ser-fundamento

Grundsein

Esses significados vulgares de ser e estar em dívida enquanto “ter dívidas junto a…” e “ser aquele a quem algo se deve…” podem misturar-se e determinar um comportamento que denominamos de “fazer-se culpado”, ou seja, sendo responsável por uma dívida, ferir seu direito e por isso tornar-se passível de punição. A exigência [361] não satisfeita não precisa necessariamente referir-se a uma posse, pois pode dizer respeito à convivência pública em geral. Este “fazer-se culpado” na violação de um direito pode também possuir o caráter de um “tornar-se culpado em relação a outros”. Isso não ocorre por violação do direito como tal mas por eu ser aquele a quem se deve que um outro esteja em perigo, desoriente-se ou até mesmo fracasse em sua vida. Este tornar-se culpado é possível sem que se viole a lei “pública”. O conceito formal do ser e estar em dívida no sentido de tornar-se culpado com relação a outrem deixa-se formular do seguinte modo: SER-FUNDAMENTO e causa da falta na presença [Dasein] de um outro, de tal maneira que esse próprio SER-FUNDAMENTO e causa determina-se como “faltoso” a partir de seu para quê. Esta falta está em não se satisfazer uma exigência do ser-com os outros existente. STMSCC: §58

Por outro lado, a ideia de “dívida” não está isenta do caráter de não. Se a “dívida” deve poder determinar a existência, surge então o problema ontológico de se esclarecer, existencialmente, o caráter de não desse não. Ademais pertence à ideia de “dívida” o que, em seu conceito, se exprimiu de modo indiferente como “ser aquele a que algo se deve”, a saber: SER-FUNDAMENTO de… Por isso, determinamos de maneira existencial e formal a ideia de “dívida” do seguinte modo: SER-FUNDAMENTO de um ser determinado por um não, isto é, SER-FUNDAMENTO de um nada. Se a ideia do não, constante do conceito de dívida compreendido existencialmente, exclui a referência a um ser simplesmente dado possível ou exigido e se, com isso, a presença [Dasein] não pode, em absoluto, ser medida por um ser simplesmente dado ou por um valor que ela mesma não é ou não é segundo seu modo de ser, isto é, que não existe, nesse caso cai por terra toda possibilidade de se avaliar como “faltoso” aquilo que é fundamento de uma falta. Partindo-se de uma falta “causada”, inerente ao modo de ser da presença [Dasein], partindo-se do não preenchimento de uma exigência, não se pode chegar ao faltoso da “causa”. O SER-FUNDAMENTO de… não precisa ter o mesmo caráter de não do privativo que nele se funda e dele emerge. O fundamento não precisa retirar o seu nada do que é por ele fundamentado. Isso significa: o ser e estar em dívida não resulta primordialmente de uma causa, ao contrário, a causa só é possível “fundamentada” num ser e estar em dívida originário. Será que isso pode ser demonstrado no ser da presença [Dasein]? Como isso é existencialmente possível? STMSCC: §58

E como é esse fundamento lançado? Ele só é projetando-se em possibilidades nas quais está lançado. O si-mesmo, que, como tal, tem de colocar o fundamento de si-mesmo, nunca dele pode-se apoderar, embora, ao existir, tenha de assumir SER-FUNDAMENTO. Ser o próprio fundamento lançado é o poder-ser em jogo na cura. STMSCC: §58

Sendo-fundamento, ou seja, existindo como lançada, a presença [Dasein] permanece constantemente aquém de suas possibilidades. Ela nunca pode existir antes e diante de seu fundamento mas sempre e somente a partir dele e enquanto ele. Ser-fundamento diz, portanto, nunca poder apoderar-se do ser mais próprio em seu fundamento. Esse não pertence ao sentido existencial do estar-lançado. Sendo-fundamento, a própria presença [Dasein] é um nada de si mesma. Nada não significa, em absoluto, não ser simplesmente dado, não subsistir, mas o não constitutivo desse ser da presença [Dasein], de seu estar-lançado. O caráter desse não determina-se, existencialmente, da seguinte maneira: sendo si-mesma, a presença [Dasein] é o ente que está-lançado enquanto si mesmo. Não por si mesma, mas em si mesma solta desde seu fundamento para ser enquanto esse fundamento. A presença [Dasein] não é o fundamento de seu ser porque este fundamento resultaria do próprio projeto. Mas enquanto ser si-mesmo, ela é o ser do fundamento. Esse é sempre e apenas fundamento de um ente cujo ser tem de assumir SER-FUNDAMENTO. STMSCC: §58

Existindo, a presença [Dasein] é seu fundamento, ou seja, é de tal modo que ela se compreende a partir de possibilidades e, assim se compreendendo, é o ente lançado. Isso implica, no entanto, que: podendo-ser, ela está sempre numa ou noutra possibilidade, ela constantemente não é uma ou outra e, no projeto existenciário, recusa uma ou outra. Enquanto lançado, o projeto não se determina apenas pelo nada de SER-FUNDAMENTO. Enquanto projeto, ele é em si mesmo essencialmente um nada. Todavia, essa determinação não significa, de modo algum, a qualidade ôntica do que não tem “sucesso” ou “valor”, mas um constitutivo existencial da estrutura ontológica do projetar-se. O nada mencionado pertence à presença [Dasein] enquanto o ser-livre para suas possibilidades existenciárias. A liberdade, porém, apenas se dá na escolha de uma possibilidade, ou seja, implica suportar não ter escolhido e não poder escolher outras. STMSCC: §58

Assim como na estrutura do projeto, o nada está essencialmente inserido na estrutura do estar-lançado. E este é o fundamento da possibilidade do nada da presença [Dasein] imprópria na decadência que, como tal, ela de fato já sempre se dá. Em sua essência, a cura está totalmente impregnada do nada. A cura – o ser da presença [Dasein] – enquanto projeto lançado diz, por conseguinte: o SER-FUNDAMENTO (nulo) de um nada. E isso significa: desde que se justifique a forma de determinação existencial da dívida como SER-FUNDAMENTO de um nada, a presença [Dasein] como tal é e está em dívida. STMSCC: §58

Caracterizou-se a decisão como o projetar-se silencioso e pronto a angustiar-se para o ser e estar em dívida mais próprio. Este pertence ao ser da presença [Dasein] e significa o SER-FUNDAMENTO nulo de um nada. A “dívida” inerente ao ser da presença [Dasein] não admite aumento e nem diminuição. Pois se acha antes de qualquer quantificação, caso esta possua de todo algum sentido. Essencialmente em dívida, a presença [Dasein] não pode de vez em quando estar em dívida e depois não mais. O querer-ter-consciência decide-se por esse ser e estar em dívida. No sentido próprio da decisão reside o projetar-se para esse ser e estar em dívida que a presença [Dasein] é enquanto é. O assumir existenciário dessa “dívida” na decisão só se realiza propriamente caso a decisão se torne, em sua abertura, tão transparente que compreenda o ser e estar em dívida como algo constante. Esse compreender, porém, só é possível porque a presença [Dasein] abre para si o poder-ser “até o fim”. Mas ser e estar-no-fim da presença [Dasein] diz, existencialmente, ser-para-o-fim. A decisão só se torna propriamente aquilo que ela pode ser como ser-para-o-fim que compreende, isto é, como antecipar da morte. A decisão não “possui” meramente um nexo com o antecipar no sentido de ser algo diferente dela. Ela abriga em si o ser-para-a-morte enquanto modalidade existenciariamente possível de sua própria propriedade. Cabe, pois, esclarecer, fenomenalmente, esse “nexo”. STMSCC: §62

A decisão antecipadora compreende a presença [Dasein] em seu ser-eestar em dívida essencial. Este compreender diz assumir, na existência, o ser e estar em dívida, diz SER-FUNDAMENTO lançado do nada. Assumir o estar-lançado significa, porém, ser, em sentido próprio, a presença [Dasein], no modo em que ela sempre já foi. Só é possível assumir o estar-lançado na medida em que a presença [Dasein] por vir possa ser “como já sempre foi”, no sentido mais próprio, isto é, possa ser o seu “ter sido”. Somente enquanto a presença [Dasein] é como eu sou o ter-sido é que ela, enquanto porvir, pode vir-a-si de maneira a vir de volta. Própria e porvindoura, a presença [Dasein] é propriamente o ter sido . Antecipar da possibilidade mais própria e extrema é vir de volta, em compreendendo, para o ter sido mais próprio. A presença [Dasein] só pode ser o ter sido sendo por-vindoura. O vigor de ter sido surge, de certo modo, do porvir. STMSCC: §65