SZ:7-8 – Dasein como o manter-se imerso no nada de Ser

Schuback

Caso a questão do ser deva ser colocada explicitamente e desdobrada em toda a sua transparência, a sua elaboração exige, de acordo com as explicações feitas até aqui, a explicitação da maneira de se visualizar o ser, de se compreender e apreender conceitual-mente o sentido, a preparação da possibilidade de uma escolha correta do ente exemplar, a elaboração do modo genuíno de acesso a esse ente. Visualizar, compreender, escolher, aceder a são atitudes constitutivas do questionar e, ao mesmo tempo, modos de ser de um determinado ente, daquele ente que nós mesmos, os que questionam, sempre somos. Elaborar a questão do ser significa, portanto, tornar transparente um ente – que questiona – em seu ser. Como modo de ser de um ente, o questionar dessa questão se acha essencialmente determinado pelo que nela se questiona – pelo ser. Designamos com o termo presença (Dasein) esse ente que cada um de nós mesmos sempre somos e que, entre outras coisas, possui em seu ser a possibilidade de questionar. A colocação explícita e transparente da questão sobre o sentido de ser requer uma explicação prévia e adequada de um ente (da presença (Dasein)) no tocante a seu ser.

Mas será que uma tal empresa não cai num manifesto círculo vicioso? Ter que determinar primeiro o ente em seu ser e, nessa base, querer colocar a questão do ser, não será andar em círculo? Para se elaborar a questão, não se está já “pressupondo” aquilo que somente a resposta à questão poderá proporcionar? Ao se refletir sobre os caminhos concretos de uma investigação, é sempre estéril recorrer a objeções formais como a acusação de um “círculo vicioso”, facilmente aduzível, no âmbito de uma reflexão sobre os princípios. Essas objeções formais não contribuem em nada para a compreensão do problema, constituindo mesmo um obstáculo para se adentrar o campo da investigação.

De fato, não há nenhum círculo vicioso no questionamento da questão. O ente pode vir a ser determinado em seu ser sem que, para isso, seja necessário já dispor de um conceito explícito sobre o sentido de ser. Não fosse assim, não poderia ter havido até hoje nenhum conhecimento ontológico, cujo teor fático não pode ser [SZ:8] negado. Sem dúvida, até hoje, em toda ontologia, “ser” é pressuposto, embora não como um conceito à disposição, não como o que se busca. “Pressupor” ser possui o caráter de uma visualização preliminar de ser, de tal maneira que, partindo dessa visualização, o ente previamente dado se articule antecipadamente em seu ser. Essa visualização de ser, orientadora do questionamento, nasce da compreensão mediana de ser em que nos movemos desde sempre e que, em última instância, pertence à própria constituição essencial da presença (Dasein). Tal “pressupor” nada tem a ver com o estabelecimento de um princípio indemonstrado do qual se deduziría uma conclusão. Não pode haver “círculo vicioso” na colocação da questão sobre o sentido de ser porque, na resposta, não está em jogo uma fundamentação dedutiva, mas uma liberação demonstrativa das fundações.

Na questão sobre o sentido de ser não há “círculo vicioso” e sim uma curiosa “retrospecção ou prospecção” do questionado (o ser) sobre o próprio questionar, enquanto modo de ser de um ente determinado. Ser atingido essencialmente pelo questionado pertence ao sentido mais autêntico da questão do ser. Isso, porém, significa apenas que o ente, dotado do caráter da presença (Dasein), traz em si mesmo uma remissão talvez até privilegiada à questão do ser. Com isso, no entanto, não se prova o primado ontológico de um determinado ente? Não se dá preliminarmente o ente exemplar que deve desempenhar o papel de primeiro interrogado na questão do ser? No que se discutiu até aqui nem se provou o primado da presença (Dasein) e nem se decidiu nada sobre uma função possível ou necessária do ente a ser interrogado como o primeiro. O que se insinuou foi apenas um primado da presença (Dasein). (STMS:41-43)

Castilho

Vezin

Macquarrie

Stambaugh

Original

  1. CH: Dasein: como o manter-se imerso no nada de Ser, como comportamento.[↩]
  2. NH: Mas não que se colha nesse ente o sentido de ser.[↩]
  3. NT: Os elementos dessa formalização podem compor o seguinte quadro: Frager – perguntante – Dasein, aquele que pergunta; Befragtes – perguntável – Seiende·, aquilo a que se pergunta; Gefragtes – perguntando – Sein: aquilo de que se pergunta; Erfragte – perguntado – Sinn: aquilo que se pergunta.[↩]
  4. NH: isto é, desde o começo.[↩]
  5. NH: De novo, como na página 9, acima, uma simplificação essencial e, no entanto, corretamente pensada. O Dasein não é um caso de ente para a representação do ser por abstração, mas precisamente a sede do entendimento-do-ser.[↩]
  6. (d) Dasein : comme étant tenu et entrant dans le rien qu’est l’être, entretenu comme rapport.[↩]
  7. (e) Mais le sens de être ne va pas se lire sur cet étant.[↩]
  8. (a) C’est-à-dire depuis le commencement.[↩]
  9. (b) Même genre d’essentielle simplification que plus haut (p. 7) mais qui n’empêche pas que ceci soit correctement pensé. Le Dasein n’est pas un cas d’étant se prêtant à une représentation de l’être par abstraction, mais c’est bel et bien le haut lieu de l’entente de l’être.[↩]
  10. The word ‘Dasein’ plays so important a role in this work and is already so familiar to the English-speaking reader who has read about Heidegger, that it seems simpler to leave it untranslated except in the relatively rare passages in which Heidegger himself breaks it up with a hypthen (‘Da-sein’) to show its etymological construction: literally ‘Being-there’. Though in traditional German philosophy it may be used quite generally to stand for almost any kind of Being or ‘existence’ which we can say that something has (the ‘existence’ of God, for example), in everyday usage it tends to be used more narrowly to stand for the kind of Being that belongs to persons. Heidegger follows the everyday usage in this respect, but goes somewhat further in that he often uses it to stand for any person who has such Being, and who is thus an ‘entity’ himself. See Η. 11 below.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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