A análise preparatória tornou acessível uma multiplicidade de fenômenos. Embora fundada no todo estrutural da cura, esta multiplicidade não pode ser desconsiderada pela visão fenomenológica. Enquanto articulada, a totalidade originária da constituição da presença [Dasein] não exclui esta multiplicidade, ao contrário, ela a exige. Originariedade da constituição da presença [Dasein] não coincide nem com simplicidade nem com unicidade de um elemento último de construção. A origem ontológica do ser da presença [Dasein] não é “inferior” ao que dela surge. A origem ontológica já o sobrepuja em poder e, no âmbito ontológico, todo “SURGIR” é degeneração. Para o senso comum, a tendência ontológica para a “origem” nunca se transforma em evidência ôntica. Ao contrário, esta tendência abre justamente o que há de questionável em toda evidência. STMSC: §67
A curiosidade é uma tendência ontológica privilegiada da presença [Dasein], segundo a qual ela se ocupa de um poder-ver. Tanto o “ver” quanto o conceito de visão não se restringem à percepção propiciada pelos “olhos do corpo”. Em sentido amplo, a percepção deixa vir ao encontro “corporalmente” em si mesmos o que está à mão e o ser simplesmente dado, no tocante ao seu aspecto. Esse deixar vir ao encontro funda-se numa atualidade. A atualidade fornece o horizonte ekstático no qual o ente pode ser corporalmente vigente. Entretanto, a curiosidade não atualiza o ser simplesmente dado a fim de, nele demorando-se, compreendê-lo. Ela busca ver apenas para ver e ter visto. Enquanto esta atualização presa em si mesma ao ser simplesmente dado, a curiosidade está numa unidade ekstática com um porvir e um vigor de ter sido correspondentes. A avidez do novo move-se, sem dúvida, em direção ao ainda-não-visto mas de tal maneira que a atualização tenta escapar do aguardar. A curiosidade é toda ela impropriamente porvindoura e isto a tal ponto que ela não aguarda uma possibilidade mas, em sua avidez, só cobiça a possibilidade como algo real. A curiosidade constitui-se de uma atualização que não se sustenta e, apenas atualizando, procura constantemente fugir do aguardar em que a atualização se “mantém” e se resguarda, embora insustentada. A atualidade “surge” da correspondente atualização que lhe pertence, no sentido mencionado de fuga. Mas a atualização em que “surge” a curiosidade se entrega tão pouco à “coisa” que, ao conquistar uma visão, já deixa de ver para ver a próxima. Do ponto de vista ontológico, o que possibilita o não demorar-se, característico da curiosidade, é a atualização que constantemente “surge” no aguardar a uma possibilidade apreendida e determinada. A atualização não “surge” do aguardar no sentido de que ela estaria onticamente desligada do aguardar para a ele se abandonar. O “SURGIR” é uma modificação ekstática do aguardar, de tal maneira que o aguardar ressurge da atualização. O aguardar abdica, por assim dizer, de si mesmo em não mais deixando que venham a si possibilidades impróprias da ocupação a partir daquilo de que se ocupa, à exceção daquelas que se oferecem para uma atualização que não se sustenta. A modificação ekstática do aguardar mediante a atualização que surge numa atualização que ressurge é a condição temporal e existencial da possibilidade de dispersão. STMSC: §68
Quanto mais imprópria a atualidade, isto é, quanto mais a atualização vem a “si-mesma”, tanto mais, fechando, ela foge de um poder-ser determinado, mas tanto menos pode o porvir retornar para o ente-lançado. No “SURGIR” da atualidade reside, ao mesmo tempo, um esquecimento crescente. O fato de a curiosidade sempre se deter no mais imediato e esquecer o que veio antes não é uma consequência da curiosidade mas, ao contrário, a sua própria condição ontológica. STMSC: §68
No tocante a seu sentido temporal, os caracteres da decadência, anteriormente demonstrados, como tentação, tranquilização, alienação e auto-aprisionamento significam que a atualização que “surge” busca, de acordo com a sua tendência ekstática, temporalizar-se a partir de si mesma. A presença [Dasein] aprisiona-se – esta determinação possui um sentido ekstático. O retrair-se da existência na atualização não significa que a presença [Dasein] se desligue de seu eu e de seu si-mesmo. Mesmo na atualização mais extrema, ela permanece temporal, ou seja, aguardando e esquecendo. Mesmo atualizando, a presença [Dasein] ainda se compreende, embora alienada de seu poder-ser mais próprio, primariamente fundado no porvir e no vigor de ter sido, em sentido próprio. Sempre oferecendo algo “novo”, a atualização não deixa que a presença [Dasein] volte a si mesma, tranquilizando-a sempre de novo. Essa tranquilização, no entanto, fortalece a tendência para SURGIR. A curiosidade não é “provocada” pela visibilidade sem fim do que ainda não se viu mas pelo modo decadente de temporalização da atualidade que surge. Mesmo que tenha visto tudo, a curiosidade sempre inventa algo novo. STMSC: §68
“O tempo como unidade negativa do fora-de-si é, também, um abstrato puro e simples, um ideal. – Ele é o ser que, sendo, não é, e, não sendo, é: o devir intuicionado; ou seja, de tal maneira que as diferenças, meramente momentâneas, que imediatamente se superam, são, contudo, determinadas como exteriores, não obstante serem exteriores para si mesmas”. Nessa interpretação, o tempo se desvela como o “devir intuicionado”. Segundo Hegel, isso significa a passagem do ser para o nada e, respectivamente, do nada para o ser. Devir é tanto SURGIR como perecer. O ser, respectivamente o não-ser, “passa”. O que isso significa com referência ao tempo? O ser do tempo é o agora; na medida, porém, em que todo agora é agora-não-mais ou sempre agora-antes-ainda-não, ele também pode ser apreendido como não-ser. Tempo é o devir “intuicionado”, ou seja, a passagem que não é pensada, mas que simplesmente se oferece na sequência dos agora. Ao se determinar a essência do tempo como “devir intuicionado”, revela-se que: o tempo é compreendido, primariamente, a partir do agora e de tal maneira como é suscetível de ser deparado pela intuição pura. STMSC: §82
Se Hegel chama o tempo de “devir intuicionado”, então nele não prevalece o SURGIR nem o perecer. Mas, por vezes, ele também caracteriza o tempo como a “abstração do desgaste”, fornecendo, assim, a fórmula mais radical da experiência e interpretação vulgares do tempo. Por outro lado, Hegel é suficientemente consequente para não atribuir, na definição própria do tempo, nenhuma primazia ao desgaste e ao passageiro, primazia que ele, com razão, sustenta na experiência cotidiana do tempo. Pois Hegel tanto não pôde fundamentar dialeticamente essa primazia como a “circunstância”, por ele admitida como evidente, de que o agora emerge no colocar-se para-si do ponto. Assim, na caracterização do tempo como devir, Hegel também compreende o devir em sentido “abstrato”, que ultrapassa a representação de “fluxo” do tempo. A expressão mais adequada da concepção hegeliana do tempo reside na determinação do tempo como negação da negação (isto é, da pontualidade). Aqui, a sequência dos agora é formalizada ao extremo e nivelada, de forma insuperável. É somente partindo desse conceito dialético-formal do tempo que Hegel pode expor o nexo entre tempo e espírito. STMSC: §82