No entanto, parece-nos notável que tenha sido no contexto de uma interpretação da parábola platônica da caverna que, pouco depois de Sein und Zeit, tenham sido anunciados novos desenvolvimentos relativos à arte, mas também à política, no que diz respeito à [?theoria] como visão do ser. Estamos a referir-nos à conferência do semestre de inverno de 1931-32, intitulada Vom Wesen der Wahrheit / Zu Platons Höhlengleichnis und Theätet.
Nela, Heidegger decifra as fases da parábola como outras tantas “fases do advento da verdade”, no sentido do desvelamento do ser. O que está em causa neste advento, segundo ele, é “a autêntica libertação do homem em relação à luz original que é a do ser”. Esta libertação é o que significa a emergência na luz do sol daqueles que [176] eram anteriormente prisioneiros das sombras. Ver esta luz é, diz Heidegger, “compreender o ser do ente”. Ligar-se a ela é tornar-se livre para o ser em relação ao ser do ente, de modo que a liberação ([?Freiwerden]) e o projeto do ser ([?Seinsentwurf]) são uma e a mesma coisa (GA34, 60-61).
É neste contexto que Heidegger, talvez pela primeira vez, atribui à arte, especificamente à poesia, a capacidade de manifestar “o poder interior da compreensão humana do ser, da visão da luz ([?Lichtblick])” (63). O artista, escreve ele, tem um “olho essencial para o possível; ele traz à tona as possibilidades ocultas do ser e, assim, permite que os homens vejam pela primeira vez o ser real no qual labutam cegamente. A descoberta essencial da realidade ([?Wirklichen]) não foi e não é feita graças às ciências, mas graças à filosofia em toda a sua originalidade, e graças à grande poesia e aos seus projetos. A poesia torna o ser mais ser”. Mas para compreender isto, salienta Heidegger, temos de deixar de considerar o “problema da arte como um problema de estética” (64). Isto sugere que o equívoco que até agora parecia pesar sobre as belas-artes, englobadas pela tecnologia quotidiana e pela sua inautenticidade, está em vias de ser levantado. No entanto, se a arte, assim redefinida, não é de modo algum um modo inadequado de desvelamento, o advento da l’[?aletheia] para o qual contribui parece estar em todo o lado e sempre e de modo algum ligado à reunião de um povo histórico em torno do seu projeto de ser. Prova disso é o leque de poetas que Heidegger evoca aqui: “Homero, Virgílio, Dante, Shakespeare, Goethe”.
[TAMINIAUX, J. Le théatre des philosophes: La tragédie, l’être, l’action. Grenoble: J. Millon, 1995]