O “SER-JUNTO” ao mundo, no sentido de empenhar-se no mundo, o que ainda deve ser interpretado mais precisamente, é um existencial fundado no ser-em. Nestas análises, trata-se de ver uma estrutura originária do ser da presença [Dasein], cujo conteúdo fenomenal deve ser articulado pelos conceitos de ser. Como, no entanto, esta estrutura não pode ser apreendida em princípio pelas categorias ontológicas tradicionais, este “ser-junto-a” deve ser explicado mais de perto. Escolhemos, mais uma vez, a via em que se lhe contrapõe uma relação de ser ontologicamente diversa, ou seja, a relação categorial, que exprimimos com as mesmas formas verbais. Estas apresentações fenomenais de distinções ontológicas fundamentais que, no entanto, se podem facilmente confundir, devem ser realizadas explicitamente, mesmo correndo-se o perigo de se discutir “evidências”. [100] O estado da análise ontológica mostra, porém, que de há muito não temos, suficientemente sob nossas “garras” estas evidências e só raramente as interpretamos de acordo com o sentido de seu ser e que, sobretudo, ainda não dispomos de conceitos adequados para uma cunhagem segura de sua estrutura. STMSCC: §12
Como existencial, o “SER-JUNTO” ao mundo nunca indica um simplesmente dar-se em conjunto de coisas que ocorrem. Não há nenhuma espécie de “justaposição” de um ente chamado “presença [Dasein]” a um outro ente chamado “mundo”. Por vezes, sem dúvida, costumamos exprimir com os recursos da língua o conjunto de dois entes simplesmente dados, dizendo: “a mesa está junto à porta”, “a cadeira ‘toca’ a parede”. Rigorosamente, nunca se poderá falar aqui de um “tocar”, não porque sempre se pode constatar, num exame preciso, um espaço entre a cadeira e a parede, mas porque, em princípio, a cadeira não pode tocar a parede mesmo que o espaço entre ambas fosse igual a zero. Para tanto, seria necessário pressupor que a parede viesse ao encontro “da” cadeira. Um ente só poderá tocar um outro ente simplesmente dado dentro do mundo se, por natureza, tiver o modo do ser-em, se, com sua presença [Dasein], já se lhe houver sido descoberto um mundo. Pois a partir do mundo o ente poderá, então, revelar-se no toque e, assim, tornar-se acessível em seu ser simplesmente dado. Dois entes que se dão simplesmente dentro do mundo e que, além disso, são em si mesmos destituídos de mundo, nunca podem “tocar”-se, nunca um deles pode “ser e estar junto ao” outro. Não pode faltar o acréscimo: “e, além disso, são em si mesmos destituídos de mundo”, porque também o ente que não é destituído de mundo, por exemplo, a própria presença [Dasein], se dá simplesmente “no” mundo ou, mais precisamente, também pode ser apreendido, com certa razão e dentro de certos limites, como algo simplesmente dado. Para isso, no entanto, é preciso que se desconsidere inteiramente, isto é, que não se veja a constituição existencial do ser-em. Mas não se deve confundir essa possibilidade de apreender a “presença [Dasein]” como um dado e somente como simples dado com um modo de “ser simplesmente dado”, próprio da presença [Dasein]. Pois este ser simplesmente dado não é acessível quando se desconsideram as estruturas específicas da presença [Dasein]. Ele só se torna acessível em sua compreensão prévia. A presença [Dasein] compreende o [101] seu ser mais próprio no sentido de um certo “ser simplesmente dado fatual”. Na verdade, a “fatualidade” do fato da própria presença [Dasein] é, em seu ser, fundamentalmente diferente da ocorrência fatual de uma espécie qualquer de pedras. Chamamos de facticidade o caráter de fatualidade do fato da presença [Dasein] em que, como tal, cada presença [Dasein] sempre é. À luz da elaboração das constituições existenciais básicas da presença [Dasein], a estrutura complexa desta determinação ontológica só poderá ser apreendida em si mesma como problema. O conceito de facticidade abriga em si o ser-no-mundo de um ente “intramundano”, de maneira que este ente possa ser compreendido como algo que, em seu “destino”, está ligado ao dos entes que lhe vêm ao encontro dentro de seu próprio mundo. STMSCC: §12
Porque, em sua essência, o ser-no-mundo é cura, pode-se compreender, nas análises precedentes, o ser junto ao manual como ocupação e o ser como co-presença dos outros nos encontros dentro do mundo como preocupação. O SER-JUNTO a é ocupação porque, enquanto modo de ser-em, determina-se por sua estrutura fundamental, que é a cura. A cura caracteriza não somente a existencialidade, separada da facticidade e decadência, como também abrange a unidade dessas determinações ontológicas. A cura não indica, portanto, primordial ou exclusivamente, uma atitude isolada do eu consigo mesmo. A expressão “cura de si mesmo”, de acordo com a analogia de ocupação e preocupação, seria uma tautologia. A cura não pode significar uma atitude especial para consigo mesma porque essa atitude já se caracteriza ontologicamente como anteceder-a-si-mesma; nessa determinação, porém, já se acham também colocados os outros dois momentos estruturais da cura, a saber, o já ser-em e o SER-JUNTO a. STMSCC: §41
Entretanto, a análise anterior da mundanidade do inundo e dos entes intramundanos mostrou que a descoberta dos entes intramundanos funda-se na abertura de mundo. Abertura, porém, é o modo fundamental da presença [Dasein] segundo o qual ela é o seu pre [das Da]. A abertura constitui-se de disposição, de compreender e de fala, referindo-se, de maneira igualmente originária, ao mundo, ao ser-em e ao ser-si-mesmo. A estrutura da cura enquanto anteceder-a-si-mesma-no-já-estar-num-mundo-como SER-JUNTO aos entes intramundanos, resguarda em si a abertura da presença [Dasein]. Com ela e por ela é que se dá a descoberta. Por isso, somente com a abertura da presença [Dasein] é que se alcança o fenômeno mais originário da verdade. O que antes se demonstrou quanto à STMSCC: §44
A possibilidade mais própria é irremissível. O antecipar permite à presença [Dasein] compreender que o poder-ser, onde o que está em jogo é o seu próprio ser, só pode ser assumido por ela mesma. A morte não apenas “pertence” de forma não indiferente à própria presença [Dasein], como reivindica a presença [Dasein] enquanto singular. A irremissibilidade da morte, compreendida no antecipar, singulariza a presença [Dasein] em si mesma. Essa singularização é um modo de se abrir o “pre [das Da]” para a existência. Ela revela que todo SER-JUNTO a uma ocupação e todo ser-com os outros falha quando se trata de seu poder-ser mais próprio. Assim, a presença [Dasein] só pode ser propriamente ela mesma quando ela mesma dá a si essa possibilidade. A falha da ocupação e da preocupação não significa, contudo, de forma alguma, que esses modos da presença [Dasein] se descartem de seu ser próprio em sua propriedade. Enquanto estruturas essenciais da constituição da presença [Dasein], esses modos também pertencem à condição de possibilidade da existência. A presença [Dasein] é propriamente ela mesma, apenas à medida que, enquanto SER-JUNTO a… na ocupação e ser-com… [340] na preocupação, ela se projeta primariamente para o seu poder-ser mais próprio e não para a possibilidade do impessoalmente-si-mesma. O antecipar da possibilidade irremissível obriga o ente que assim antecipa a possibilidade de assumir seu próprio ser a partir de si mesmo e para si mesmo. STMSCC: §53