unidade ekstática

Na enumeração das ekstases, colocamos sempre em primeiro lugar o porvir. É para indicar que, na UNIDADE EKSTÁTICA da temporalidade originária e própria, o porvir possui uma primazia, embora a temporalidade não surja de um amontoado e de uma sequência de ekstases, temporalizando-se, cada vez, na igualdade originária de cada uma delas. Dentro da temporalidade, porém, os modos de temporalização são diversos. E a diversidade consiste em que a temporalização pode determinar-se primariamente a partir das diferentes ekstases. A temporalidade originária e própria temporaliza-se a partir do porvir em sentido próprio, de tal modo que só porvindouramente sendo o ter-sido é que ela desperta a atualidade. O porvir é o fenômeno primário da temporalidade originária e própria. De acordo com a primazia do porvir, a temporalização modificada ainda há de se transformar, apesar de aparecer no “tempo” derivado. STMSC: §65

O compreender impróprio temporaliza-se como um aguardar atualizante a cuja UNIDADE EKSTÁTICA pertence necessariamente um vigor de ter sido, que lhe corresponde. Em sentido próprio, o vira-si da decisão antecipadora é, conjuntamente, um voltar para o si-mesmo mais próprio, lançado em sua singularidade. Esta ekstase possibilita que a presença [Dasein] tenha condições de, decididamente, assumir o ente que ela já é. No antecipar, a presença [Dasein] se retoma previamente em seu poder-ser mais próprio. Chamamos de retomada o ser de maneira própria o ter sido. O projetar-se impróprio nas possibilidades hauridas e atualizantes nas ocupações só se torna possível caso a presença [Dasein] tenha esquecido a si, em seu poder-ser lançado mais próprio. Esse esquecer não é um nada negativo, nem simplesmente a falta de recordação, mas um modo próprio, “positivo” e ekstático do vigor de ter sido. A ekstase (retração) do esquecer tem o caráter de uma extração, fechada para si mesma, do vigor de ter sido em sentido mais próprio, de tal maneira que esse extrair-se de… fecha, ekstaticamente, aquilo de que se extrai e, com isso, a si mesmo. No sentido impróprio do vigor de ter sido, o esquecimento refere-se ao próprio ser e estar lançado; o esquecimento é o sentido temporal do modo de ser em que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, eu, tendo sido, sou. E somente com base nesse esquecimento é que a atualização que aguarda as ocupações pode reter e guardar o ente, não dotado do caráter de presença [Dasein], que vem ao encontro no mundo circundante. A esse reter corresponde um não-reter que apresenta, por sua vez, um “esquecer” em sentido derivado. STMSC: §68

Assim como a espera só é possível com base no aguardar, também a recordação só é possível com base no esquecer e não o contrário; pois, no modo do esquecimento, o vigor de ter sido “abre”, primariamente, o horizonte em que a presença [Dasein], perdida na “exterioridade” das ocupações, pode recordar-se. O aguardar que atualiza e esquece é uma UNIDADE EKSTÁTICA própria onde a compreensão imprópria se temporaliza em sua temporalidade. A unidade destas ekstases fecha o poder-ser próprio sendo, com isso, a condição existencial de possibilidade da indecisão. Embora o compreender impróprio das ocupações se determine pela atualização daquilo de que se ocupa, é primariamente no porvir que o compreender se temporaliza. STMSC: §68

O compreender nunca se dá solto no ar, mas está sempre numa disposição. Na afinação do humor, o “pre” [das Da] sempre se abre e fecha de modo igualmente originário. A afinação do humor coloca a presença [Dasein] diante (vor) de seu estar-lançado de tal maneira que o estar-lançado não é reconhecido como tal, abrindo-se, bem mais originariamente, no “como se está”. Existencialmente, ser e estar-lançado significa: dispor-se deste ou daquele modo. A disposição funda-se, portanto, no estar-lançado. O humor representa o modo em que sempre eu sou primariamente o ente-lançado. Como se torna visível a constituição temporal da afinação do humor? Como se mostra o nexo existencial entre a disposição e o compreender a partir da UNIDADE EKSTÁTICA de cada temporalidade? STMSC: §68

A UNIDADE EKSTÁTICA específica que, do ponto de vista existencial, possibilita o ter medo temporaliza-se, primariamente, a partir do esquecimento acima caracterizado que, enquanto modo do vigor de ter sido, lhe modifica tanto a atualidade quanto o porvir, em sua temporalização. A temporalidade do medo é um esquecer que aguarda e atualiza. Orientada para o que vem ao encontro dentro do mundo, a interpretação que compreende o medo busca, de início, o seu referente no “mal que está vindo” e determina, correspondentemente, como espera a relação que com ele estabelece. Tudo o que, além disso, pertence ao fenômeno fica sendo um “sentimento de prazer e desprazer”. STMSC: §68

A curiosidade é uma tendência ontológica privilegiada da presença [Dasein], segundo a qual ela se ocupa de um poder-ver. Tanto o “ver” quanto o conceito de visão não se restringem à percepção propiciada pelos “olhos do corpo”. Em sentido amplo, a percepção deixa vir ao encontro “corporalmente” em si mesmos o que está à mão e o ser simplesmente dado, no tocante ao seu aspecto. Esse deixar vir ao encontro funda-se numa atualidade. A atualidade fornece o horizonte ekstático no qual o ente pode ser corporalmente vigente. Entretanto, a curiosidade não atualiza o ser simplesmente dado a fim de, nele demorando-se, compreendê-lo. Ela busca ver apenas para ver e ter visto. Enquanto esta atualização presa em si mesma ao ser simplesmente dado, a curiosidade está numa UNIDADE EKSTÁTICA com um porvir e um vigor de ter sido correspondentes. A avidez do novo move-se, sem dúvida, em direção ao ainda-não-visto mas de tal maneira que a atualização tenta escapar do aguardar. A curiosidade é toda ela impropriamente porvindoura e isto a tal ponto que ela não aguarda uma possibilidade mas, em sua avidez, só cobiça a possibilidade como algo real. A curiosidade constitui-se de uma atualização que não se sustenta e, apenas atualizando, procura constantemente fugir do aguardar em que a atualização se “mantém” e se resguarda, embora insustentada. A atualidade “surge” da correspondente atualização que lhe pertence, no sentido mencionado de fuga. Mas a atualização em que “surge” a curiosidade se entrega tão pouco à “coisa” que, ao conquistar uma visão, já deixa de ver para ver a próxima. Do ponto de vista ontológico, o que possibilita o não demorar-se, característico da curiosidade, é a atualização que constantemente “surge” no aguardar a uma possibilidade apreendida e determinada. A atualização não “surge” do aguardar no sentido de que ela estaria onticamente desligada do aguardar para a ele se abandonar. O “surgir” é uma modificação ekstática do aguardar, de tal maneira que o aguardar ressurge da atualização. O aguardar abdica, por assim dizer, de si mesmo em não mais deixando que venham a si possibilidades impróprias da ocupação a partir daquilo de que se ocupa, à exceção daquelas que se oferecem para uma atualização que não se sustenta. A modificação ekstática do aguardar mediante a atualização que surge numa atualização que ressurge é a condição temporal e existencial da possibilidade de dispersão. STMSC: §68

Assim como os demais fenômenos temporais da linguagem: “modos de ação ou aspectos” e “graus de tempo”, os tempos não surgem porque a fala “também” se pronuncia a respeito de processos “temporais”, isto é, que vêm ao encontro “no tempo”. Seu fundamento também não reside em que o falar transcorre “num tempo psíquico”. Como toda fala sobre…, de… e para… funda-se na UNIDADE EKSTÁTICA da temporalidade, a fala é, em si mesma, temporal. Os modos de ação ou aspectos estão enraizados na temporalidade originária da ocupação, quer esta se relacione ou não com o intratemporal. Com a ajuda do conceito vulgar e tradicional do tempo, de que se vale forçosamente a ciência linguística, nunca se pode colocar o problema da estrutura existencial e temporal dos modos de ação ou aspectos. Porque, no entanto, toda fala é sempre um falar sobre entes, mesmo que, primária e predominantemente, não tenha o sentido de enunciado teórico, a análise da constituição temporal da fala e a explicação dos caracteres temporais das estruturas linguísticas só podem ser abordadas em se desenvolvendo o problema do nexo fundamental entre ser e verdade, com base na problemática da temporalidade. Pois, com isso, também se poderá delimitar o sentido ontológico do “é”, que uma teoria artificial da proposição e do juízo desfigurou, reduzindo-o à “cópula”. O “aparecimento” do “significado” e a possibilidade de uma elaboração conceitual só podem se esclarecer e compreender, ontologicamente, com base na temporalidade da fala, isto é, da presença [Dasein] em geral. STMSC: §68

O compreender funda-se, primariamente, no porvir (antecipar e aguardar). A disposição temporaliza-se, primariamente, no vigor de ter sido (retomada e esquecimento). A decadência enraíza-se, primária e temporalmente, na atualidade (atualização e instante). Não obstante, a compreensão é sempre atualidade “do vigor de ter sido”. Não obstante, a disposição se temporaliza num porvir “atualizante”. Não obstante, a atualidade “surge” ou se sustenta num porvir do vigor de ter sido. Assim, fica claro que: a temporalidade se temporaliza totalmente em cada ekstase, ou seja, a totalidade do todo estrutural de existência, facticidade e decadência funda-se na UNIDADE EKSTÁTICA de cada temporalização plena da temporalidade. Esta é a unidade estrutural da cura. STMSC: §68

A UNIDADE EKSTÁTICA da temporalidade, isto é, a unidade do “fora de si” nas retrações de porvir, vigor de ter sido e atualidade é a condição de possibilidade para que um ente possa existir como o seu “pre” [das Da]. O ente que carrega o título de presença [Dasein] É “iluminado”. A luz que constitui a luminosidade da presença [Dasein] não é uma força ou fonte ôntica simplesmente dada de uma clareza cintilante que, por vezes, ocorre neste ente. Antes de toda interpretação “temporal”, determinou-se como cura o que ilumina essencialmente esse ente, isto é, aquilo que o torna “aberto” e também “claro” para si mesmo. É na cura que se funda toda abertura do pre [das Da]. E é esta luminosidade que possibilita toda iluminação e esclarecimento, toda percepção, “visão” e posse de alguma coisa. A luz desta luminosidade só pode ser compreendida quando, ao invés de sairmos à busca de uma força simplesmente dada e implantada, questionarmos toda a constituição ontológica da presença [Dasein], ou seja, a cura, quanto ao fundamento unificador de sua possibilidade existencial. A temporalidade ekstática ilumina originariamente o pre [das Da]. Ela é o regulador primordial da unidade possível de todas as estruturas essencialmente existenciais da presença [Dasein]. STMSC: §69

Já no mais simples manuseio de um instrumento opera o deixar e fazer em conjunto. O seu estar junto possui o caráter de para quê (Wozu); é considerando o para quê que o instrumento é e pode ser empregado. Compreender o para quê, ou seja, o estar junto da conjuntura, tem a estrutura temporal do aguardar. É somente aguardando o para quê que a ocupação pode retornar para alguma coisa junto à qual estabelece uma conjuntura. Em sua UNIDADE EKSTÁTICA, o aguardar do estar junto, simultaneamente com o reter do estar com da conjuntura, possibilita a atualização específica de um manejo do instrumento. STMSC: §69

Algo que não pode ser empregado como, por exemplo, a falha de uma determinada ferramenta, só pode vir a surpreender num e para um manuseio. Mesmo a “percepção” e a “representação” mais detida e precisa de coisas não é capaz de descobrir o dano de uma ferramenta. É preciso que o próprio afazer se veja perturbado para que possa vir ao encontro algo que não pode ser manuseado. Todavia, o que isto significa ontologicamente? No tocante a seu empenho nas remissões de um conjunto, a atualização que aguarda e retém se interrompe pelo que, posteriormente, se apresenta como dano. A atualização que, de modo igualmente originário, aguarda o para quê se fixa com o instrumento usado de tal maneira que, somente então, o para quê e o ser-para vêm, explicitamente, ao encontro. A própria atualização, porém, só pode encontrar algo inapropriado para… na medida em que já se movimenta num reter que aguarda aquilo com que estabelece sua conjuntura. Dizer que a atualização se “interrompe” significa: na unidade com o aguardar que retém, ela se desloca ainda mais para dentro de si mesma, constituindo, assim, o “teste”, a prova e o afastamento do distúrbio. Se o modo de lidar da ocupação fosse meramente uma sequência de “vivências” que transcorrem “no tempo”, por mais “associadas” que fossem, do ponto de vista ontológico, seria impossível um encontro do instrumento que surpreende por não poder ser empregado. O deixar e fazer em conjunto que, no modo de lidar, torna acessíveis quaisquer nexos instrumentais, deve, como tal, fundar-se na UNIDADE EKSTÁTICA da atualização que aguarda e retém. STMSC: §69

A atualização, guiada pela circunvisão, é, no entanto, um fenômeno de múltiplos fundamentos. De início, ela sempre pertence a uma UNIDADE EKSTÁTICA plena da temporalidade. Seu fundamento é reter o nexo instrumental. Ocupando-se deste, a presença [Dasein] aguarda uma possibilidade. O que já se abriu, nesse reter que aguarda, coloca mais perto a atualização ou o tornar atual reflexivos. No entanto, para que a reflexão possa mover-se no esquema do “se-então”, é preciso que a ocupação já compreenda, “numa supervisão”, o nexo da conjuntura. Aquilo que é interpelado como o “se” já deve ser compreendido como isto ou aquilo. Para tanto, é necessário que a compreensão do instrumento se exprima numa predicação. O esquema “algo como algo” já está prelineado na estrutura do compreender pré-predicativo. A estrutura-como funda-se, ontologicamente, na temporalidade do compreender. Aguardando uma possibilidade, ou seja, aqui, aguardando um para quê, a presença [Dasein] volta a um ser para isso, o que significa: a presença [Dasein] retém um manual. Somente por isso é que, a partir do que foi retido, a atualização inerente a esse reter que aguarda pode, inversamente, colocá-lo, de modo explícito, mais perto em sua referencialidade ao para quê. No esquema da atualização, a reflexão aproximadora deve adequar-se ao modo de ser daquilo que deve ser aproximado. Pela reflexão, o caráter de conjuntura do que está à mão não é descoberto mas apenas aproximado, de tal maneira que a reflexão faz ver como tal, numa circunvisão, aquilo junto com o que algo está em conjunto. STMSC: §69

O enraizamento da atualidade no porvir e no vigor de ter sido é a condição existencial e temporal de possibilidade para que aquilo que se projetou no compreender da compreensão, guiada por uma circunvisão, possa ser colocado mais perto numa atualização. E isto de tal forma que a atualidade se adéque ao que vem ao encontro no horizonte do reter que aguarda, ou seja, se deva interpretar segundo o esquema da estrutura-como. Com isso, responde-se à questão anteriormente colocada se a estrutura-como estabelece um nexo ontológico-existencial com o fenômeno do projeto. Da mesma maneira que o compreender e o interpretar em geral, o “como” funda-se na UNIDADE EKSTÁTICA e horizontal da temporalidade. Com a análise fundamental do ser, e esta no contexto da interpretação do “é”, que, como cópula, “exprime” o dizer de algo como algo, devemos tematizar mais uma vez o fenômeno do como e delimitar, existencialmente, o conceito de “esquema”. STMSC: §69

Determinamos o ser da presença [Dasein] como cura. Seu sentido ontológico é a temporalidade. Mostrou-se tanto que e como ela constitui a abertura do pre [das Da]. Na abertura do pre [das Da], abre-se conjuntamente o mundo. A unidade da significância, isto é, a constituição ontológica de mundo, também deve fundar-se, portanto, na temporalidade. A condição existencial e temporal da possibilidade de mundo reside em que a temporalidade, enquanto UNIDADE EKSTÁTICA, possui um horizonte. As ekstases não são simplesmente retrações para… A ekstase pertence, sobretudo, um “para onde” ela se retrai. Chamamos de esquema horizontal esse para onde da ekstase. O horizonte ekstático é diferente em cada uma das três ekstases. O esquema em que a presença [Dasein] vem a si no porvir, quer de modo próprio ou impróprio, é o estar em virtude de si. Apreendemos como o diante de que (Wovor) do estar-lançado e o para o que (Woran) do estar-entregue o esquema em que a presença [Dasein], lançada na disposição, abriu-se para si mesma. Este esquema caracteriza a estrutura horizontal do vigor de ter sido. Lançada e existindo em virtude de si na entrega a si mesma, a presença [Dasein], na condição de ser e estar junto a…, é, ao mesmo tempo, atualizante. É o ser-para que determina o esquema horizontal da atualidade. STMSC: §69

A unidade dos esquemas horizontais de porvir, vigor de ter sido e atualidade funda-se na UNIDADE EKSTÁTICA da temporalidade. O horizonte de toda a temporalidade determina aquilo na perspectiva de que o ente, existindo faticamente, se abre de modo essencial. Com a presença [Dasein] fática, um poder-ser está sempre lançado no horizonte do porvir, o “já-ser” está sempre aberto no horizonte do vigor de ter sido, e aquilo de que se ocupa já está sempre descoberto no horizonte da atualidade. É a unidade horizontal dos esquemas das ekstases que possibilita o nexo originário entre as remissões de ser-para e de ser em virtude de. Isto implica que: com base na constituição horizontal da UNIDADE EKSTÁTICA da temporalidade, algo como um mundo aberto pertence ao ente que, cada vez, é o seu pre [das Da]. STMSC: §69

Ao se reconduzir o ser-no-mundo para a UNIDADE EKSTÁTICA e horizontal da temporalidade, pode-se compreender a possibilidade ontológico-existencial desta constituição fundamental da presença [Dasein]. Também se esclarece que só é possível elaborar, concretamente, a estrutura de mundo e de suas possíveis derivações se a ontologia dos possíveis entes intramundanos se orientar, com segurança e suficiência, por uma ideia esclarecida de ser em geral. A possibilidade de interpretação desta ideia exige uma exposição preliminar da temporalidade da presença [Dasein], a serviço da qual se acha a presente caracterização do ser-no-mundo. STMSC: §69

A partir dessa análise provisória do instrumento simplesmente dado e que, não obstante, é algo “passado” e pertencente à história, torna-se claro que esse ente só é histórico com base em sua pertinência ao mundo. O mundo, no entanto, possui o modo de ser histórico porque constitui uma determinação ontológica da presença [Dasein]. Além disso, mostra-se que a determinação temporal de “passado” não tem um sentido unívoco, distinguindo-se, claramente, do vigor de ter sido, que aprendemos ser um constitutivo da UNIDADE EKSTÁTICA da temporalidade da presença [Dasein]. Com isso, acirra-se o enigma, por que justamente o “passado”, mais precisamente, o vigor de ter sido, determina prevalentemente o histórico, já que o vigor de ter sido se temporaliza, de modo igualmente originário, junto com a atualidade e o porvir. STMSC: §73

Histórica, a presença [Dasein] apenas é possível com base na temporalidade. Esta se temporaliza na UNIDADE EKSTÁTICA e horizontal de suas retrações. A presença [Dasein] existe propriamente como porvir na abertura decidida de uma possibilidade escolhida. Voltando a si numa decisão, ela se abre em retomadas para as possibilidades “monumentais” da existência humana. A historiografia que surge de tal historicidade é “monumental”. Enquanto vigor de ter sido, a presença [Dasein] é e está entregue à responsabilidade de seu estar-lançado. Ao se apropriar do possível nas retomadas, também se prelineia a possibilidade de se venerar a existência que vigora por ter sido presença [Dasein], preservada e revelada na possibilidade assumida. Monumental, a historiografia própria é, por isso, “antiquária”. A presença [Dasein] se temporaliza como atualidade na unidade do porvir e do vigor de ter sido. A atualidade abre, como instante, o hoje em sentido próprio. Interpretando o instante a partir da compreensão porvindoura nas retomadas de uma possibilidade de existência assumida, a historiografia própria desatualiza o hoje, isto é, separa-se, com sofrimento, do público e decadente do hoje. Em sentido próprio, a historiografia monumental e antiquária é, necessariamente, uma crítica do “presente” [Gegenwart]. A historicidade própria é o fundamento da unidade possível das três essências da historiografia. O solo em que se funda a historiografia própria é, no entanto, a temporalidade enquanto sentido ontológico e existencial da cura. STMSC: §76

De que maneira o “tempo” se temporaliza numa primeira aproximação para a ocupação cotidiana, guiada por uma circunvisão? Em que modo de lidar da ocupação no uso de instrumentos o tempo se torna expressamente acessível? O tempo se torna público com a abertura de mundo e já é sempre ocupado com a descoberta de entes intramundanos, inerente à abertura de mundo. Isso se dá na medida em que a presença [Dasein], contando o tempo, conta consigo mesma. Por isso é no uso do relógio que reside o comportamento em que se é orientado, de forma explícita, pelo tempo. O seu sentido existencial e temporal comprova-se como uma atualização do ponteiro que anda. Contar é seguir, atualizando, as posições do ponteiro. Essa atualização se temporaliza na UNIDADE EKSTÁTICA de um reter que aguarda. Reter o “outrora” numa atualização significa: dizendo-agora, ser e estar aberto para o horizonte do anterior, ou seja, do agora-não-mais. Aguardar o “então” numa atualização significa: dizendo-agora, estar aberto para o horizonte do posterior, ou seja, do agora-ainda-não. O que se mostra nessa atualização é o tempo. Como se define, portanto, o tempo revelado no uso do relógio próprio das ocupações, guiadas por uma circunvisão que toma tempo? O tempo é o que é contado na sequência atualizante de contagem do ponteiro no mostrador de suas variações. E isso de tal maneira que a atualização se temporaliza na UNIDADE EKSTÁTICA de reter e aguardar, abertos horizontalmente segundo o anterior e o posterior. Esta nada mais é do que a interpretação ontológico-existencial da definição do tempo, dada por Aristóteles: [citação em grego de Física IV 11, 219 b 15: O tempo é isso, a saber, o que é contado no movimento que se dá ao encontro no horizonte do anterior e do posterior]. Por mais que, à primeira vista, essa definição possa parecer estranha, ao se delimitar o horizonte ontológico-existencial do qual Aristóteles a retira, ela se mostra por si mesma “evidente” e autenticamente haurida. Para Aristóteles, a origem do tempo assim revelado não constitui problema. Sua interpretação do tempo movimenta-se, sobretudo, na direção da compreensão “natural” de ser. Mas como esta compreensão e o ser nela compreendido tornam-se um problema de princípio para a presente investigação, a análise aristotélica do tempo só poderá ser tematicamente interpretada, após se resolver a questão do ser. E isso de maneira que ela conquiste um significado de princípio para a apropriação positiva do questionamento crítico e delimitado da antiga ontologia. STMSC: §81

A sequência de agora é ininterrupta e sem lacunas. Por “mais” que dividamos o agora em “partes”, ele sempre ainda é agora. A permanência do tempo é vista no horizonte de algo simplesmente dado e indissolúvel. É orientando-se ontologicamente por um ser simplesmente dado insistente que se busca resolver o problema da continuidade do tempo ou que se deixa subsistir a aporia. Assim deve ficar encoberta a estrutura específica do tempo do mundo, uma vez que ela se estica num lapso de tempo, junto com a possibilidade de datação, ekstaticamente fundada. Não é a partir da ex-tensão, horizontal da UNIDADE EKSTÁTICA da temporalidade, publicada na ocupação do tempo, que se compreende o esticar-se num lapso de tempo. Que todo agora, mesmo o mais momentâneo, sempre já é agora, deve ser concebido a partir do ainda “anterior”, de onde brota todo agora: a partir da ex-tensão ekstática da temporalidade, estranha a qualquer continuidade dos entes simplesmente dados, mas que, por sua vez, constitui a condição de possibilidade para o acesso a uma constância do que é simplesmente dado. STMSC: §81

A temporalidade ekstática e horizontal temporaliza-se, primordialmente, a partir do porvir. A compreensão vulgar do tempo, ao contrário, vê o fenômeno fundamental do tempo no agora e no puro agora que, moldado em toda sua estrutura, se costuma chamar de “presente” [Gegenwart]. Daí se pode depreender que, em princípio, deve ficar fora de qualquer possibilidade esclarecer e, sobretudo, derivar desse agora o fenômeno ekstático e horizontal do instante que pertence à temporalidade própria. De modo correspondente, não se confundem o porvir ekstático, o “então” datável da significância e o conceito vulgar de futuro, no sentido de simples agora que ainda não advieram e que estão em advento. Tampouco coincidem o vigor de ter sido, ekstaticamente compreendido, o “outrora” datável da significância e o conceito de passado, no sentido dos puros agora passados. O agora já não fica grávido do agora-ainda-não. Ao contrário, a atualidade surge do porvir na UNIDADE EKSTÁTICA e originária de temporalização da temporalidade. STMSC: §81