(RMAP:230-235)
Observar, por exemplo, uma cor, uma forma, a consistência de um corpo para registrar esses dados antes de uma experimentação física, tudo isso normalmente não é fazer uma experiência de si mesmo — a não ser acidentalmente, quando se descobre, por exemplo, que se é daltônico ou míope, etc. Executar um cálculo também não é fazer uma experiência de si mesmo — a não ser acidentalmente, como quando se percebe o quão lento ou entorpecido se está, etc.
Mas podemos realmente chamar essas descobertas de experiências de si mesmo?
Notemos: é porque algo “não estava certo” no curso normal da percepção e em seus resultados que examinamos a percepção que, normalmente, não está em nosso campo de atenção. Nós a “objetivamos”. Isso difere de uma simples reflexão, que consiste na explicitação de um ato e que pode ser expressa pelas palavras: “Agora, estou percebendo tal coisa.” Pois a reflexão simplesmente faz emergir o ato como tal, seu sentido intencional. Ela responde à pergunta: “O que estás fazendo?” Já a apercepção de seu próprio daltonismo ou de sua miopia é uma [231] verdadeira objetivação da função em exercício, consistindo em examinar sua qualidade, ou a da disposição psíquica correspondente (visão, audição, memória, aptidão lógica e linguística, etc.). Esse exame diz respeito, na verdade, às nossas aptidões e talentos, aos nossos “ter”. Ele responde à pergunta: “Como sou feito?”
Em certo sentido, quando descubro que sou daltônico, descubro experimentalmente uma propriedade objetiva, faço, portanto, uma experiência de mim mesmo. Mas essa apercepção de si não é, para ser preciso, uma experiência de si no sentido forte, ou seja, uma apercepção do “ser” e não do “ter”. É, sem dúvida, a apercepção do bom ou mau funcionamento de uma função própria. De certa forma, é, portanto, uma percepção psicológica, mas uma percepção psicológica de um tipo totalmente diferente da que examinamos ontem. É a percepção de uma qualidade que diz respeito ao suporte das funções, não ao sujeito dos atos. É, portanto, a experiência de uma parte de si mesmo, que não é si mesmo, assim como a parte não é o todo. Podemos agora introduzir outro termo técnico. A visão não é uma propriedade “egológica”.
Aliás, como sempre, essa diferença é igualmente evidente do lado “noético”. Esse tipo de percepção “interna” não tem alcance sobre sua própria vida atual. Para descobrir que sou daltônico, preciso desviar minha atenção do ato de observar as cores e direcioná-la para a função que estava exercendo, para seu funcionamento (se for daltonismo, de fato, o mau funcionamento normalmente nos é sinalizado por outros, desde a infância).
Sentir que se está vivo é algo totalmente diferente. Não é refletir sobre o que estamos fazendo, nem observar a qualidade das funções e disposições psíquicas que temos. Se o leitor ainda se lembra de seu primeiro amor, também se lembrará da curiosa sensação que se experimenta nessa [232] ocasião: é como se você nunca tivesse “vivido” antes e começasse a viver naquele momento. Uma sensação que, na verdade, se repete — com maior ou menor intensidade — a cada amor… Você também se lembrará de que esse desabrochar súbito de sua vida parecia coincidir com uma espécie de “despertar” daquilo que em você era verdadeiramente você mesmo, e até mesmo com uma espécie de “chamado”, poderoso e misterioso, à “verdadeira substância” de si mesmo e “ao que importa” absolutamente. Talvez você também se lembre das perguntas que o atormentavam: “Mas onde eu estava até agora? Onde eu me havia perdido? Como pude esquecer tanto de viver?” E você se lembrará de que não era apenas da vida e de si mesmo que você finalmente sentia ter tomado conhecimento, mas da própria essência de certas coisas, do “amor”, por exemplo…
Se você fosse um amante bastante filosófico e estudioso, talvez tenha acreditado entender Platão naquele momento… De qualquer forma, é nessas ocasiões que muitos adolescentes começam a escrever diários íntimos. Esse é um tipo de escrita em que a introspecção e a especulação se entrelaçam de forma indissociável, como a “descoberta” de si e a “descoberta” do que é a “vida”. Com todas as suas possibilidades eidéticas (relacionais: amor, amizade, solidão; vocacionais: arte, ciência, política), contempladas no exemplar de sua própria vida, ainda indecisa. Diários íntimos, notas de viagem, cadernos, alguns versos… Essas são as expressões mais clássicas de uma empreitada que parece começar então: a da busca de si mesmo. É o aprendizado desse tipo de conhecimento — o conhecimento pessoal — do qual estamos esboçando uma epistemologia, que ainda está por ser feita.
A linguagem comum tende a qualificar como “experiências vividas” apenas aquelas que também são experiências de si mesmo nesse sentido forte. Quanto a nós, após termos reunido e explicitado, na medida do possível, o que todos nós “já sabemos” sobre o assunto, estamos prontos para acolher e avaliar uma teoria fenomenológica que encontramos em todos os fenomenólogos do “continente submerso” (embora os diferentes autores nem sempre concordem com a terminologia). Vamos chamá-la de “teoria das vivências egológicas”. Como frequentemente, é a Edith Stein que devemos a formulação mais clara e sintética dessa teoria [Desde a dissertação sobre a empatia até a grande ontologia e fenomenologia da mística, E. Stein permanece fiel a essa teoria, enriquecendo-a gradualmente com uma dimensão espiritual. As formulações mais claras e sintéticas encontram-se em (1917-1933). Cf. Bibliografia, seção II.]. Ainda assim, vamos propor aqui nossa própria versão, mais fiel aos hábitos de nossas línguas latinas. A questão que essa teoria busca responder é a seguinte: que tipo de experiência também é uma experiência de si mesmo? Quais são os caracteres que uma vivência deve possuir para ser também um modo de se viver?
Para dizer da maneira mais simples, conhecemos apenas dois: “padecer” e “agir”. “Padecer” é, certamente, uma palavra antiquada, que, no entanto, possui toda a gama de significados de seu homólogo grego, pathein. Compreendido nesse sentido amplo, “padecer” não significa apenas sofrer, mas ser afetado ou tocado, em geral (pati deum, por exemplo, era uma expressão em uso entre os místicos cristãos: uma experiência que, a julgar pelas descrições que nos deixaram, carrega consigo tanto um sofrimento extremo quanto uma alegria incomparável).
Antes de mergulharmos na análise, pensemos no sentido em que geralmente se entende uma afirmação como “isso não é vida!”. Vemos, então, que a “não-vida” é frequentemente identificada com uma sequência de experiências não tanto esmagadoras, mas desprovidas de qualquer interesse afetivo: muitas vezes é apenas uma vida “sem emoções”. Por outro lado, é a falta de “liberdade” que é frequentemente enfatizada, mais especificamente a impossibilidade de tomar uma iniciativa, de agir por conta própria. Assim, a vida atrás das grades, com a impossibilidade que implica de qualquer novo encontro e a proibição de qualquer iniciativa real, parece para muitos de nós o ápice de uma vida que não é vida. Fenomenólogos muito interessados na vida ativa, como Scheler e Hannah Arendt, por exemplo, aprofundaram muito a oposição que se pode ver assim entre trabalho (certos tipos de trabalhos estando do lado da não-vida) e ação.
“Padecer” e agir são, de fato, os modos da vida pelos quais também se faz experiência de si mesmo. No ato de olhar, ouvir, pensar e raciocinar, eu “vivo” certamente, se esse é o meu presente ou minha vida atual. No entanto, nesses atos, eu não “me” vivo — eu não “me sinto” viver, a menos que esse exercício da visão, da audição ou da inteligência envolva emoções e escolhas. (Se percebemos tão pouco a diferença entre as vivências egológicas e as vivências não egológicas, é porque um exercício cognitivo autêntico sempre envolve emoções e escolhas.)
Por outro lado, desde a enxaqueca mais leve até o luto mais irremediável, não é possível sentir o mal sem se sentir mal, sofrer sem se sentir afetado. Da mesma forma, desde o ato de se levantar até a decisão suprema de uma vida, não é possível agir e se determinar à ação sem se viver como o sujeito efetivo desses atos, “início” e “causa” do que se segue, autor-ator da ação, centro do qual a decisão depende, aconteça o que acontecer.
Em termos mais formais, a distinção entre as vivências egológicas e as vivências não egológicas é a seguinte. Todos os atos do domínio cognitivo, da percepção ao pensamento, pelos quais os objetos se apresentam a nós, são atos não egológicos. São egológicos, por outro lado, todos os atos do campo afetivo e volitivo, pelos quais nos sentimos mais ou menos profundamente implicados, respectivamente como sujeitos a (portanto, no sentido passivo do termo “sujeito” (sub-iacere), e como sujeitos de (no sentido ativo do termo, que designa essa atividade que a tradição identifica com a causalidade do agente).
Essa distinção preenche de conteúdo intuitivo o conceito fenomenológico da constituição de si, ou do sujeito: ela nos mostra que certas experiências, mas não todas, são constitutivas do que cada um chama de si mesmo, no sentido de que são justamente os modos pelos quais esse “si” é dado, tornado presente. São as vivências “originárias” de si ou da subjetividade: isso quer dizer que são a origem do conteúdo intuitivo da ideia de subjetividade, e a fonte da evidência que essa ideia possui.
Uma última observação sobre uma implicação da teoria das vivências egológicas, ou das vivências originárias de si. Poder-se-ia pensar que um “si”, o que se chama assim, é dado independentemente dessas vivências, de modo que elas lhe seriam atribuídas posteriormente. Mas não é nada disso, porque, muito pelo contrário, esse “si” é dado, se torna presente, unicamente “dentro” e “por meio” desses vivências.