Stambaugh (1986:IV) – temporalidade [Zeitlichkeit]

Agora, o que há de “novo” no conceito de temporalidade de Heidegger? Alguém que navegue por tempo suficiente nos tenebrosos campos da filosofia pode acabar percebendo que não há muitas ideias filosóficas novas; de fato, não há muitas ideias filosóficas. O próprio Heidegger, em seus escritos sobre a história da filosofia ou da metafísica, estava acostumado a dizer que cada pensador tem um pensamento, o pensamento que governa e orienta todo o seu pensamento. Assim, ele poderia sucintamente (87) discutir a história da filosofia com a ajuda de um punhado de conceitos: O Uno, o Logos, a ideia, ousia, energeia, substância, realidade, percepção, a mônada, objetividade, o ser postulado, ou autoposição no sentido da vontade da razão, amor, espírito, poder, a vontade de querer na eterna recorrência do mesmo. Esses doze conceitos o levam de Platão a Nietzsche. Para nossos propósitos aqui, não importa se a análise de Heidegger da história da filosofia é “precisa” ou arbitrária. Desejamos apenas ilustrar o fato de que as ideias filosóficas são poucas e distantes entre si, e sugerir a afirmação de que a temporalidade é uma dessas ideias. É claro que a temporalidade não é o interesse central de Heidegger. Este é o Ser. Ainda assim, foi a temporalidade que colocou Heidegger no caminho para o Ser e o levou tão longe quanto ele foi capaz de ir. E a afinidade penetrante entre o Fora-de-Si original da temporalidade e as ideias posteriores, prefiguradas em Ser e Tempo, de Abertura (Lichtung) e Apropriação (Ereignis), são inconfundíveis. Todo o significado de ek-stasis, êxtase, existência, estar fora de si mesmo e a ênfase um pouco posterior de estar dentro de si mesmo (o homem é o substituto do nada, der Platzhalter des Nichts) culminam nas ideias tardias de Abertura, perduração e Apropriação. Pode-se dizer que Lichtung (Abertura) é o “aí” do próprio Ser, Austrag (perdurabilidade) é a recepção e a condução dessa Lichtung pelo homem, e Ereignis é o pertencimento de ambos. Essa caracterização provavelmente não é exatamente “falsa”, mas é, obviamente, enganosa. Mas temos que sair dos trilhos em algum momento, nem que seja para descansar nossos pés filosóficos. Até mesmo Holzwege tem trilhas secundárias.

Essas observações não têm a intenção de simplesmente transpor o que Heidegger quer dizer com temporalidade para a dimensão do Ser. Elas devem servir apenas para apontar a afinidade.

O que me parece novo na análise de Heidegger sobre a temporalidade é o fato de fazer a tentativa quase impossível de declarar em palavras o que é a temporalidade, e isso significa, especificamente para o tempo, como este ocorre. Os filósofos têm falado sobre o tempo desde Heráclito e Parmênides. Os pensadores dos séculos XIX e XX deram uma enorme ênfase ao tempo e ao processo, sem tentar ou sem conseguir dizer como isso ocorre. O maior exemplo disso é Hegel, cuja filosofia inteira (88) se baseia no processo e que, no entanto, é incapaz de pensar na comensurabilidade da dialética e do tempo. O processo dialético procede “no tempo” enquanto supera o tempo como algo externo a ele. Mas como esse processo dialético procede? Dizer que ele “se move” da tese para a antítese para a síntese ou do em-si para o para-si para o em-e-para-si não é explicar ou mesmo descrever esse movimento em si. Como passamos da tese para a antítese? Pela negação. Por uma negação que substitui (hebt auf, nega) a coisa em sua mera individualidade, preserva-a em seu ser essencial e a eleva a uma realidade superior.) Mas o conceito de negação de Hegel, que é posicionalmente (positing, thetic) dialético, não é temporal e não explica realmente como o processo pode se mover.

Em sua discussão sobre o tempo, outro filósofo de um tipo bem diferente, Bergson, afirma em um ponto que

Não há dúvida de que para nós o tempo é, a princípio, idêntico à continuidade de nossa vida interior. O que é essa continuidade? A de um fluxo ou passagem, mas um fluxo ou passagem autossuficiente, o fluxo não implicando uma coisa que flui, e a passagem não pressupondo estados pelos quais passamos; a coisa e o estado são apenas instantâneos artificiais da transição; e essa transição, tudo o que é naturalmente experimentado, é a própria duração.

Essa passagem de Bergson, reconhecidamente bastante isolada, mostra claramente um certo parentesco com Heidegger, pois entende as coisas e os estados como abstrações artificiais. Mas quando procuramos o que é que não é coisa ou estado, somos apresentados a termos como continuidade, fluxo, passagem, transição e, finalmente, duração. Todos esses termos pressupõem que sabemos como eles fluem, transitam, perduram; em suma, ocorrem. Não descrevem a estrutura da ocorrência. Peço desculpas por ter me apoiado tanto na palavra estrutura, mas ela é indispensável para indicar o que estou tentando entender aqui.

Agora, a temporalidade para Heidegger não é, estritamente falando, um processo. É uma estrutura de ocorrência. A palavra estrutura aqui significa precisamente que a temporalidade não é algo que ocorre “no tempo”, mas, para usar as palavras de Heidegger, algo que se temporaliza. Um “processo” – o termo é suficientemente vago (89) – pressupõe a serialidade do tempo, seu caráter de sucessão. É precisamente essa serialidade que Heidegger afirma ser uma concepção derivada do tempo, que remonta à análise de Aristóteles do tempo como uma série de pontos-agora.

É claro que isso não equivale a negar a existência de um processo no mundo. Isso seria ridículo. Mas a estrutura da temporalidade e, no nível final do pensamento de Heidegger, o significado do próprio Ser é o pressuposto para a natureza de qualquer processo possível e é “responsável” por ele. No nível final do pensamento de Heidegger, os destinos (Geschicke, literalmente, o que é enviado) e as épocas do ser são, por assim dizer, no vernáculo, um negócio “único”. Uma vez que uma época do ser tenha sido enviada, resta apenas que a natureza dessa época se desenvolva.

Para ser imperdoavelmente ôntico, é como se o ser fosse o arremessador em um jogo de beisebol, lançando bolas para o batedor (homem), que erra (nada realmente acontece) ou acerta (é apropriado pela bola). Em seguida, começa o caráter processual da época (strike), determinando assim o jogo como tal, com o campo externo correndo, arremessando, pegando, deslizando, etc. A única pergunta aqui é: Quem é o árbitro?