Taminiaux (1995:111-112) – poiesis and praxis

tradução

Colocarei em evidência em minha proposição as palavras de Aristóteles no início da Política: “o de bios praxis ou poiesis estin” (1254a). Estas palavras concernem a vida não no sentido da zoe mas no sentido do modo de ser ou de existir dos humanos (bios). Elas dizem: o modo de ser dos humanos não consiste em produzir mas em agir. Em grego, o verbo poiein e o substantivo poiesis designam uma atividade que trata das coisas preferivelmente que das pessoas, enquanto o verbo prattein e o substantivo praxis designam uma atividade que concerne a princípio os agentes eles mesmos.

Não faltam testemunhos para atestar que a distinção entre estas duas atividades desempenhou um papel decisivo na maneira pela qual os gregos da polis consideravam a excelência de seu modo de existir comparado ao modo de vida dos bárbaros. A seus olhos, os bárbaros se assinalavam por uma carência profunda em matéria de praxis. No pior dos casos, o modo de ser dos bárbaros, pouco importa que tenham vivido na penúria ou na abundância, não superava em nada a imersão pura e simples no eterno retorno da vida, e a submissão ao jugo da necessidade natural. No melhor dos casos, o modo de ser dos bárbaros podia alcançar notáveis sucessos na ordem da poiesis, na produção de todos os tipos de obras que não têm equivalente natural e no saber-fazer inerente a esta produção, mas, no entanto, jamais aos olhos dos gregos da Cidade, os bárbaros alcançavam a excelência da praxis, o eu prattein. Para os gregos da Cidade, esta excelência, este eu prattein residiam na atividade mesma do cidadão, no politeuein, atividade que não associa um vivente ao ciclo eterno da vida, que não associa também um artesão a todos aspectos do fazimento de sua obra, mas que associa indivíduos a outros indivíduos no compartilhamento das palavras e dos atos que concernem seu estar-junto, e no exercício de todas as virtudes que este compartilhamento supõe: temperança, coragem, justiça, prudência (phronesis). Assim confundida com o exercício mesmo da cidadania, a praxis está intimamente ligada à palavra, à lexis, à declaração e à discussão por indivíduos preocupados com este mundo comum, do que lhes aparece deste mundo, das iniciativas renovadas que sua manutenção requer, das perspectivas diversificadas e opostas que acarreta. Assim entendida, a praxis, no sentido da Cidade não poderia ser separada de uma pluralidade de atores e de locutores, pluralidade à vida da qual a paridade, quer dizer ao mesmo tempo a amizade e a diferença, a philia e a eris, são igualmente indispensáveis. Para a Cidade, a praxis se sustentava portanto de uma estreita sinonímia entre os sintagmas zoon politikon e zoon logon echon. Porque estreitamente ligada à discussão de perspectivas diversas e cambiantes, esta praxis-aí requeria uma estrita paridade entre aqueles que a exerciam. Pela mesma razão, ela acarretava, na época da isonomia, uma desconfiança permanente a respeito daqueles que, se prevalecendo de uma competência superior, ameaçavam suprimir a cada cidadão o direito de julgar e de dizer seu julgamento, e além do mais ameaçavam, em se fazendo passar por especialistas em matéria pública, de modelar os humanos segundo seus planos, e de subordinar assim a praxis a uma forma de poiesis, subordinação que teria remetido o mundo grego ao nível dos bárbaros. (1995, p. 149-150)

McNeill

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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