transparência

Durchsicht, Durchsichtigkeit

Deve-se colocar a questão do sentido de ser. Tratando-se de uma ou até da questão fundamental, seu questionamento precisa, portanto, adquirir a devida TRANSPARÊNCIA [Durchsichtigkeit]. Daí a necessidade de se discutir brevemente o que pertence a uma questão para, a partir daí, poder-se mostrar a questão do ser como uma questão privilegiada. STMSC: §2

Caso a questão do ser deva ser colocada explicitamente e desdobrada em toda a sua TRANSPARÊNCIA [Durchsichtigkeit], a sua elaboração exige, de acordo com as explicações feitas até aqui, a explicitação da maneira de se visualizar o ser, de se compreender e apreender conceitualmente o sentido, a preparação da possibilidade de uma escolha correta do ente exemplar, a elaboração do modo genuíno de acesso a esse ente. Visualizar, compreender, escolher, aceder são atitudes constitutivas do questionar e, ao mesmo tempo, modos de ser de um determinado ente, daquele ente que nós mesmos, os que questionam, sempre somos. Elaborar a questão do ser significa, portanto, tornar transparente um ente – que questiona – em seu ser. Como modo de ser de um ente, o questionar dessa questão se acha essencialmente determinado pelo que nela se questiona – pelo ser {CH: pre-sença [Da-sein]: enquanto se acha guardada no nada do ser, enquanto mantida em relação (Verhältnis)}. Designamos com o termo presença [Dasein] esse ente que cada um de nós mesmos sempre somos e que, entre outras coisas, possui em seu ser a possibilidade de questionar. A colocação explícita e transparente da questão sobre o sentido do ser requer uma explicação prévia e adequada de um ente (da presença [Dasein]) no tocante a seu ser {CH: mas o sentido de ser não é derivado desse ente}. STMSC: §2

A investigação ontológica que se compreende corretamente confere à questão do ser um primado ontológico que vai muito além de simplesmente reassumir uma tradição veneranda e um problema até agora sem TRANSPARÊNCIA [undurchsichtigen]. Mas o primado objetivo-científico não é o único. STMSC: §3

A presença [Dasein] sempre se compreende a si mesma a partir de sua existência, de uma possibilidade própria de ser ou não ser ela mesma. Essas possibilidades a própria presença [Dasein] as escolheu, mergulhou nelas ou ali simplesmente cresceu. No modo de assumir-se ou perder-se, a existência só se decide a partir de cada presença [Dasein] em si mesma. A questão da existência só poderá ser esclarecida sempre pelo próprio existir. A compreensão de si mesma que assim se perfaz, nós a chamamos de compreensão existenciária. A questão da existência é um “assunto” ôntico da presença [Dasein]. Para isso não é necessária a TRANSPARÊNCIA [Durchsichtigkeit] teórica da estrutura ontológica da existência. A questão acerca dessa estrutura pretende desdobrar e discutir o que constitui {CH: em todo caso, de modo algum uma filosofia existencial} a existência. Chamamos de existencialidade o conjunto dessas estruturas. A análise da existencialidade não possui o caráter de uma compreensão existenciária e sim de uma compreensão existencial. Em sua possibilidade e necessidade, a tarefa de uma analítica existencial da presença [Dasein] já se acha prelineada na constituição ôntica da presença [Dasein]. STMSC: §4

Caso a questão do ser deva adquirir a TRANSPARÊNCIA de sua própria história, é necessário, então, que se abale a rigidez e o enrijecimento de uma tradição petrificada e se removam os entulhos acumulados. Entendemos essa tarefa como destruição do acervo da antiga ontologia, legado pela tradição. Deve-se efetuar essa destruição seguindo-se o fio condutor da questão do ser até chegar às experiências originárias em que foram obtidas as primeiras determinações de ser que, desde então, tornaram-se decisivas. STMSC: §6

A presença [Dasein] está originariamente familiarizada com o (contexto) em que, desse modo, ela sempre se compreende. Tal familiaridade com o mundo não exige, necessariamente, uma TRANSPARÊNCIA teórica das remissões que constituem o mundo como mundo. Na familiaridade com o mundo, constitutiva da presença [Dasein] e que também constitui a compreensão de ser da presença [Dasein], funda-se a possibilidade de uma interpretação ontológico-existencial explícita dessas remissões. Tal possibilidade pode ser apreendida expressamente quando a própria presença [Dasein] assume a tarefa de interpretar originariamente o seu ser e suas possibilidades ou até o sentido de ser em geral. STMSC: §18

O espaço assim aberto com a mundanidade do mundo ainda não tem nada a ver com o puro conjunto das três dimensões. Neste abrir-se mais imediato, o espaço enquanto puro continente de uma ordem métrica de posições e de uma determinação métrica de postos ainda permanece velado. Com o fenômeno de região, indicamos a perspectiva em que o espaço se descobre previamente na presença [Dasein]. Entendemos região como o para onde a que possivelmente pertence o conjunto instrumental à mão, que poderá vir ao encontro segundo direções e distanciamentos, isto é, em um lugar. A pertinência determina-se a partir da significância constitutiva do mundo e articula, num possível para onde, o para aqui e o para lá. O para onde (Wohin) em geral acha-se prelineado pela totalidade referencial estabelecida num para onde da ocupação, em cujo seio a ação liberadora de deixar e fazer em conjunto instaura referências. Numa região sempre se estabelece uma conjuntura com o que vem ao encontro enquanto manual. A conjuntura regional do espaço pertence à totalidade conjuntural que constitui o ser do que está à mão no mundo circundante. Com base nesta totalidade conjuntural do espaço é que se pode encontrar e determinar a forma e a direção do que está à mão. De acordo com a possível TRANSPARÊNCIA da circunvisão ocupacional, distancia-se e direciona-se o manual intramundano junto ao ser fático da presença [Dasein]. STMSC: §24

Como modos de ser do impessoal, afastamento, medianidade, nivelamento constituem o que conhecemos como o “público”. Este rege, já desde sempre, toda e qualquer interpretação da presença [Dasein] e do mundo, guardando em tudo o seu direito. E isso não por ter construído um relacionamento especial e originário com o ser das “coisas”, nem por dispor de uma TRANSPARÊNCIA expressa e apropriada da presença [Dasein], mas por não penetrar “nas coisas”, visto ser insensível e contra todas as diferenças de nível e autenticidade. O público obscurece tudo, tomando o que assim se encobre por conhecido e a todos acessível. STMSC: §27

Em seu caráter existencial de projeto, compreender constitui o que chamamos de visão da presença [Dasein]. A visão que, junto com a abertura do pre [das Da], se dá existencialmente e, de modo igualmente originário, a presença [Dasein], nos modos básicos de seu ser já caracterizados, a saber, a circunvisão da ocupação, a consideração da preocupação, a visão de ser em virtude da qual a presença [Dasein] é sempre como ela é. Chamamos de TRANSPARÊNCIA (Durchsichtigkeit) a visão que se refere primeira e totalmente à existência. Escolhemos esse termo para designar o “conhecimento de si mesmo”, bem entendendo-se que não se trata de um exame perceptivo e nem tampouco da inspeção de si mesmo como um ponto, mas de uma captação compreensiva de toda a abertura do ser-no-mundo através dos momentos essenciais de sua constituição. O ente que existe tem a visão de “si” somente à medida que ele se faz, de modo igualmente originário, transparente em seu ser junto ao mundo, em seu ser-com os outros, enquanto momentos constitutivos de sua existência. STMSC: §31

Em contrapartida, a não TRANSPARÊNCIA da presença [Dasein] não se radica única e primariamente na ilusão “egocêntrica” de si mesma, mas igualmente no desconhecimento de mundo. STMSC: §31

Conquanto se pretendesse sustentar que o sujeito já sempre deve pressupor, inconscientemente, que o “mundo externo” é algo simplesmente dado, o ponto de partida construtivo de um sujeito isolado ainda estaria em jogo. O fenômeno do ser-no-mundo permaneceria tão desapercebido como na comprovação de um ser simplesmente dado em conjunto do físico e do psíquico. Nessas pressuposições, a presença [Dasein] chega sempre “muito tarde” porque, do momento em que realiza em seu ser essa pressuposição – e de outro modo essa pressuposição não seria possível – a presença [Dasein] como ente sempre é e está em um mundo. “Antes” de toda pressuposição e atitude caracterizadas pela presença [Dasein], o “a priori” da constituição do ser se oferece no modo de ser da cura. Fé na realidade do “mundo exterior”, legítima ou ilegítima, provar essa realidade, seja de modo suficiente ou insuficiente, pressupor essa realidade, implícita ou explicitamente, todas estas tentativas, não possuindo TRANSPARÊNCIA a respeito de seu solo, pressupõe, de início, um sujeito desmundanizado ou inseguro acerca de seu mundo que, antes de tudo, precisa assegurar-se de um mundo. Nesses casos, o ser-no-mundo é, desde o início, colocado diante de um apreender, de um presumir, de um assegurar-se e crer, de uma atitude que, em si mesma, já é um modo derivado de ser-no-mundo. STMSC: §43

A resposta à questão do sentido do ser ainda precisa ser conquistada. Mas o que a análise fundamental da presença [Dasein], desenvolvida até aqui, preparou para a elaboração dessa questão? Mediante a liberação do fenômeno da cura, esclareceu-se a constituição de ser dos entes a cujo ser pertence uma compreensão de ser. O ser da presença [Dasein] foi, com isso, delimitado frente aos modos de ser (manualidade, ser simplesmente dado, realidade) que caracterizam os entes não dotados do caráter de presença [Dasein]. Elucidou-se o próprio compreender, garantindo-se, pois, a TRANSPARÊNCIA metodológica do procedimento de compreensão e interpretação do ser. STMSC: §44

É na existencialidade da presença [Dasein], como um poder-ser no modo da preocupação em ocupações, que se prelineia, ontologicamente, o para quê da decisão. Todavia, enquanto cura, a presença [Dasein] se determina por facticidade e decadência. Aberta em seu “pre” [das Da], ela se mantém, de modo igualmente originário, na verdade e na não-verdade. “Propriamente” isso vale justamente para a decisão enquanto verdade própria. Ela se apropria propriamente da não-verdade. A presença [Dasein] já está e, talvez sempre esteja, na indecisão. Esse termo designa apenas o fenômeno já interpretado como abandono à interpretação predominante do impessoal. A presença [Dasein] é “vivida” como o impessoal-si-mesmo pela ambiguidade do senso comum, característica do público em que ninguém se decide e que, no entanto, já sempre incide. A decisão significa deixar-se receber o apelo a partir da perdição no impessoal. A indecisão do impessoal permanece também predominante, embora não seja capaz de alcançar a existência decidida. Enquanto conceito inverso à decisão em sua compreensão existencial, a indecisão não significa uma qualidade ôntica e psíquica, no sentido de sobrecarga de repressões. O decisivo também continua referido ao impessoal e a seu mundo. A possibilidade disto ser compreendido depende do que se abre na decisão, já que só a decisão propicia à presença [Dasein] a TRANSPARÊNCIA própria. Na decisão está em jogo o poder-ser mais próprio da presença [Dasein] que, lançado, só pode projetar-se para possibilidades faticamente determinadas. O decisivo não se retira da “realidade” mas descobre o faticamente possível, a tal ponto que o apreende como o poder-ser mais próprio, possível no impessoal. A determinação existencial da presença [Dasein] decidida a cada possibilidade abrange os momentos constitutivos do fenômeno existencial, até agora desconsiderado, que chamamos de situação. STMSC: §60

Um método autêntico funda-se numa visão prévia adequada da constituição fundamental e do âmbito do “objeto” a se abrir. Uma reflexão autêntica sobre o método – que se deve distinguir de discussões técnicas vazias – esclarece, ao mesmo tempo, o modo de a ser desse ente {CH: separar método científico do procedimento do pensamento} tematizado. Apenas o esclarecimento das possibilidades, exigências e limitações metodológicas da analítica existencial é que poderá assegurar a TRANSPARÊNCIA necessária conforme o passo fundamental, qual seja, o desvelamento do sentido ontológico da cura. A interpretação do sentido ontológico da cura, no entanto, deve cumprir-se com base na atualização fenomenológica plena e insistente da constituição existencial da presença [Dasein] apresentada até aqui. STMSC: §61

Por outro lado, a interpretação do “nexo” entre decisão e antecipar alcançou, assim, a compreensão existencial plena do próprio antecipar. Até aqui, ele só podia valer como projeto ontológico. Agora, porém, mostrou-se que antecipar não é uma possibilidade inventada e a seguir imposta à presença [Dasein], mas o modo de um poder-ser, testemunhado existenciariamente na presença [Dasein] a que ela se dispõe quando se compreende propriamente numa decisão. Antecipar não “é” uma atitude solta no ar mas deve ser concebido como a possibilidade de sua propriedade velada e incluída na decisão existenciariamente co-testemunhada. Em sentido próprio, “pensar na morte” é a TRANSPARÊNCIA existenciária do querer-ter-consciência. STMSC: §62

A indicação formal da ideia de existência orientou-se pela compreensão ontológica subsistente na própria presença [Dasein]. Mesmo sem TRANSPARÊNCIA ontológica, desvelou-se, na verdade, que o ente chamado presença [Dasein] sou sempre eu mesmo e isso enquanto poder-ser, pois o que nele está em jogo é seu ser esse estar sendo. Não obstante a falta de determinação ontológica suficiente, a presença [Dasein] se compreende como ser-no-mundo. Sendo desse modo, vêm-lhe ao encontro entes que possuem o modo de ser do manual e do ser simplesmente dado. Por mais que a diferença entre existência e realidade esteja longe de um conceito ontológico, por mais que a presença [Dasein] até compreenda, inicialmente, a existência como realidade, ela não apenas não é algo simplesmente dado mas ela já sempre se compreendeu, em qualquer interpretação mítica ou mágica. Pois, do contrário, ela não “viveria” num mito e não se ocuparia, no rito e no culto, de sua magia. A ideia de existência suposta é o prelineamento, existenciariamente não obrigatório, da estrutura formal de toda compreensão de presença [Dasein]. STMSC: §63

Só a elaboração da temporalidade da presença [Dasein] enquanto cotidianidade, historicidade e intratemporalidade proporciona a visão plena das implicações de uma ontologia originária da presença [Dasein]. Enquanto ser-no-mundo, a presença [Dasein] existe, faticamente, com e junto a entes que vêm ao encontro dentro do mundo. É, pois, no horizonte do ser dos entes não dotados do caráter de presença [Dasein], ou seja, do que meramente “subsiste”, nem mesmo sendo dado ou à mão, que o ser da presença [Dasein] recebe sua TRANSPARÊNCIA ontológica abrangente. A interpretação das derivações do ser de tudo aquilo do qual dizemos que é necessita, porém, de uma ideia suficientemente clara do ser em geral. Enquanto não se conquistar esta ideia, a análise temporal da presença [Dasein] a ser retomada permanecerá incompleta e crivada de obscuridades, para não se mencionar as dificuldades referentes ao conteúdo. A análise existencial e temporal da presença [Dasein] exige, por sua vez, uma nova retomada, no âmbito da discussão fundamental do conceito de ser. STMSC: §66