ser-para-o-fim

Antes de se anular o problema da totalidade da presença (Dasein), devem buscar-se as respostas reclamadas por essas questões. A questão sobre a totalidade da presença (Dasein) que, do ponto de vista existenciário, emerge como a questão da possibilidade dela poder-ser-toda e, do ponto de vista existencial, como a questão da constituição de ser de “fim” e “totalidade”, abriga a tarefa de uma análise positiva dos fenômenos da existência até aqui postergados. No centro dessas considerações acha-se a caracterização ontológica do SER-PARA-O-FIM em sentido próprio da presença (Dasein) e a conquista de um conceito existencial da morte. As investigações referidas a essas questões articulam-se da seguinte maneira: a possibilidade de se experimentar a morte dos outros e de se apreender toda a presença (Dasein) (§47); o pendente, o fim e a totalidade (§48); a delimitação da análise existencial da morte frente a outras interpretações possíveis do fenômeno (§49); prelineamento da estrutura ontológico-existencial da morte (§50); o ser-para-a-morte e a cotidianidade da presença (Dasein) (§51); o SER-PARA-O-FIM cotidiano e o pleno conceito existencial da morte (§52); o projeto existencial de um ser-para-a-morte em sentido próprio (§53). STMSC §46

Da mesma forma que a presença (Dasein), enquanto é, constantemente já é o seu ainda-não, ela também já é sempre o seu fim. O findar implicado na morte não significa o ser e estar-no-fim da presença (Dasein), mas {CH: a morte como morrer} o seu SER-PARA-O-FIM. A morte é um modo de ser que a presença (Dasein) assume no momento em que é. “Para morrer basta estar vivo”. STMSC §48

Enquanto SER-PARA-O-FIM, o findar reclama um esclarecimento ontológico haurido no modo de ser da presença (Dasein). E, presumivelmente, apenas a partir da determinação existencial do findar é que se fará compreensível a possibilidade do caráter existencial de um modo de ser do ainda-não que se encontra “antes” do “fim”. O esclarecimento existencial do SER-PARA-O-FIM poderá fornecer a base suficiente para se delimitar o sentido possível em que se fala de uma totalidade da presença (Dasein), desde que essa totalidade seja constituída pela morte, entendida como “fim”. STMSC §48

A análise ontológica do SER-PARA-O-FIM, por outro lado, não concebe previamente nenhum posicionamento existenciário frente à morte. Caso se determine a morte como “fim” da presença (Dasein), isto é, do ser-no-mundo, ainda não se poderá decidir onticamente se, “depois da morte” um outro modo de ser, seja superior ou inferior, é ainda possível, se a presença (Dasein) “continua vivendo” ou ainda se ela é “imortal”, sobrevivendo a si mesma. Também nada se poderá decidir onticamente a respeito do “outro mundo” e de sua possibilidade e nem tampouco sobre “este mundo”, no sentido de se propor normas e regras “edificantes” de comportamento frente à morte. Interpretando-se o fenômeno meramente como algo que se instala na presença (Dasein) enquanto possibilidade ontológica de cada presença (Dasein) singular, a análise da morte permanecerá inteiramente “neste mundo”. A questão sobre o que há depois da morte apenas terá sentido, razão e segurança metodológica caso se conceba a morte em toda sua essência ontológica. Aqui não se poderá tampouco decidir se essa questão apresenta uma questão teórica possível. A interpretação ontológica da morte ligada a este mundo precede toda especulação ôntica referida ao outro mundo. STMSC §49

Por outro lado, a análise não pode ater-se a uma ideia da morte, cogitada ao acaso e arbitrariamente. Somente uma caracterização ontológica prévia do modo de ser em que o “fim” se instala na cotidianidade mediana da presença (Dasein) é que pode guiar esse arbítrio. Para isso, é necessário representar, integralmente, as estruturas da cotidianidade, antes expostas. Que, numa análise existencial da morte, ressoem possibilidades existenciárias do ser-para-a-morte, isso reside na essência de toda investigação ontológica. Quanto mais explicitamente a não vinculação existenciária acompanhar a determinação existencial do conceito, e isso em específico no tocante à morte, mais agudamente poder-se-á desvelar o caráter de possibilidade da presença (Dasein). A problemática existencial almeja unicamente à apresentação da estrutura ontológica do SER-PARA-O-FIM da presença (Dasein). STMSC §49

As considerações feitas a respeito do pendente, do fim e totalidade resultaram na necessidade de se interpretar o fenômeno da morte como SER-PARA-O-FIM, a partir da constituição fundamental da presença (Dasein). Somente assim é que se pode esclarecer como, na própria presença (Dasein) e de acordo com sua estrutura ontológica, o SER-PARA-O-FIM possibilita o ser-todo da presença (Dasein). Mostrou-se a cura como constituição fundamental da presença (Dasein). O significado ontológico desse termo exprime-se na seguinte “definição”: já anteceder-a-si-mesma-em (um mundo) como ser-junto-aos entes (intramundanos) que vêm ao encontro. Com isso, explicitam-se os caracteres fundamentais do ser da presença (Dasein): no anteceder-a-si-mesma, a existência, no já-ser-em…, a facticidade, no ser-junto-a, a decadência. Se, portanto, a morte pertence, num sentido privilegiado, ao ser da presença (Dasein), ela (e o SER-PARA-O-FIM) devem poder ser determinados por esses caracteres. STMSC §50

Recusou-se como inadequada a interpretação do ainda-não e com isso também do ainda-não mais extremo, isto é, do fim da presença (Dasein), no sentido do que está pendente. Isso porque essa interpretação implica um desvio ontológico da presença (Dasein) para o ser simplesmente dado. Existencialmente, estar-no-fim diz SER-PARA-O-FIM. O ainda-não mais extremo possui o caráter daquilo com que a presença (Dasein) se relaciona. Para a presença (Dasein), o fim é impendente. A morte não é algo simplesmente ainda-não dado e nem o último pendente reduzido ao mínimo, mas, muito ao contrário, algo impendente, iminente. STMSC §50

A morte é uma possibilidade ontológica que a própria presença (Dasein) sempre tem de assumir. Com a morte, a própria presença (Dasein) é impendente em seu poder-ser mais próprio. Nessa possibilidade, o que está em jogo para a presença (Dasein) é pura e simplesmente seu ser-no-mundo. Sua morte é a possibilidade de poder não mais ser presença (Dasein). Se, enquanto essa possibilidade, a presença (Dasein) é, para si mesma, impendente, é porque depende plenamente de seu poder-ser mais próprio. Sendo impendente para si, nela se desfazem todas as remissões para outra presença (Dasein). Essa possibilidade mais própria e irremissível é, ao mesmo tempo, a mais extrema. Enquanto poder-ser, a presença (Dasein) não é capaz de superar a possibilidade da morte. A morte é, em última instância, a possibilidade da impossibilidade pura e simples de presença (Dasein). Desse modo, a morte desvela-se como a possibilidade mais própria, irremissível e insuperável. Como tal, ela é um impendente privilegiado. Essa possibilidade existencial funda-se em que a presença (Dasein) está, essencialmente, aberta para si mesma e isso no modo de anteceder-a-si-mesma. Esse momento estrutural da cura possui sua concreção mais originária no ser-para-a-morte. O SER-PARA-O-FIM torna-se, fenomenalmente, mais claro como ser-para essa possibilidade privilegiada da presença (Dasein). STMSC §50

O SER-PARA-O-FIM não se origina primeiro de uma postura que, às vezes, acontece, mas pertence, de modo essencial, ao estar-lançado da presença (Dasein), que na disposição (do humor) se desvela dessa ou daquela maneira. O “saber” ou “não-saber” que, de fato, sempre vigora em cada presença (Dasein), a respeito do SER-PARA-O-FIM mais próprio, é apenas a expressão da possibilidade existenciária de se manter nesse modo de ser. Que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, muitos de fato não sabem da morte, isso não pode ser aduzido como prova de que o ser-para-a-morte não pertença “de maneira geral” à presença (Dasein). Isso apenas mostra que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença (Dasein) encobre para si mesma o ser-para-a-morte mais próprio em dele fugindo. É existindo que a presença (Dasein) morre de fato, embora, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, o faça no modo da decadência. Pois existir faticamente não é somente um poder-ser-lançado no mundo, genérico e indiferente, já sendo também um empenhar-se no “mundo” das ocupações. Nesse decadente ser-junto-a, anuncia-se a fuga da estranheza, isto significa, do ser-para-a-morte mais próprio. Existência, facticidade, decadência caracterizam o SER-PARA-O-FIM, constituindo, pois, o conceito existencial da morte. No tocante à sua possibilidade ontológica, o morrer funda-se na cura {CH: mas a cura vige a partir da verdade do ser}. STMSC §50

Pertencendo originária e essencialmente ao ser da presença (Dasein), o ser-para-a-morte deve também ser comprovado na cotidianidade embora numa primeira aproximação, de maneira imprópria. E caso o SER-PARA-O-FIM deva oferecer a possibilidade existencial para um ser-todo existenciário da presença (Dasein), ter-se-ia então aí a confirmação fenomenal da seguinte tese: cura designa, ontologicamente, a totalidade do todo estrutural da presença (Dasein). A fim de legitimar fenomenalmente essa proposição não basta apenas um prelineamento do nexo entre ser-para-a-morte e cura. A proposição deve fazer- se visível, sobretudo na concreção mais imediata da presença (Dasein), a saber, em sua cotidianidade. STMSC §50

Tentação, tranquilização e alienação caracterizam, porém, o modo de ser da decadência. Decadente, o ser-para-a-morte cotidiano é uma insistente fuga dele mesmo. O SER-PARA-O-FIM possui o modo de um escape dele mesmo, que desvirtua, vela e compreende impropriamente. Que a própria presença (Dasein) sempre morre de fato, ou seja, que é num ser para o fim, esse fato fica velado porque transforma-se a morte num caso da morte dos outros, que ocorre todos os dias e que, de todo modo, nos assegura com mais evidência que “ainda se está vivo”. Com a fuga decadente da morte, porém, a cotidianidade da presença (Dasein) também atesta que o próprio impessoal, mesmo quando não está explicitamente “pensando na morte”, já está sempre se determinando como ser-para-a-morte. Também na cotidianidade mediana, o que está em jogo na presença (Dasein) é este poder-se mais próprio, irremissível e insuperável, conquanto seja apenas no modo da ocupação de uma indiferença imperturbável frente à possibilidade mais extrema de sua existência. STMSC §51

A exposição do ser-para-a-morte cotidiano também fornece uma indicação para se tentar assegurar o pleno conceito existencial do SER-PARA-O-FIM, mediante uma interpretação mais aprofundada do ser-para-a-morte na decadência, que aparece como escape de si e da morte. No isso de que se foge, já mostrado com suficiência fenomenal, deve ser possível projetar, fenomenologicamente, de que maneira a presença (Dasein), que tenta escapar, compreende ela mesma a sua morte. STMSC §51

Num prelineamento existencial, determinou-se o SER-PARA-O-FIM como o ser para o poder-ser mais próprio, irremissível e insuperável. O ser que existe para essa possibilidade coloca diante de si a pura e simples impossibilidade de existência. Além dessa caracterização aparentemente vazia do ser-para-a-morte, desvelou-se a concreção desse ser no modo da cotidianidade. Conforme a tendência essencial de decadência da cotidianidade, o ser-para-a-morte mostrou-se como escape encobridor da morte. Enquanto a investigação precedente passou do prelineamento formal da estrutura ontológica da morte para a análise concreta do SER-PARA-O-FIM cotidiano, deve-se, agora, invertendo-se a direção, conquistar o pleno conceito existencial da morte mediante uma interpretação complementadora do SER-PARA-O-FIM cotidiano. STMSC §52

A presença (Dasein) cotidiana encobre, na maior parte das vezes, a possibilidade mais própria, irremissível e insuperável de seu ser. Essa tendência fática de encobrimento confirma a seguinte tese: como fática, a presença (Dasein) está na não-verdade. Em consequência, a certeza inerente ao encobrimento do ser-para-a-morte só pode ser um ter-por-verdadeiro inadequado, e não uma espécie de incerteza, no sentido de dúvida. A certeza inadequada mantém encoberto aquilo de que está certa. Se a compreensão “impessoal” da morte é a de um acontecimento que vem ao encontro dentro do mundo, então a certeza a ela relacionada não diz respeito ao SER-PARA-O-FIM. STMSC §52

Nessa determinação “crítica” da certeza da morte e de seu caráter impendente, revela-se numa primeira aproximação mais uma vez o seu desconhecimento a respeito do ser da presença (Dasein), característico da cotidianidade e do ser-para-a-morte que lhe pertence. A certeza “meramente” empírica da ocorrência do deixar de viver nada decide sobre a certeza da morte. Os casos de morte podem dar azo faticamente a que a presença (Dasein), de início, fique atenta para a morte. Permanecendo na certeza empírica, acima caracterizada, a presença (Dasein) não consegue, em absoluto, ter certeza da morte naquilo que ela “é”. Embora no impessoalmente público a presença (Dasein) aparentemente só “fale” dessa certeza “empírica” da morte, no fundo ela não se atém, nem exclusiva e nem primariamente, aos casos de morte recorrentes. Escapando de sua morte, o SER-PARA-O-FIM cotidiano tem outro tipo de certeza da morte daquele pretendido por uma reflexão puramente teórica. Esse “outro” esconde-se, na maior parte das vezes, na cotidianidade. Esta não ousa aí fazer-se transparente. Com a disposição cotidiana caracterizada por um empenho “angustiado” nas ocupações e aparentemente sem angústia frente ao “fato” certo da morte, a cotidianidade admite uma certeza “superior” àquela meramente empírica. Sabe-se com certeza da morte e, no entanto, não se “está” propriamente certo dela. A cotidianidade decadente da presença (Dasein) conhece a certeza da morte mas escapa do estar-certo. Esse escape, no entanto, atesta fenomenalmente que a morte, aquilo de que se escapa, deve ser compreendida como a possibilidade mais própria, irremissível, insuperável, certa. STMSC §52

Pode a presença (Dasein) compreender também propriamente sua possibilidade mais própria, irremissível e insuperável, certa e, como tal, indeterminada, ou seja, pode ela se manter num ser-para-o-seu-fim em sentido próprio? Enquanto não se elaborar e determinar ontologicamente esse ser-para-a-morte em sentido próprio, a interpretação existencial do SER-PARA-O-FIM perpetuará uma falta essencial. STMSC §52

Fixou-se o conceito existencial da morte e, com ele, aquilo com que um SER-PARA-O-FIM em sentido próprio pode relacionar-se. Em seguida, caracterizou-se o ser-para-a-morte impróprio, delineando se, com isso, de modo proibitivo, como o ser-para-a-morte em sentido próprio não pode ser. Com essas referências positivas e proibitivas deve ser possível projetar a construção existencial de um ser-para-a-morte em sentido próprio. STMSC §53

Caracterizou-se a decisão como o projetar-se silencioso e pronto a angustiar-se para o ser e estar em dívida mais próprio. Este pertence ao ser da presença (Dasein) e significa o ser-fundamento nulo de um nada. A “dívida” inerente ao ser da presença (Dasein) não admite aumento e nem diminuição. Pois se acha antes de qualquer quantificação, caso esta possua de todo algum sentido. Essencialmente em dívida, a presença (Dasein) não pode de vez em quando estar em dívida e depois não mais. O querer-ter-consciência decide-se por esse ser e estar em dívida. No sentido próprio da decisão reside o projetar-se para esse ser e estar em dívida que a presença (Dasein) é enquanto é. O assumir existenciário dessa “dívida” na decisão só se realiza propriamente caso a decisão se torne, em sua abertura, tão transparente que compreenda o ser e estar em dívida como algo constante. Esse compreender, porém, só é possível porque a presença (Dasein) abre para si o poder-ser “até o fim”. Mas ser e estar-no-fim da presença (Dasein) diz, existencialmente, SER-PARA-O-FIM. A decisão só se torna propriamente aquilo que ela pode ser como SER-PARA-O-FIM que compreende, isto é, como antecipar da morte. A decisão não “possui” meramente um nexo com o antecipar no sentido de ser algo diferente dela. Ela abriga em si o ser-para-a-morte enquanto modalidade existenciariamente possível de sua própria propriedade. Cabe, pois, esclarecer, fenomenalmente, esse “nexo”. STMSC §62

A unidade dos momentos constitutivos da cura, existencialidade {CH: existência: 1) para todo o ser da presença (Dasein); 2) somente para o “compreender”}, facticidade e decadência, possibilitou uma primeira delimitação ontológica da totalidade do todo estrutural da presença (Dasein). A estrutura da cura chegou à seguinte fórmula existencial: anteceder-a-si-mesmo-em (um mundo) enquanto ser-junto-a (um ente intramundano que vem ao encontro). Embora articulada, a totalidade da estrutura da cura não resulta de um ajuntamento. Tivemos de avaliar esse resultado ontológico quanto à possibilidade de satisfazer as exigências de uma interpretação originária da presença (Dasein). Da reflexão resultou que não se tematizou nem toda a presença (Dasein) e nem o seu poder-ser próprio. A tentativa de apreender fenomenalmente toda a presença (Dasein) pareceu fracassar justamente na estrutura da cura. O anteceder-a-si-mesmo apresentou-se como um ainda-não. Para uma consideração genuinamente existencial, o anteceder-a-si-mesmo desvelou-se como o que está pendente, mas no sentido de SER-PARA-O-FIM que, no fundo de seu ser, toda presença (Dasein) é. Também esclarecemos que, no apelo da consciência, a cura faz apelo à presença (Dasein) para o seu poder-ser mais próprio. Entendida originariamente, o compreender do apelo revelou-se como decisão antecipadora. Ele abriga em si um poder-ser todo da presença (Dasein) em sentido próprio. A estrutura da cura não fala contra um possível ser-todo mas é a condição de possibilidade desse poder-ser existenciário. No encaminhamento da análise, tornou-se claro que os fenômenos existenciais de morte, consciência e dívida estão ancorados no fenômeno da cura. A articulação da totalidade do todo estrutural é ainda mais rica e, por isso, torna também mais urgente a questão existencial da unidade dessa totalidade. STMSC §64

A cura é ser-para-a-morte. A decisão antecipadora foi determinada como ser próprio para a possibilidade característica da absoluta impossibilidade da presença (Dasein). Nesse SER-PARA-O-FIM, a presença (Dasein) existe, total e propriamente, como o ente que pode ser “lançado na morte”. Ela não possui um fim em que ela simplesmente cessaria. Ela existe finitamente. Em sentido próprio, o porvir que temporaliza primariamente a temporalidade, que constitui o sentido da decisão antecipadora, desvela-se, portanto, como sendo em si mesmo finito. Mas “o tempo não continua” apesar de eu não mais estar presente? E muitas coisas não podem restar, ilimitadamente, no “futuro” e dele advir? STMSC §65

Embora não tenhamos visto até agora nenhuma possibilidade de um ponto de partida mais radical para a analítica existencial, levanta-se uma dúvida sobre o sentido ontológico da cotidianidade na discussão precedente: Será que, no que diz respeito ao seu ser-todo em sentido próprio, toda a presença (Dasein) foi de fato levada à posição prévia da analítica existencial? O questionamento referente à totalidade da presença (Dasein) pode até possuir uma precisão ontológica genuína. A própria questão pode, inclusive, ter encontrado a sua resposta no SER-PARA-O-FIM. A morte é, no entanto, apenas o “fim” da presença (Dasein) e, em sentido formal, apenas um dos fins que abrangem a totalidade da presença (Dasein). O outro “fim” é o “começo”, o “nascimento”. Só o ente “entre” nascimento e morte torna presente o todo que se procura. Desta forma, ficou “unilateral” a orientação dada até aqui à analítica, apesar de tender para o ser-todo existente e de explicar, genuinamente, o ser-para-a-morte próprio e impróprio. A presença (Dasein) só se fez tema existindo, por assim dizer, “para frente”, deixando, com isso, “para trás” de si todo o ter sido. Não apenas se desconsiderou o ser para o começo mas, sobretudo, a ex-tensão da presença (Dasein) entre nascimento e morte. Na análise do ser-todo, passou-se por cima do “nexo da vida” em que a presença (Dasein), constantemente e de algum modo, se mantém. STMSC §72

Onde, porém, se funda esse nivelamento do tempo do mundo e encobrimento da temporalidade? No próprio ser da presença (Dasein) que, à guisa de preparação, interpretamos como cura. Lançada e decadente, a presença (Dasein) está, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, perdida nas ocupações. Nessa perdição anuncia-se, contudo, a fuga encobridora da presença (Dasein) de sua existência própria, já caracterizada como decisão antecipadora. Na fuga das ocupações reside a fuga da morte, ou seja, o desviar o olhar do fim do ser-no-mundo. Esse desviar o olhar de… é, em si mesmo, um modo de ser para o fim que, ekstaticamente, é porvir. Enquanto um desviar o olhar da finitude, a temporalidade imprópria da presença (Dasein) decadente e cotidiana deve desconhecer o porvir próprio e, assim, também a temporalidade em geral. É justamente quando o impessoal dirige a compreensão vulgar da presença (Dasein) que se consolida a “representação” da “infinitude” do tempo público, que se esquece de si. O impessoal nunca morre porque, sendo a morte sempre minha e apenas compreendida existenciariamente em sentido próprio na decisão antecipadora, o impessoal nunca pode morrer. Nunca morrendo e compreendendo equivocadamente o SER-PARA-O-FIM, o impessoal dá uma interpretação característica à fuga da morte. Até o fim, ele “sempre ainda tem tempo”. Aqui se anuncia um ter tempo, no sentido de poder-perder: “agora ainda isso, então isso, e só mais isso e então…” O que, aqui, se compreende não é a finitude do tempo. Ao contrário, a ocupação empenha-se em agarrar o máximo possível do tempo que ainda vem e “continua passando”. Publicamente, o tempo é algo que cada um sempre toma e pode tomar. A sequência nivelada dos agora permanece inteiramente desconhecida, no que respeita à sua proveniência da temporalidade da presença (Dasein) singular, na convivência cotidiana. Como isso poderia afetar “o tempo”, ao menos em seu curso, se já não existe um homem simplesmente dado “no tempo”? O tempo continua a passar da mesma forma que ele já “era” quando um homem “entrou para a vida”. Impessoalmente, apenas se conhece o tempo público que nivela e que pertence a todo mundo, isto é, a ninguém. STMSC §81

Mas mesmo nessa pura sequência de agora que passa em si, o tempo originário ainda se revela através de todo nivelamento e encobrimento. A interpretação vulgar determina o fluxo temporal como a série irreversível de um após outro. Por que o tempo não se reverte? Em si mesmo e justamente quando se encara a sequência dos agora, não se pode perceber por que a sequência dos agora não poderia reaparecer na direção inversa. A irreversibilidade se funda no tempo público oriundo da temporalidade, cuja temporalização, sendo primordialmente porvir, “vai”, ekstaticamente, até seu fim, de tal maneira que ela já “é” SER-PARA-O-FIM. STMSC §81