ao encontro, mas de suportar permanecer no interior da irrupção de um projetar, que chega a saber na abertura mesma sobre o abismo que a sustenta. Caso se tome, com isso, o “saber” no sentido até aqui da representação e da posse da representação, então o saber essencial não é naturalmente nenhum “saber”, mas uma “crença”. A questão é que essa palavra tem agora um sentido completamente diverso, não significando mais o tomar-por-VERDADEiro, no qual a VERDADE, de maneira bastante confusa, já é sabida, mas sim manter-se-na-VERDADE. E esse movimento é, enquanto projetivo, sempre um questionamento, sim, o questionamento originário enquanto tal, no qual o homem se coloca em decisão em direção à VERDADE e na essência. [tr. Casanova ; GA65 : 237]
Espaço e tempo, representados sempre e a cada vez por si e na ligação usual, emergem eles mesmos do tempo-espaço, que é mais originário do que eles mesmos e do que a sua ligação representada por meio do cálculo. O tempo-espaço, porém, pertence à VERDADE no sentido da re-essenciação do ser como acontecimento apropriador (A partir daqui é que se precisa conceber pela primeira vez por que a referência a Ser e tempo indica transitoriamente o caminho). Mas a questão é como e como o que o tempo-espaço pertence à VERDADE. O que a VERDADE mesma é não se deixa dizer anteriormente de maneira suficiente, mas precisamente na concepção do tempo-espaço. [tr. Casanova ; GA65 : 239]
Há um caminho para sair da destruição realizada de volta para outra origem? Parece que sim. Pois as coisas sempre se mostrarão em meio à retenção das representações conhecidas de espaço e tempo, como se algo metafísico fosse acrescentado criativamente a essas formas vazias da ordem (qual?). Mas a questão, no entanto, é a questão acerca do direito e da origem dessas formas vazias, cuja VERDADE ainda não se comprovou com base em sua correção e utilidade no campo do cálculo; por meio daí é o contrário que é demonstrado. Por outro lado, o retorno para a sua proveniência não conduz de qualquer modo para a origem essencial, para a “VERDADE”, ainda que topos (inserção de espaço) e kronos (pertencente à psyche) apontem de volta para a physis. Nesse caso, não se precisa de maneira alguma de “representações” “míticas”. Pois essas representações só podem ser concebidas no fim como pré-iniciais para o primeiro início. Caso se comece com elas, então só se chega na melhor das hipóteses à “trivialidade” de que aqui ainda seria experimentado como “irracional” o que mais tarde é colocado à luz da ratio. [tr. Casanova ; GA65 : 239]
O “e” na VERDADE é o fundamento da essência dos dois, o tresloucamento no aberto demarcador que forma a presentação e a consistência, mas sem que esse aberto mesmo tenha sido experimentável e fundamentável. Cf. a queda concomitante da aletheia e a sua conversão em homoiosis (correção). Pois o projeto experimentador não acontece aqui na direção da representação de uma essência geral (genos), mas na entrada histórico-originária nos sítios instantâneos do ser-aí. Em que medida tal ser-aí se dá na tragédia grega? [tr. Casanova ; GA65 : 239]
Em relação a essa “subjetivação”, porém, é preciso dizer: Como o ser-aí é essencialmente mesmidade (propriedade) e como a mesmidade é, por sua vez, o fundamento do eu e do nós tanto quanto de toda “subjetividade” inferior e superior, o desdobramento do tempo-espaço a partir dos sítios instantâneos não é nenhuma subjetivação, mas a sua superação, se não já a repulsa fundamental e prévia a ela. Essa origem do tempo-espaço corresponde à unicidade do seer como acontecimento apropriador. Ele só traz a si mesmo para o seu aberto no acontecimento do abrigo da VERDADE de acordo com a via respectivamente necessária do abrigo. [tr. Casanova ; GA65 : 239]
A-bismo é a renúncia hesitante do fundamento. Na renúncia abre-se o vazio originário, acontece a clareira originária, mas a clareira ao mesmo tempo, para que se mostre nela a hesitação. O a-bismo é o encobrimento clareador primeiramente essencial, a essenciação da VERDADE. Uma vez, porém, que a VERDADE é o encobrimento clareador do seer, ela é como a-bismo antes de tudo fundamento, que só funda como o imperar inteiramente de maneira sustentadora do acontecimento apropriador. Pois a renúncia hesitante é o aceno, no qual o ser-aí, justamente a constância do encobrimento clareador, é reacenado, e essa é a vibração da viragem entre clamor e pertencimento, o acontecimento da apropriação, o seer mesmo. [tr. Casanova ; GA65 : 242]
O a-bismo como o ficar de fora do fundamento deve ser, porém, a essenciação da VERDADE (do encobrimento clareador). Permanecer de fora do fundamento: isso não é a ausência da VERDADE? Mas o renunciar-se hesitante é, contudo, precisamente clareira para o encobrimento, e, com isso, presentação da VERDADE. Com certeza, “presentação”; todavia, não sob o modo como algo presente à vista se presenta, mas essenciação daquilo que fundamenta de início a presença e a ausência do ente, e não apenas isso. [tr. Casanova ; GA65 : 242]
O acontecimento apropriador afina e transpassa de maneira afinadora a essenciação da VERDADE. A abertura do clarear do encobrimento, por isso, não é originariamente nenhum mero vazio do não estar ocupado, mas o vazio afinador afinado do a-bismo, que, de acordo com o aceno afinador do acontecimento apropriador, é um a-bismo afinado, o que significa aqui unido. [tr. Casanova ; GA65 : 242]
O abrir-se para o encobrimento é originariamente a distância da indecibilidade em relação a se o deus se movimenta se afastando de nós ou vindo em nossa direção. Isso quer dizer: nessa distância e em sua indecibilidade se mostra o encobrimento daquilo que, de acordo com essa reabertura, nós denominamos o deus. Essa “distância” da indecidibilidade é anterior a todo “espaço” isolado e a todo tempo que transcorre de maneira destacada. Ela também se essencia antes de toda dimensionalidade. Algo desse gênero só emerge do abrigo da VERDADE e, com isso, do tempo-espaço no ente e, com efeito, de saída, no ente presente à vista como coisa que se transforma. Somente onde algo presente à vista é retido e fixado, emerge o fluxo que flui ao lado dele do “tempo” e o “espaço” que o envolve. O a-bismo como primeira essenciação do fundamento funda (deixa o fundamento se essenciar como fundamento) sob o modo da temporalização e da espacialização. Mas aqui está a passagem crítica para o conceito correto de a-bismo. Temporalização e espacialização não podem ser concebidas a partir da representação corrente de espaço e tempo, mas essas representações precisam receber, inversamente, de acordo com a sua proveniência a partir do temporalizar e do espacializar marcados pela primeira essência, sua determinação. De onde é que o temporalizar e o espacializar têm a sua origem una e sua cisão? De que tipo é a unidade originária, segundo a qual ela é lançada em uma dinâmica divergente em meio a essa cisão, e em que sentido os separados são aqui unos precisamente como essenciação da a-bissalidade? Não pode se tratar aqui de uma “dialética” qualquer, mas apenas da essenciação do fundamento (da VERDADE, portanto) mesmo. [tr. Casanova ; GA65 : 242]
A VERDADE como fundamento funda, porém, originariamente como a-bismo. E esse a-bismo mesmo funda como a unidade da temporalização e da espacialização. Eles têm, com isso, sua essência a partir daquilo de que o fundamento é o fundamento, a partir do acontecimento apropriador. [tr. Casanova ; GA65 : 242]
O tempo insere um espaço, nunca de maneira arrebatadoramente fascinante. O espaço temporaliza, nunca de maneira arrebatadoramente extasiante. Eles não têm, porém, nada em comum enquanto unidade, mas o seu elemento unificador, o que permite que eles venham à tona no fato de serem apontados de maneira inseparável, o tempo-espaço, se mostra como o elemento a-bissalizador do fundamento: a essenciação da VERDADE. Esse e-mergir, contudo, não é nenhum esgarçamento, mas, ao contrário, o tempo-espaço é apenas o desdobramento essencial da essenciação da VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 242]
A a-bissalização do fundamento não é, com isso, esgotada em sua essência, mas se torna apenas clara como fundação do aí. O tempo-espaço é o repouso que reúne de maneira arrebatadoramente extasiante e fascinante, o a-bismo assim reunido e correspondentemente afinado, cuja essenciação se torna histórica na fundação do “aí” por meio do ser-aí (suas vias essenciais do abrigo da VERDADE). [tr. Casanova ; GA65 : 242]
O contramovimento a partir do “espaço ” e do “tempo”. O contramovimento precisa ser tomado da maneira mais segura possível, de tal modo que espacialidade e temporalidade da coisa, do utensílio, da obra, da maquinação e do todo do ente possam se tornar visíveis como abrigo da VERDADE em uma interpretação. O projeto dessa interpretação é inexpressamente determinado pelo saber em torno do tempo-espaço como abismo. Mas a própria interpretação precisa despertar a partir da saída da coisa novas experiências. A aparência de que se trataria aqui de uma descrição óbvia em si não é perigosa porque esse caminho de interpretação quer expor espaço e tempo na direção do tempo-espaço. O caminho a partir daqui e o caminho a partir do ente precisam se encontrar. Perseguindo o caminho a partir do “ente” (mas já inserido no aberto da contenda entre terra e mundo), surge, então, a ocasião para inserir a discussão até aqui de espaço e tempo na confrontação inicial (cf A conexão de jogo). [tr. Casanova ; GA65 : 242]
O abrigo não é a acomodação ulterior da VERDADE em si presente à vista no ente, abstraindo-se completamente do fato de que a VERDADE nunca se acha presente à vista. Abrigo pertence à essenciação da VERDADE. Essa não é essenciação, se ela nunca se essencia no abrigo. Se, por isso, indicativamente, a “essência” da VERDADE for denominada como a clareira para o encobrir-se, então isso só acontece para desdobrar pela primeira vez a essenciação da VERDADE. A clareira precisa se fundar em seu aberto. Ela carece daquilo que ela obtém na abertura, e isso é a cada vez de maneira diversa um ente (coisa – utensílio – obra). Mas esse abrigo do aberto precisa ser ao mesmo tempo e de antemão de tal modo que a abertura se torna essente de tal maneira que, nela, o encobrir-se e, com isso, o seer se essencie. De acordo com isso, precisa ser possível – com o salto prévio correspondente no seer com certeza –, a partir do “ente”, encontrar o caminho até a essenciação da VERDADE e, por essa via, tornar visível o abrigo como pertencente à VERDADE. Onde é, porém, que esse caminho deve começar? Não precisamos conceber para tanto em primeiro lugar as referências atuais em relação ao ente, tal como nós nos encontramos aí, ou seja, não precisamos ter diante dos olhos algo extremamente corrente? E justamente isso é o mais difícil, uma vez que ele não é nunca realizável sem um abalo, o que significa: sem um tresloucamento da ligação fundamental com o seer mesmo e com a VERDADE. É preciso indicar em que VERDADE e como é que o ente se encontra respectivamente nela. Precisa se tornar claro como é que aqui mundo e terra se encontram em contenda e, com isso, como é que eles mesmos se desencobrem e se encobrem. Esse encobrir-se mais imediato, contudo, é apenas a aparência prévia do a-bismo e, com isso, da VERDADE do acontecimento apropriador. Mas a VERDADE só se essencia na clareira mais plena do mais distante encobrir-se sob o modo do abrigo segundo todos os caminhos e maneiras, que pertencem a esse abrigo, que suportam e conduzem historicamente a exposição jurisdicional do ser-aí e que constitui, assim, o ser do povo. [tr. Casanova ; GA65 : 243]
A VERDADE se essencia apenas e sempre já como ser-aí e, com isso, como contestação da contenda. (Sobre a origem da diferenciação eidos – hyle, cf do mesmo modo as conferências citadas acima). [tr. Casanova ; GA65 : 243]
Só que a compreensão dos nexos aqui essenciantes exige que nos libertemos fundamentalmente do modo simples de pensar da re-presentação do que se presenta (do ser como presentidade e da VERDADE como adaptação ao que se presenta) e que estabeleçamos o olhar do pensamento de tal modo que ele mensure integralmente sobretudo toda a essenciação da VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 243]
[VERDADE e abrigo] De onde o abrigo tem a sua indigência e a sua necessidade? A partir do encobrir-se. Para não afastar esse autoencobrimento, mas para inversamente preservá-lo, é preciso o abrigo desse acontecimento. O acontecer é transformado e preservado (porquê) na contenda de mundo e terra. A contestação da contenda põe em obra a VERDADE, põe no utensílio a VERDADE, ex-perimentando-a como coisa e levando-a a termo em ato e em sacrifício. [tr. Casanova ; GA65 : 244]
[VERDADE e abrigo] Pertence a todo abrigo da VERDADE no ente, de uma maneira a cada vez diversa, projeto e execução. Cada projeto é tempestade, agraciamento, revolvimento, instante. Toda execução é serenidade, duração, renúncia (concebido propriamente; e a forma da impropriedade pertinente; a in-essência?). Nenhum dos dois acontece sem a concordância do outro e os dois sempre a partir do fundamento da necessidade de um abrigo. [tr. Casanova ; GA65 : 245]
Abrigo da VERDADE como crescimento de volta para o cerramento da terra. Esse crescimento de volta nunca se realiza em meras re-presentações e sentimentos, mas sempre a cada vez na ocupação, na fabricação, nas obras, em suma, no deixar mundar um mundo, contanto que esse mundar não descambe para uma mera atividade funcional. [tr. Casanova ; GA65 : 245]
Abrigo é, no fundo, a guarda do acontecimento apropriador por meio da contestação da contenda. Guarda do encobrir-se (da renúncia hesitante) não é nenhuma mera conservação de algo dado, mas o laço projetivo com o aberto, a contenda, em cuja constância é recombatido, contestado o pertencimento ao acontecimento apropriador. Assim se essencia a VERDADE como o VERDADEiro a cada vez abrigado. Todavia, esse VERDADEiro só é o que ele é, como o não-VERDADEiro, como um não sendo e um não fundamento ao mesmo tempo. Tornar acessível o abrigo da VERDADE a partir de seus modos mais imediatos da ocupação, correspondendo a espaço e tempo. [tr. Casanova ; GA65 : 246]
[Fundação do ser-aí e as vias do abrigo da VERDADE] Deduzida desse âmbito e, por isso, pertencente a ele, a questão isolada acerca da “origem da obra de arte”. A máquina e a maquinação (técnica). A máquina, sua essência. O serviço, que ela exige, o desenraizamento que ela traz. “Indústria” (funcionamento); os trabalhadores de indústria, arrancados da terra natal e da história, transpostos para o ganho. Educação de máquinas; a maquinação e o negócio. Que transformação do homem se insere aqui? (Mundo – terra?) Maquinação e negócio. O grande número, o gigantesco, pura extensão, nivelamento e esvaziamento crescentes. A decadência necessária no kitsch e no inautêntico. [tr. Casanova ; GA65 : 247]
Buscar nunca é um mero ainda não ter, um prescindir. Visto assim, ele não é senão equivocadamente calculado a partir do resultado alcançado. Em primeiro lugar e propriamente, a busca é o pro-cedimento em direção ao âmbito, no qual a VERDADE se reabre ou se renuncia. Buscar é algo em si por vir e um aproximar-se do ser. A busca traz aquele que busca pela primeira vez a ele mesmo, isto é, à mesmidade do ser-aí, no qual a clareira e o encobrimento do ente acontecem. [tr. Casanova ; GA65 : 250]
Mundo e terra alçarão em sua contenda amor e morte em seu extremo e reunirão os dois na fidelidade ao deus e na constância da confusão no domínio múltiplo da VERDADE do ente. [tr. Casanova ; GA65 : 252]
Retenção e silêncio serão os festejos mais íntimos do último deus, e o próprio modo do confiar na simplicidade das coisas e a própria corrente da intimidade se apoderarão do arrebatamento extasiante e fascinante de suas obras, deixando o abrigo da VERDADE se tornar o que há de mais velado e emprestando-lhe o presente único. [tr. Casanova ; GA65 : 252]
Os que estão por vir, os responsáveis no ser-aí fundado pelo ânimo da retenção, à qual apenas cabe o ser (salto) como acontecimento apropriador, se apropriando deles em meio ao acontecimento e potencializando-os para o abrigo de sua VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 252]
Se por meio do acontecimento apropriador o ser-aí como meio aberto da ipseidade que funda a VERDADE é atirado a si e se torna um si mesmo, o ser-aí precisa, por sua vez, pertencer como possibilidade velada da essenciação fundante do seer ao acontecimento apropriador. E na viragem: o acontecimento apropriador precisa se valer do ser-aí; por meio da necessidade, ele precisa colocá-lo no clamor e, assim, trazê-lo para diante do passar ao largo do último deus. [tr. Casanova ; GA65 : 255]
A viragem se essencia entre o clamor (ao pertinente) e a escuta (do conclamado). Viragem é contra-viragem. O clamor ao salto no acontecimento da apropriação é a grande tranquilidade do conhecer-se mais velado. É a partir daqui que toda linguagem do ser-aí toma a sua origem e está, por isso, na essência o silêncio (cf retenção, acontecimento apropriador, VERDADE e linguagem). [tr. Casanova ; GA65 : 255]
Na essência do aceno reside o mistério da unidade da mais íntima aproximação no distanciamento extremo, a mensuração do mais amplo campo de jogo temporal do seer. Esse extremo da essenciação do seer exige o mais íntimo da indigência do abandono do ser. Essa indigência precisa pertencer ao clamor do domínio daquele aceno. O que ressoa em tal servidão e prepara a amplitude só consegue preparar para a contenda entre mundo e terra, para a VERDADE do aí, por meio desse aí mesmo, o sítio instantâneo da decisão e, assim, a contestação e o abrigo no ente. [tr. Casanova ; GA65 : 255]
Se esse clamor do aceno extremo, a apropriação mais velada em meio ao acontecimento, ainda acontecerá abertamente ou se a indigência a tudo emudecerá e todo domínio permanecerá de fora; e se, caso o clamor aconteça, ele será então ainda apreendido; se o salto para o interior do ser-aí e, com isso, a partir de sua VERDADE, a viragem ainda vão se tornar história: é aí que se decide o futuro dos homens. O homem pode ainda por séculos espoliar e desertificar o planeta com as suas maquinações, o gigantesco desse impulso pode se “desenvolver” em direção ao irrepresentável e assumir a forma de um rigor aparente, o disciplinamento pelo elemento desértico enquanto tal; a grandeza do seer pode permanecer vedada porque nenhuma decisão mais é tomada sobre a VERDADE, a não VERDADE e sua essência. Somente ainda cálculo do sucesso e do insucesso das maquinações é que são computados. Esse cálculo estende-se para uma “eternidade” arrogada, que não é nenhuma eternidade, mas apenas o e-assim-por-diante sem fim do que há de mais fugidio e desértico. [tr. Casanova ; GA65 : 255]
No âmbito de domínio do aceno encontram-se novamente, para a mais simples contenda, terra e mundo: o mais puro fechamento e a transfiguração suprema, o mais temo arrebatamento fascinante e o mais temível arrebatamento extasiante. E isso novamente a cada vez apenas historicamente nos níveis e âmbitos e graus do abrigo da VERDADE no ente, através do qual somente este se torna novamente mais ente, em meio a todo o extinguir-se no não ente, um extinguir-se que é sem medida, mas dissimulado. Em tal essenciação do aceno, o próprio seer chega à sua maturidade. Maturidade é prontidão para tornar-se um fruto e uma doação. Nisso se essencia o último, o fim essencial, exigido a partir do início, mas não trazido com ele. Aqui se desentranha a finitude mais íntima do seer: no aceno do último deus. Na maturidade, na potência do fruto e na grandeza da doação, encontra-se ao mesmo tempo a essência mais velada do não, enquanto ainda-não e não-mais. A partir daqui é que é preciso pressentir a intimidade da intraessenciação do negativo no seer. De acordo com a essenciação do seer, porém, no jogo do acometimento e do ficar de fora, o não mesmo possui figuras diversas de sua VERDADE e, de acordo com isso, também o nada. Se isso só for calculado “logicamente” por meio da negação do ente no sentido do ente presente à vista (cf as observações no manuscrito de “O que é metafísica?”) e explicado extrinsecamente de maneira literal, em outras palavras, se o questionamento em geral não chegar ao âmbito da questão acerca do seer, então todo discurso em réplica em face da questão acerca do nada não passa de um falatório vão, no qual se subtraem todas as possibilidades de penetrar algum dia no âmbito de decisão da questão acerca da finitude mais essencial do seer. Mas esse âmbito só é penetrável graças à preparação de um longo pressentimento do último deus. E os que estão por vir do último deus só são preparados pela primeira vez por meio daqueles que encontram, mensuram e constroem o caminho de volta a partir do abandono do ser experimentado. Sem o sacrifício desses que estão voltando, não se chega nem mesmo a um crepúsculo da possibilidade do aceno do último deus. Esses que tomam o caminho de volta são os VERDADEiros ante-cessores dos que estão por vir. (Mas esses que estão voltando também são completamente diversos dos muitos apenas “re-ativos”, cuja “ação” só irrompe na cega suspensão junto ao seu elemento até aqui visto de maneira breve. O sido nunca se tornou manifesto para eles em sua antecipação do porvir, assim como o porvir jamais se tornou evidente em seu clamor pelo sido). [tr. Casanova ; GA65 : 256]
Nós precisamos preparar a fundação da VERDADE, e isso dá a impressão de que a dignificação e, com isso, a guarda do último deus já estariam previamente determinadas. Nós precisamos ao mesmo tempo saber e nos manter junto ao fato de o abrigo da VERDADE em meio ao ente e, com isso, de a história da guarda do deus serem exigidos pela primeira vez pelo próprio deus e do modo como ele precisa de nós como fundadores do ser-aí; o que é exigido não é apenas uma tábua de mandamentos, mas o deus de maneira mais originária e essencial de tal modo que o seu passar ao largo exija uma estabilização do ente e, com isso, do homem em meio ao ente; uma estabilização, na qual pela primeira vez o ente, a cada vez na simplicidade de sua essência reconquistada (como obra, utensílio, coisa, ato, visão e palavra), resiste ao passar ao largo, não o apaziguando, mas deixando-o vigorar como curso. [tr. Casanova ; GA65 : 256]
Todo ente, por mais impertinente e único, autônomo e de primeiro nível que ele possa aparecer para o cálculo e para o empreendimento sem deus e desumanos, é apenas a inserção no acontecimento apropriador, inserção essa na qual o sítio do passar ao largo do último deus e a guarda do homem buscam uma estabilização, a fim de permanecerem prontos para o acontecimento da apropriação e não privar o seer daquilo que, porém, o ente até aqui, esse na VERDADE até aqui, precisou exclusivamente empreender. [tr. Casanova ; GA65 : 256]
Na transição da questão do ser metafísica para a questão do ser por vir, é preciso sempre pensar e questionar de maneira transitória. Com isso, a possibilidade de um juízo apenas metafísico do outro questionar é excluída. O outro questionar, porém, também não se revela aí como VERDADE “absoluta”; e isso já não se mostra assim porque tal demonstração de tal “VERDADE” vai de encontro à essência desse questionamento. Pois esse questionamento é histórico porque, nele, a história do seer mesmo enquanto a história do fundamento mais abissal e único da história se transforma no acontecimento apropriador. Além disso, o pensar transitório realiza sempre pela primeira vez a preparação do outro questionamento, ou seja, a preparação daquele ser humano, que deve ser em sua atividade como fundador e como guardião antes de tudo forte o suficiente e sapiente o suficiente para acolher o impulso há muito tempo indicado, mas ainda mais longamente recusado do seer, reunindo o apoderamento do seer para a sua essenciação em um instante único da história. O pensar transitório, por isso, também não pode abalar o hábito metafísico por meio de um gesto de violência. Sim, por causa da comunicação, ele precisa com frequência ainda caminhar na via do pensar metafísico e, contudo, saber constantemente o outro. Como é que o pensar propriamente histórico deveria poder desconsiderar também que, se a transição deve ser fundadora de história, lhe é reservado tanto o caráter repentino do não pressentido quanto o caráter discreto do que se lança lentamente para além de si. E como é que o pensar transitório também não deveria saber que muitas coisas, sim, a maioria daquilo que permanece atribuído a ele em termos de esforço será um dia algo supérfluo e recairá no elemento incidental, para abrir o seu caminho único para a corrente da história do único. Apesar disso, o pensar transitório não pode atemorizar a precariedade de diferenças e clarificações preparatórias, contanto que elas sejam movidas pelo vento de uma decisão que é tomada desde muito tempo. Só a frieza da ousadia do pensar e a noite da errância do questionamento emprestam ao fogo do seer ardor e luz. [tr. Casanova ; GA65 : 259]
Os pensadores transitórios e ambíguos segundo a essência também precisam saber ainda expressamente o seguinte: que seu questionamento e seu dizer são incompreensíveis para o hoje não calculável em sua duração. E isso não, por exemplo, porque os homens de hoje seriam pouco inteligentes demais e estariam muito precariamente instruídos, mas porque a compreensibilidade já significa a destruição de seu pensamento. Pois compreensibilidade obriga tudo a seguir de volta para a esfera do representar até aqui. A missão dos transitórios é tornar ignorantes aqueles que desejam de maneira tão “ardente” o “compreensível” e deixar como ainda não versados aqueles que não sabem para onde ir porque eles realizam um primeiro passo necessário: não esperar de um ente a VERDADE, sem cair nas garras da dúvida e do desespero. Aqueles que ainda não se acham versados aí, que não asseguraram ainda para si o acordo sobre tudo, mas mantiveram no âmbito da questão o elemento primeiro e único, o seer, são aqueles que perambulam de maneira inicial, que vêm de mais longe e, por isso, portam em si o mais elevado porvir. [tr. Casanova ; GA65 : 259]
A negação do ser aos “deuses” só significa de início que o ser não se encontra “acima” dos deuses; mas também que esses não se encontram “acima” do ser. Com certeza, porém, “os deuses” necessitam do seer, com cuja sentença já é pensada a essência “do” seer. “Os deuses” precisam do seer não como a sua propriedade, na qual eles mesmos encontram um apoio. “Os deuses” precisam do seer, a fim de pertencerem por meio do seer, que não lhes pertence, efetivamente a si mesmos. O seer é o que é usado pelos deuses; ele é sua indigência, e o caráter indigente do seer nomeia a sua essenciação, o que é exigido pelos “deuses”, mas que não é nunca causável e condicionável. O fato de “os deuses” precisarem do seer lança eles mesmos no abismo (a liberdade) e exprime o fracasso de toda e qualquer fundamentação e demonstração. E por mais obscuro que possa permanecer o caráter indigente do seer para o pensar, ele fornece de qualquer modo o primeiro ponto de apoio, para pensar “os deuses” como aqueles que precisam do seer. Nós levamos a termo, com isso, os primeiros passos na história do seer, de tal modo que o pensar da história do seer desponta, assim, pela primeira vez e todo empenho por se dispor a obrigar o dito nesse começo a alcançar uma compreensibilidade habitual se revela como vão e, antes de tudo, contra o modo de ser desse pensamento. Se, porém, o seer é o caráter indigente do deus, por mais que o seer mesmo só encontre no re-pensar a sua VERDADE e por mais que esse pensar seja a filosofia (no outro início), então “os deuses” precisam do pensar da história do seer, isto é, da filosofia. Todavia, “os deuses” não carecem da filosofia como se eles mesmos precisassem filosofar e o fizessem em virtude de sua deização, mas é preciso que a filosofia se dê, se é que “os deuses” devem ganhar uma vez mais o espaço da decisão e se é que a história deve alcançar o fundamento de sua essência. A partir dos deuses determina-se o pensar da história do seer como aquele pensar do seer que concebe o abismo da indigência do seer como o primeiro e nunca busca no divino mesmo como o supostamente mais essente a essência do seer. O pensar da história do seer encontra-se fora de toda e qualquer teologia e também não conhece, porém, nenhum ateísmo no sentido de uma “visão de mundo” ou de uma doutrina configurada de outro modo qualquer. [tr. Casanova ; GA65 : 259]
Conceber o abismo do caráter de indigência do seer significa: ser transposto para o cerne da necessidade de fundar para o seer a VERDADE, não resistindo às consequências essenciais dessa necessidade, mas pensando ao encontro delas e, com isso, sabendo que todo pensar do seer é subtraído por meio dessa necessidade a toda instituição meramente humana, sem decair na pretensão de “absolutidade”. [tr. Casanova ; GA65 : 259]
Por que oferecemos, então, em geral ainda a mínima atenção a esse não se preocupar com o ser sob a forma de ontologia? Certamente não para colocar em discussão ou até mesmo alterar a respectiva opinião e doutrina do seer apresentada, ou a recusa de uma tal doutrina, mas sim para dirigir a meditação para o fato de que todo o visar habitual sobre o ser mesmo (incluindo aí as ontologias e antiontologias) tem sua origem no domínio do ser e de sua “VERDADE” histórica determinada. (Nas antiontologias, a indiferença em face da questão do ser é levada ao extremo.) Aqui, contudo, há a ameaça de uma outra incompreensão: a concepção de que se deveria agora indicar o pressuposto “antropológico” daquele visar sobre o ser e, com essa demonstração, considerar aquele visar como “refutado”. Essa concepção é, contudo, justamente apenas uma consequência ulterior daquela opinião sobre o ser. [tr. Casanova ; GA65 : 261]
A “antropologia” pertence ela mesma, sim, àquilo que se encontra sob o domínio daquela interpretação do ser. A antropologia nunca pode, por isso, ser reclamada como argumento contra essa interpretação, e isso para não falar do fato de que a prova de quaisquer “pressupostos”, sobre os quais se baseiam uma opinião, ainda não decide nada sobre sua “VERDADE”, de que pressupostos enquanto tais em geral ainda não são nenhuma objeção. [tr. Casanova ; GA65 : 261]
A meditação precisa se deparar com o fato de que a indiferença já salva em meio à completa inocência em face do ser, a qual mantém na “ontologia” a sua “representação” escolar, não é nada menos do que a elevação extrema do poder do cálculo. Aqui se encontra a negação mais indiferente e mais cega do incalculável no trabalho. Esse incalculável, porém, não é considerado pela meditação como um “erro” e um “descaso” que não precisaria ser senão lastimado, mas como história, cuja “realidade efetiva” ultrapassa essencialmente tudo o que de resto se mostra como “real e efetivo”; razão pela qual essa história é reconhecida pelos pouquíssimos, e, entre esses, concebida apenas pelos mais raros como o acontecimento apropriador que já se abre, no qual o ente na totalidade chega à decisão de sua VERDADE. [tr. Casanova ; GA65 : 261]
Para a experiência do ente e para o abrigo de sua VERDADE, o “projeto” é apenas o elemento provisório, o que transitoriamente se transpõe, ao prosseguir, para aquilo que é edificável e resguardável e que, enquanto guarda, recebe o selo do seer. [tr. Casanova ; GA65 : 262]
No saber pensante, o projeto não é o elemento provisório para algo diverso, mas o elemento único e derradeiro e, por isso, o que há de mais raro que se essencia em si como VERDADE fundada do seer. [tr. Casanova ; GA65 : 262]
[Todo projeto é um projeto jogado] Por isso, nenhuma constatação de algo dado alcança o VERDADEiro. E o orientar-se re-presentativo pelo dado pode ainda menos tornar visível a essência do VERDADEiro, a VERDADE, mas sempre apenas a correção. Mas o que isso significa: o projeto jogado? Quando e como tem sucesso um projeto? [tr. Casanova ; GA65 : 263]
Jogar-se para fora, ousar o aberto, não pertencer nem a algo em face de si nem a si e, contudo, pertencer aos dois ao mesmo tempo, mas não como objeto e sujeito; saber e pressentir-se como ré-plica no aberto que aquilo que se joga para fora e do que ele se evade possuem a mesma essência do que o em face de. A ré-plica é o fundamento do vir ao encontro, que aqui ainda não é de modo algum buscado. A ré-plica é o arrancar do entre, no qual acontece a contrariedade, como carente de abertura. O que pertence aqui, porém, ao “homem” e o que é deixado para trás? No lançar-se para fora, ele se funda naquilo que ele não consegue fazer, mas apenas consegue ousar enquanto possibilidade, ele se funda no ser-aí. Isso naturalmente apenas se ele não volta nunca mais a si enquanto alguém que apareceu na primeira jogada extática como o em face de, como physei ón, como um zoon. Isso é importante: lançar para fora e fundar a essência do homem no estranhamento do aberto. Agora pela primeira vez se inicia a história do ser e a história do homem. E o ente? Ele não chega mais à sua VERDADE em um retorno, mas? Como o resguardo do estrangeiro, e o estrangeiro traz a si mesmo ao encontro do acontecimento da apropriação e deixa se encontrar nele o deus. O jogar para fora nunca acontece de maneira exitosa a partir do mero impulso e do desenraizamento do homem. Esse lance é jogado na vibração do acontecimento da apropriação. Isso significa: o ser toca o homem e o volta para a transformação, para a primeira conquista, para a longa perda de sua essência. Essa mensuração da errância essencial como história do homem independente de toda historiologia. E se os deuses afundam no não outorgado da recusa do seer. [tr. Casanova ; GA65 : 263]
Em geral, o realçar dessa “diferenciação” só pode dizer algo de maneira pensante, se ela emergir desde o início da questão acerca do “sentido do seer”, isto é, acerca da sua VERDADE; e se essa questão não for concebida como uma questão qualquer, mas se ela for questionada como a questão que decide historicamente a metafísica e que decide sobre a metafísica e seu questionar, ou seja, se o seer mesmo se transformar em indigência, uma indigência que afina pela primeira vez uma vez mais por si em sua determinação o “pensar” que lhe é pertinente. [tr. Casanova ; GA65 : 266]
Acontecimento apropriador é: 1) O acontecimento da apropriação, o fato de que, na urgência, a partir da qual os deuses necessitam do seer, o seer com-pele o ser-aí à fundação de sua própria VERDADE e, assim, deixa o entre se essenciar, o acontecimento da apropriação do ser-aí por meio dos deuses e a apropriação dos deuses para eles mesmos em relação ao acontecimento apropriador. 2) O acontecimento apropriador do acontecimento da apropriação encerra em si a de-cisão: o fato de a liberdade como o fundamento abissal deixar surgir uma indigência, a partir da qual, como o impulso excessivo do fundamento, os deuses e o homem vêm à tona em sua separação. 3) O acontecimento da apropriação como de-cisão traz os cindidos para a contra-posição: para o fato de que esse um em relação ao outro da mais ampla e urgente decisão precisa se encontrar na mais extrema “oposição”, porque ele transpassa o a-bismo do seer usado. 4) A contra-posição é a origem da contenda, que se essencia, na medida em que ela desloca o ente de sua perdição para o interior da mera entidade. O des-locamento caracteriza o acontecimento apropriador em sua ligação com o ente enquanto tal. O acontecimento da apropriação do ser-aí deixa tal ente se tornar insistente no inabitual em face de todo e qualquer ente. 5) O des-locamento, porém, é, concebido a partir da clareira do aí, ao mesmo tempo a re-tração do acontecimento apropriador; o fato de ele se retrair em relação a todo cálculo representacional e se essenciar como recusa. 6) Por mais ricamente e sem imagem que o seer se essencie, ele se baseia de qualquer modo nele mesmo e em sua simplicidade. Com certeza, o caráter do entre (entre os deuses e o homem) poderia induzir em erro e levar a que tomássemos o seer como mera ligação e como consequência e resultado da ligação com o ligado. Mas o acontecimento apropriador é, sim, de qualquer modo, se já a caracterização é ainda possível, esse ligar, que traz os ligados pela primeira vez para si mesmos, para colocar no aberto dos decididos em contra-posição sua urgência e guarda, que eles não assumem pela primeira vez como propriedade, mas a partir dos quais, ao contrário, eles haurem sua essência. O seer é indigência dos deuses e, como essa indigência compelidora do ser-aí, ele é mais abissal do que tudo aquilo que pode se chamar de sendo e não se deixa mais denominar por meio do seer. O seer é usado, a urgência dos deuses, e, contudo, ele não pode ser deduzido a partir deles, mas é precisamente de maneira inversa superior a eles, na a-bissalidade de sua essência como fundamento. O seer se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento e, no entanto, não possui a sua origem. Imediatamente, o entre se essencia como o fundamento dos contra-postos nele. Isso determina a sua simplicidade, que não se mostra como vazio, mas como o fundamento da plenitude, que emerge da contra-posição como contenda. 7) O simples do seer tem em si a cunhagem da unicidade. Essa não carece de modo algum do destaque e das diferenças, nem mesmo da diferença em relação ao ente. Pois essa diferença só é exigida, se o ser mesmo for marcado como uma espécie de ente e, com isso, não for nunca preservado como o único, mas sim vulgarizado e transformado no que há de mais universal. 8) A unicidade do seer fundamenta a sua solidão, de acordo com a qual ele lança unicamente em torno de si o nada, cuja vizinhança permanece sendo a mais autêntica e cuja solidão é resguardada da maneira mais fiel possível. De acordo com ela, o seer só se essencia constantemente de maneira mediatizada por meio da contenda de mundo e terra em relação ao “ente”. Em nenhuma dessas denominações a essência do seer deve ser pensada e, de qualquer modo, ele é pensado “completamente” em cada uma delas; “completamente” significa aqui: a cada vez, o pensar “do” seer é arrancado pelo seer mesmo e trazido para o interior de sua inabitualidade e priva de todos os auxílios buscados em explicações do ente. [tr. Casanova ; GA65 : 267]
A plena essenciação do seer na VERDADE do acontecimento apropriador nos deixa reconhecer que o seer e apenas o seer é e que o ente não é. Com esse saber acerca do seer, o pensar alcança pela primeira vez o rastro do outro início na transição a partir da metafísica. Para esta é válido dizer: o ente é e o não-ente “é” também e o seer é o ente maximamente essente. [tr. Casanova ; GA65 : 267]
O seer não nos lembra de “nada”, e, por isso, o nada pertence ao seer. Sabemos muito pouco desse pertencimento. Todavia, conhecemos uma de suas consequências, que talvez só seja aparentemente superficial, tal como ela se apresenta: nós nos intimidamos e talvez abominemos o “nada”, achando que precisamos nos empenhar incessantemente por tal condenação, porque o nada é pura e simplesmente algo nulo. O que acontece, porém, se o fundamento propriamente dito da fuga diante do nada (mal interpretado) não for a vontade de sim e do “ente”, mas a fuga diante do caráter inabitual do ser; de tal modo que, no comportamento habitual em relação ao nada, só estaria escamoteado o comportamento habitual em relação ao seer e o desvio diante da ousadia daquela VERDADE, na qual todos os “ideais”, “estabelecimentos de metas”, “desejabilidades” e “resignações” são frustradas como pequenas e supérfluas? [tr. Casanova ; GA65 : 269]
O des-locamento consiste no acontecimento da apropriação do ser-aí; e isso de tal modo, com efeito, que no aí que se clareia (no a-bismo do que não possui apoio nem proteção) o acontecimento da apropriação se subtrai. Des-locamento e retração se ligam ao seer enquanto acontecimento apropriador. Neste caso, não acontece nada no interior do ente, o seer permanece inaparente, mas pode acontecer com o ente enquanto tal de ele, voltado para a clareira do in-habitual, lançar por terra seu caráter habitual e precisar se colocar em relação à de-cisão sobre como ele satisfaz ao seer. Isso não significa, porém, dizer como é que ele se ajustaria e corresponderia ao seer, mas como ele, o ente, resguarda e perde a VERDADE da essenciação do seer, chegando aí à sua própria essência, que consiste em tal resguardo. As formas fundamentais desse resguardo, contudo, são a abertura de uma totalidade do mundo (mundo) e o fechar-se diante de todo projeto (terra). Essas formas fundamentais só deixam emergir o resguardo e são elas mesmas na contenda, que se essencia a partir da intimidade do acontecimento da apropriação do acontecimento apropriador. Sempre a cada vez em cada um dos lados dessa contenda se encontra aquilo que nós conhecemos metafisicamente como o sensível e o não sensível. Por que, contudo, precisamente essa contenda entre mundo e terra? Porque, no acontecimento apropriador, o ser-aí acontece de maneira apropriadora e se transforma na jurisdicionalidade do homem, porque o homem é chamado para a guarda do seer a partir da totalidade do ente. Como, porém, o elemento querelante, a partir do qual nós temos de pensar em termos da história do seer o homem e seu “corpo”, a “alma” e o “espírito”? [tr. Casanova ; GA65 : 269]
Preservação do seer (preservação em termos da história dotada do caráter do acontecimento apropriador). Por quê? Para chegarem à VERDADE no ente, os deuses são inteiramente afinados por si tanto quanto o seer vai se apagando, sem se extinguir. Mas o perigo. O ente “na totalidade”? A “totalidade” ainda tem agora uma necessidade? Ela não se decompõe como o derradeiro resto do pensar “sistemático”? O quão velho é na história do ser o holon? Tão velho quanto o hen? (O primeiro conceito, por meio do qual a physis é reunida na constância da presentação.) [tr. Casanova ; GA65 : 275]
Se levarmos em consideração o fato de que “a” linguagem em geral nunca é, mas que a linguagem só pode ser como a-histórica (“linguagem” dos assim chamados povos naturais) e como histórica, então mensuraremos para além daí o quão obscura permanece para nós a essência da história, apesar da compreensibilidade da historiologia; então, todas as tentativas de apreender a “essência” da linguagem parecerão se confundir imediatamente no começo do caminho; e toda reunião historiológica de pontos de vista até aqui sobre a linguagem pode até ser instrutiva, mas ela nunca consegue nos lançar para além do campo de ligação metafisicamente fixado da linguagem com o homem e com o ente. Isso, porém, já se mostra de qualquer modo como a primeira questão: saber se, então, com a interpretação histórica e até mesmo inicialmente necessária da linguagem a partir do logos e com a inserção assim prelineada no campo de ligação metafísico, a possibilidade da determinação essencial da linguagem não teria sido restrita ao espaço de meditação da metafísica. Se, então, porém, a metafísica mesma e seu questionamento em sua restrição essencial à questão acerca da entidade são reconhecidos e se se consegue alcançar a intelecção de que, em meio a essa questão metafísica acerca do ente na totalidade, nem tudo e precisamente o mais essencial dentre tudo o que é ainda não pôde ser de modo algum interrogado, a saber, o seer mesmo e sua VERDADE, então se abre aqui uma outra perspectiva: o seer e nada menos do que a sua essenciação mais própria poderia até mesmo constituir aquele fundamento da linguagem, a partir do qual ela criou o caráter apropriado de determinar pela primeira vez por si mesma aquilo, em relação ao que ela é explicada metafisicamente. [tr. Casanova ; GA65 : 276]
Não a partir da “religião”; não como algo presente à vista; não como saída de emergência do homem, mas a partir do seer, mas como sua decisão, futuramente na unicidade do último. Por que precisamos ousar essa decisão? Porque, com isso, a necessidade do seer é alçada ao nível da mais elevada questionabilidade e a liberdade do homem, segundo a qual ele pode estabelecer o preenchimento de sua essência no que há de mais profundo, é precipitada na a-bissalidade porque, assim, o ser é trazido para a VERDADE da mais simples intimidade do acontecimento de sua apropriação. E o que “é” então? Então essa questão se torna pela primeira vez impossível; então, por um instante, o acontecimento da apropriação se mostra como acontecimento apropriador. Esse instante é o tempo do ser. [tr. Casanova ; GA65 : 279]