SZ:319-320 – O “eu” em Kant

Castilho

O “eu” é uma mera consciência que acompanha todos os conceitos. Com ela “não se representa nada mais do que um sujeito transcendental dos pensamentos”. A “consciência não é em si tanto uma representação… mas uma forma dela em geral”1. O “eu penso” é “a forma da percepção inerente a toda experiência e que a precede”2.

Kant apreende, com razão, o conteúdo fenomênico do “eu” na expressão “eu penso” ou, se for também considerada a inclusão (869) da “pessoa prática” na “inteligência”, como “eu ajo”. O dizer-eu, no sentido de Kant, deve ser apreendido como dizer-“eu-penso”. Kant procura fixar o conteúdo fenomênico do eu como res cogitans. Se aí denomina esse eu de “sujeito lógico”, isto não significa que o eu em geral seja um mero conceito obtido por caminhos lógicos. O eu é, ao contrário, o sujeito do comportamento lógico, do ligar. O “eu penso” significa: eu ligo. Todo ligar é um “eu ligo”. Em todo reunir e relacionar há já sempre o eu — υποκείμενον. Por isso, o sujeito “consciência em si” não é uma representação 3, mas, ao contrário, a “forma” da representação. Isto quer dizer: o eu penso não é algo representado, mas a estrutura formal do representar como tal, por cujo meio algo assim como um representado é possível. Forma da representação não significa nem um marco, nem um conceito geral, mas o que, como είδος, faz que cada representado e cada representar seja o que é. O eu, entendido como forma da representação, significa o mesmo que: ele é “sujeito lógico”.

O positivo na análise kantiana é dúplice: de um lado, no plano ôntico, Kant vê a impossibilidade de reduzir o eu a uma substância; de outro lado, mantém firme o eu como “eu penso”. Entretanto, Kant volta a entender esse eu como sujeito e isto em um sentido ontologicamente inadequado. Pois o conceito ontológico do sujeito caracteriza não o ser do-si-mesmo do eu qua si-mesmo, mas o ser-si-mesmo e a consistência de um já sempre subsistente. O eu ontologicamente determinado como sujeito significa pô-lo como um sempre (871) já subsistente. O ser do eu é entendido como realidade 4 da res cogitans. (p. 869, 871, 873)

Vezin

Macquarrie

Original

  1. Kr. d. r. V.1 (Crítica da razão pura, 2ª ed.), p. 404.[↩]
  2. Idem, op. cit., A, p. 354.[↩]
  3. CH: Não algo re-presentado, mas o representante como o-que-põe-diante-de-si no representar — mas só neste, e o eu “é” somente como este diante-de-si, somente como este de-si.[↩]
  4. CH: “Presença”: o constante “acompanhar”.[↩]
  5. Critique de la raison pure, B 404.[↩]
  6. Ibid., p. 354.[↩]
  7. CH: Pas quelque chose de re-présenté, mais au contraire le représentant au sens de ce qui place-devant-soi quand il représente — mais seulement en ce cas, et le je, lui, n’est que ce devant-soi, que ce rapport-à-soi.[↩]
  8. CH: « Entrée en présence » ; I’« accompagnement » constant.[↩]
  9. Kr. d. r. V. 2. A. (B) S. 404.[↩]
  10. a. a. O. A. S. 354.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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