Stambaugh (1991:46-49) – tempo existencial em Heidegger

detalhe

Os três modos de experiência com os quais o tempo está relacionado são a compreensão, a disposição e o discurso. Estes três modos põem em causa a distinção filosófica tradicional entre a razão e os sentidos. Relacioná-los com a contagem e a medição simplesmente não faz sentido. Assim, dada a sua concepção dos modos da experiência humana e dado o tempo como a estrutura dessa experiência, Heidegger já está fora da concepção tradicional do homem e do tempo.

A compreensão (Verstehen), que não é idêntica à razão, está primordialmente relacionada com o futuro, com o nosso “projeto” existencial fundamental, com todas as suas potencialidades concretas, e dá-nos a nossa dimensão de transcendência. Nas palavras de Sartre, somos sempre mais do que aquilo que somos. Não posso ser simplesmente equiparado ao meu estado atual; posso tornar-me algo muito mais e muito melhor do que esse estado. Claro que há sempre a possibilidade de me tornar algo muito menos e muito pior.

A disposição (Befindlichkeit: literalmente, como me encontro em mim mesmo) está principalmente relacionada com o passado, com nosso “ser-jogado”, com o fato de termos sido jogados para o mundo, e impõe-nos a restrição da facticidade. Há certos elementos na minha existência que toda a liberdade do mundo não pode alterar. O tempo e o lugar em que nasci, certas coisas que fiz ou deixei por fazer, tudo isto são fatores inexoráveis com os quais tenho de me confrontar e que não posso alterar. É verdadeiramente inovador o fato de Heidegger colocar a disposição e os estados de espírito no centro da sua análise existencial; durante dois mil anos, os filósofos agiram como se os estados de espírito não existissem.

Por fim, o discurso (Rede) está principalmente relacionado com o presente. Por discurso, Heidegger entende não apenas a fala e o falar como tal, mas também e principalmente o diálogo interior que temos conosco mesmo, a articulação interior dos nossos pensamentos.

Agora, temos de nos distanciar da concepção aristotélica do tempo em que o passado é aquilo que já não existe, o futuro é aquilo que ainda não existe, e o presente é uma espécie de agora “em fio da navalha” que nem sequer faz parte do tempo. Aqui, Heidegger recorre ao significado literal das palavras alemãs para os seus objetivos. O futuro (die Zukunft) é literalmente o que vem em minha direção e já é/está comigo. O passado (die Gewesenheit) é o que já foi e ainda é. O presente (die Gegenwart) é o que emerge do encontro do futuro e do ter sido nos sentidos das palavras discutidas. Projeto-me em direção às minhas potencialidades existenciais e, ao fazê-lo, regresso à facticidade do meu ter-sido, do que fiz e fui até agora. Assim se engendra o presente. O tempo não é concebido como uma sequência linear de “agoras” não relacionados; o futuro, o ter-sido e o presente estão sempre inseparavelmente juntos. O futuro não é “mais tarde” do que o passado; o passado não é “mais cedo” do que o presente.

original

  1. Being and Time, Section 65, my translation.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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