Uma época pós-narrativa (Byung-Chul Han)

Atualmente, fala-se muito em narrativas. Paradoxalmente, o uso inflacionário de narrativas revela uma crise narrativa. Em meio a um barulhento storytelling, há um vácuo narrativo que se manifesta como um vazio de sentido e como desorientação. Nem o storytelling nem a guinada narrativa serão capazes de ocasionar o retorno da narração. A tematização específica de um objeto e sua transformação em um objeto de pesquisa popular pressupõe uma profunda alienação. O forte apelo às narrativas aponta para sua disfunção.

Quando as narrações nos ancoravam no ser, ou seja, quando nos atribuíam um lugar e transformavam o ser-no-mundo em um estar-em-casa, dando à vida significado, apoio e orientação, isto é, quando a própria vida era um narrar, não se falava em storytelling ou em narrativas. Esses conceitos são usados de modo inflacionário justamente quando as narrativas já perderam sua força originária, sua gravitação, seu mistério, e mesmo sua magia. Quando sua construção é percebida, elas perdem seu momento interno de verdade. Elas próprias são percebidas como contingentes, como substituíveis e mutáveis. Não são mais vinculantes ou unificadoras. Não mais nos ancoram no ser. Apesar do atual alarde sobre as narrativas, vivemos em uma época pós-narrativa. A consciência narrativa, que emana da constituição supostamente narrativa do cérebro humano, só é possível em uma época pós-narrativa, uma época estranha ao poder de vinculação característico da narrativa.

[BYUNG-CHUL HAN. A crise da narração. Daniel Guilhermino. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2023]