Bochenski1962
Existem no homem três espécies de saber. A primeira é o saber indutivo das ciências positivas. Baseia-se no instinto de dominação e nunca chega a leis compulsivas. Seu objeto é a realidade. Scheler admite a existência da realidade, mas afirma com Dilthey que um ser puramente cognoscente não teria realidade, porque a realidade é aquilo que opõe resistência a nosso esforço. O choque com essa resistência prova a existência do real.
A segunda espécie de saber é o saber da estrutura essencial de tudo o que é, da “quididade” (die Washeit) das coisas. A este saber conduz-nos a abstenção do comportamento instintivo, a abstração da presença real das coisas; seu objeto é” o a priori. Scheler assegura, com Kant, que existe um conhecimento do a priori. Considera a priori todas as proposições e unidades significativas ideais que são dadas, abstraindo de toda “posição” do sujeito que as pensa. Contudo, neste terreno, Scheler opõe-se em diferentes pontos a Kant. Em primeiro lugar, as essências, e não as proposições, constituem primariamente o a priori. Em segundo lugar, o domínio do “a priori-evidente” nada tem que ver com o domínio do formal: existe um a priori material, conteúdos independentes da experiência e da indução. Scheler rejeita energicamente o conceptualismo idealista e o nominalismo positivista. Além disso, tampouco quer conceder a Kant que a teoria do conhecimento seja a teoria fundamental do a priori. O proton pseudos (o primeiro passo em falso) dos kantianos consiste em haver pôsto a questão: como é possível que alguma coisa possa ser dada? em vez da questão fundamental: “que coisa é que é dada?”. Por isso, a teoria do conhecimento não é, segundo ele, senão uma seção da doutrina das relações objetivas das essências. Por fim, a teoria kantiana da espontaneidade do pensamento, segundo a qual tudo o que é relação deve ser produzido pelo entendimento (ou antes, pela razão prática), afigura-se-lhe ser radicalmente falsa. Na realidade, não existe entendimento que prescreva suas leis à natureza. Só podemos estabelecer o que estriba numa convenção, nunca porém leis. Mas o erro máximo de Kant e de toda a filosofia racionalista consiste em haver confundido o a priori e o racional. Na realidade, toda nossa vida espiritual passui um conteúdo a priori — mesmo a parte emotiva do espírito, a que sente, ama, odeia, etc. Existe uma “ordem do coração” a priori, uma “lógica do coração” (Pascal) em sentido estrito. Scheler desenvolveu, a partir deste ponto de vista, a fenomenologia de Husserl de maneira peculiar e abriu-lhe novos horizontes. Designou esta doutrina apriorismo emocional.
A terceira espécie de saber é o saber metafísico ou saber de salvação. Provém da junção dos resultados das ciências positivas com a filosofia que estuda a essência. Constituem seu objeto, primeiramente, os problemas-limites das ciências (por exemplo, “que é a vida?”) e, em seguida, a metafísica do absoluto. Contudo, o caminho para esta metafísica não pode partir do ser-objeto, mas arranca da antropologia filosófica, a qual se propõe a questão: “que é o homem?”. A metafísica moderna deve ser uma meta-antropologia.