ser-aí e homem

Por vezes, aqueles fundadores do abismo precisam ser consumidos no fogo do que se guarda, para que o SER-AÍ venha a ser possível para o HOMEM e, assim, seja salva a constância em meio ao ente, para que o ente mesmo experimente a restauração no aberto da contenda entre terra e mundo. Consequentemente, o ente é voltado para o interior de sua constância por meio do ocaso dos fundadores da verdade do seer. Tal movimento é exigido pelo próprio seer mesmo. Ele precisa dos que experimentam o ocaso; e, onde quer que um ente apareça, o seer já sempre se a-propriou desses fundadores que perecem em meio ao acontecimento, já sempre os atribuiu a si mesmo. Essa é a essenciação do seer mesmo: nós a denominamos o acontecimento apropriador. A riqueza da ligação volteante do seer com o SER-AÍ que lhe é entregue apropriadoramente é imensurável. A plenitude do acontecimento da apropriação é incalculável. E somente algo muito diminuto pode ser dito aqui “sobre o acontecimento apropriador” nesse pensar inicial. O que é dito é questionado e pensado em uma “conexão de jogo” do primeiro e do outro início a partir da “ressonância” do seer; ele é questionado e pensado em meio à indigência do abandono do ser para o “salto” em direção ao interior do seer. Esse “salto” tem por fim promover a “fundação” da verdade do seer como a preparação dos “que estão por vir” e “do último deus”. Esse dizer pensante é uma diretiva. Essa diretiva indica o livre abrigo da verdade do seer em meio ao ente como algo necessário, sem ser, contudo, uma ordem. Tal pensamento jamais pode ser transformado em uma doutrina: ele se subtrai completamente ao acaso da opinião. Além do mais, ele só dá uma diretiva aos poucos e ao seu saber, quando o que importa é o resgate dos homens da barafunda do não-ente, lançando-os para o interior da maleabilidade à junção característica de uma criação reservada dos sítios que são determinados para o passar ao largo do último deus. Mas se o acontecimento apropriador perfaz a essenciação do seer, o quão perto está, então, o perigo de que ele recuse e precise recusar o acontecimento da apropriação porque o HOMEM perdeu a força para o SER-AÍ, uma vez que a violência desencadeada do desvario em meio ao gigantesco o dominou sob a aparência da “magnitude”. No entanto, se o acontecimento apropriador se tornar recusa e denegação, isso significa apenas a retração do seer e o abandono do ente ao não-ente? Ou será que a denegação (o caráter de não do seer) pode se tornar no mais extremo o mais distante acontecimento da apropriação, posto que o HOMEM conceba esse acontecimento apropriador e o horror do pudor o recoloque na tonalidade afetiva fundamental da retenção e, com isto, já o exponha para o SER-AÍ? (tr. Casanova; GA65: 2)

Ninguém compreende o que “eu” penso aqui: deixar o SER-AÍ eclodir a partir da verdade do seer (e isso significa a partir da essenciação da verdade), para fundar aí o ente na totalidade e enquanto tal; e, em meio à sua fundação, o HOMEM. (tr. Casanova; GA65: 2)

A retenção, o meio afinador do espantar-se e do pudor, o traço fundamental da tonalidade afetiva fundamental, nela afina-se o SER-AÍ com vistas ao silêncio do passar ao largo do último deus. De maneira criadora nessa tonalidade afetiva fundamental do SER-AÍ, o HOMEM torna-se o guardião desse silêncio. Assim, a meditação inicial do pensar torna-se necessariamente um pensar autêntico, quer dizer, um pensar que estabelece a meta. Não uma meta qualquer e não a meta em geral, mas a meta única e, assim, particular de nossa história: é essa meta que é estabelecida. Essa meta é a própria busca, a busca do seer. Ele acontece e é mesmo a mais profunda descoberta, quando o HOMEM se torna aquele que vela pela verdade do seer, o guardião daquele silêncio e é decidido nessa direção. (tr. Casanova; GA65: 5)

Ser o que busca, o que vela, o que guarda – isto significa o cuidado enquanto traço fundamental do SER-AÍ. Em seu nome reúne-se a determinação do HOMEM, na medida em que ele é concebido a partir de seu fundamento, isto é, a partir do SER-AÍ, o qual se encontra apropriado em meio ao acontecimento e imerso na viragem para o acontecimento apropriador enquanto para a essência do seer e só pode se tornar insistente por força de sua origem como fundação do tempo-espaço (“temporialidade”), a fim de transformar a indigência do abandono do ser na necessidade da criação como a restituição do ente. E nos juntando à junção do seer, nós nos encontramos à disposição dos deuses. A própria busca é a meta. E isto significa: “metas” estão ainda por demais ligadas ao primeiro plano e sempre continuam se colocando diante do seer – e soterram o necessário. À disposição dos deuses – o que isto significa? E se os deuses forem o indecidido, porque ainda resta em um primeiro momento recusada a abertura da deização? Aquela palavra significa: à disposição para o ser usado no descerramento desse aberto. E aqueles que determinam previamente pela primeira vez a abertura desse aberto e que precisam realizar a afinação sobre eles, na medida em que repensam a essência da verdade e a elevam ao nível de questão, esses são os que são mais duramente usados. À “disposição dos deuses” – isto significa: se encontrar – muito para além e para fora – para fora do caráter corrente do “ente” e de suas interpretações; pertencer aos que se acham mais ao longe, para os quais a fuga dos deuses permanece o mais próximo em sua mais ampla subtração. (tr. Casanova; GA65: 5)

Toda e qualquer denominação da tonalidade afetiva fundamental por meio de uma única palavra fixa-se sobre uma opiniáo equivocada. Toda e qualquer palavra é sempre retirada do que é legado pela tradição. O fato de a tonalidade afetiva fundamental do outro início precisar ser dotada de muitos nomes não contesta sua simplicidade, mas confirma sua riqueza e sua estranheza. Toda e qualquer meditação sobre essa tonalidade afetiva fundamental é constantemente apenas uma lenta equipagem com vistas ao insight afinador da tonalidade afetiva fundamental, que precisa permanecer fundamentalmente um a-caso. A equipagem com vistas a tal a-caso só consiste naturalmente, de acordo com a essência da tonalidade afetiva, na ação pensante transitória; e essa ação precisa crescer a partir do saber propriamente dito (do resguardo da verdade do seer). Mas se o seer se essencia como a recusa e se essa recusa mesma deve vigorar em sua clareira e ser conservada como recusa, então a prontidão para a recusa só pode subsistir como abdicação. A abdicação não é aqui, contudo, o mero não querer ter e o deixar de lado, mas ela acontece como a forma mais elevada da posse, cuja elevação encontra a decisão na franqueza do entusiasmo pela doação do insondável pelo pensar, isto é, pela doação da recusa. Nessa decisão, o aberto da transição é retido e fundado – o em-meio-a abissal do entre em relação ao não-mais do primeiro início e de sua história e ao ainda-não do preenchimento do outro início. Nessa decisão, toda guarda do SER-AÍ precisa fincar pé, na medida em que o HOMEM como fundador do SER-AÍ precisa se tornar o guardião do silêncio do passar ao largo do último deus. Essa decisão, porém, enquanto pressentindo, é apenas a sobriedade da força de sofrimento do criador, aqui daquele que projeta a verdade do seer, que abre o silêncio para a violência essencial do ente, a partir da qual o seer (como acontecimento apropriador) torna-se apreensível. (tr. Casanova; GA65: 6)

O acontecimento apropriador se sobrepõe apropriadoramente ao deus no HOMEM, na medida em que ele se apropria do HOMEM para o deus. Essa apropriação sobre-apropriada em meio ao acontecimento é o acontecimento apropriador, no qual a verdade do seer é fundada como SER-AÍ (o HOMEM transformado, voltado para a decisão do SER-AÍ e ser-se-ausentando) e a história toma o seu outro início a partir do seer. A verdade do seer, porém, como abertura do encobrir-se é ao mesmo tempo voltada para a decisão quanto à distância e à proximidade dos deuses e, assim, a prontidão para o passar ao largo do último deus. (tr. Casanova; GA65: 7)

Se o saber como resguardo da verdade do verdadeiro (da essência da verdade no SER-AÍ) distingue o HOMEM (em face do animal racional até aqui) e o eleva ao nível da vigilância do seer, então o saber mais elevado é aquele que é suficientemente forte para ser a origem de uma abdicação. A renúncia é naturalmente considerada por nós como fraqueza e como transigência, como uma desarticulação da vontade; assim experimentada, a recusa é uma entrega e um deixar-se levar. Mas há uma renúncia que não apenas mantém firme, mas até mesmo conquista por meio do combate e suporta o sofrimento, aquela renúncia que emerge como a prontidão para a recusa, a retenção desse elemento estranho, que se essencia de tal modo como o próprio seer, aquele em meio ao ente e à deização, que arranja um espaço para o entre aberto, em cujo campo de jogo temporal o abrigo da verdade no ente e a fuga e chegada dos deuses se convertem um no outro. O saber da recusa (SER-AÍ como renúncia) desdobra-se como a longa preparação da decisão sobre a verdade, sobre se essa verdade é capaz de se tornar uma vez mais senhora do verdadeiro (isto é, do correto) e, assim, se ela é medida por aquilo que cai sob ela, se a verdade não permanece apenas a meta do conhecimento técnico-prático (um “valor” e uma “ideia”), mas se transforma ela mesma na fundação da insurreição da recusa. Esse saber desdobra-se como o questionamento que se projeta ampla e antecipadamente para frente, o questionamento acerca do seer, cuja questionabilidade obriga todo criar à indigência, erige para todo ente um mundo e salva o que há de confiável da terra. (tr. Casanova; GA65: 26)

O que é concebido é aqui originariamente a “quintessência” e essa em primeiro lugar e sempre referida à conexão que acompanha a viragem em direção ao cerne do acontecimento apropriador. De início, o caráter paradigmático pode ser indicado por meio da ligação, que todo e qualquer conceito de ser enquanto conceito, isto é, em sua verdade, tem com o SER-AÍ e, com isto, com a insistência do HOMEM histórico. Na medida, contudo, em que o SER-AÍ só se funda como pertencimento à conclamação na viragem do acontecimento apropriador, o mais íntimo da quintessência reside no conceito da própria viragem, naquele saber que, suportando a indigência do abandono do ser, se mantém na prontidão para a conclamação; naquele saber que fala, na medida em que antes silencia a partir da insistência suportadora no SER-AÍ. (tr. Casanova; GA65: 27)

O olhar que se volta para nós é realizado a partir do salto prévio no SER-AÍ. Para a primeira meditação, contudo, foi preciso tentar destacar ao menos uma vez junto aos modos de ser do HOMEM a diversidade do modo de ser do SER-AÍ em contraposição a todo “vivenciar” e a toda “consciência”. Todavia, é natural a sedução para restringir toda a meditação em Ser e tempo Parte I à esfera de uma antropologia apenas diversamente direcionada. (tr. Casanova; GA65: 30)

(As decisões) Sobre se o HOMEM quer permanecer “sujeito” ou se ele funda o SER-AÍ – Sobre se com o sujeito o “animal” enquanto a “substância” e o “racional” enquanto a “cultura” devem permanecer duradouramente ou se a verdade do seer (ver abaixo) encontra no SER-AÍ um sítio deveniente – Sobre se o ente toma o ser como o seu “elemento maximamente genérico” e, com isso, o entrega à e soterra na ontologia ou se o seer em sua unicidade ganha voz e atravessa de maneira afinadora o ente enquanto algo singular. Sobre se a verdade como correção se degenera na certeza da re-presentação e na segurança do cálculo e da vivência ou se a essência inicialmente infundada da aletheia encontra um fundamento como a clareira do encobrir-se – Sobre se o ente enquanto o que há de mais óbvio solidifica tudo o que é médio, pequeno e mediano em meio à sua transformação em algo racional ou se o que há de mais questionável constitui a solidez integral do seer – Sobre se a arte é uma instituição vivencial ou se ela é o pôr em obra da verdade. Sobre se a história é degradada e transformada em arsenal das confirmações e das antecipações ou se ela desponta como a cordilheira das montanhas estranhas e inescaláveis – Sobre se a natureza é rebaixada a uma região de espoliação pelo cálculo e pelo erigir e se transforma, assim, em ocasião de “vivência” ou se ela suporta como a terra que se cerra o aberto do mundo sem imagem. Sobre se a desdeização do ente na cristianização da cultura festeja seus triunfos ou se a indigência da indecidibilidade sobre a proximidade e a distância dos deuses prepara um espaço de decisão – Sobre se o HOMEM ousa o seer e, com isso, o ocaso ou se ele se satisfaz com o ente – Sobre se o HOMEM em geral ainda ousa a decisão ou se ele se entrega a ausência de toda decisão, que sugere a época como estado da “mais elevada” “atividade”. Todas essas decisões, que são ao que parece muitas e diversas, se reúnem em uma e única: saber se o seer se retrai definitivamente ou se essa retração se torna enquanto recusa a primeira verdade e o outro início da história. (tr. Casanova; GA65: 44)

No que o abandono do ser se anuncia: 1) A completa insensibilidade em relação ao múltiplo naquilo que é considerado essencial; plurissignificância provoca a perda de força e a má vontade em relação à decisão real e efetiva. Por exemplo, tudo o que significa a palavrapovo”: o elemento comunitário, o elemento racial, o baixo e o inferior, o nacional, o permanente; por exemplo, tudo aquilo que é chamado de “divino”. 2) O não saber mais o que é condição e o que é condicionado e incondicionado. Idolatria em relação às condições do seer histórico, do elemento populista, por exemplo, com toda a sua plurissignificância, transformando-o em algo incondicionado. 3) O permanecer preso no pensar e no estabelecimento de “valores” e “ideias”; sem qualquer questão séria, vê-se aí, como que em algo inalterável, a forma estrutural do SER-AÍ histórico; e a isso corresponde o pensar em termos de “visões de mundo”. 4) De acordo com isso, tudo é inserido em uma engrenagem “cultural”, as grandes decisões, o Cristianismo, não são expostos a partir da raiz, mas contornados. 5) A arte é submetida a uma utilidade cultural e desconhecida em sua essência; a cegueira em relação ao seu cerne essencial, o modo da fundação da verdade. 6) Em geral característico é o erro de avaliação em relação ao que é repulsivo e negador; ele é simplesmente alijado como o “mal”, equivocadamente interpretado e, com isso, apequenado e tanto mais propriamente ampliado em seu perigo. 7) Nisso se mostra – completamente à distância – o não saber em torno do pertencimento do não, da nulidade ao seer mesmo, a falta de qualquer ideia em face da finitude e da unicidade do seer. 8) Isso é acompanhado pelo não saber da essência da verdade; o fato de antes de tudo o que é verdadeiro a verdade e a sua fundação precisarem ser decididas; a busca cega pelo “verdadeiro” na aparência do querer maximamente sério. 9) Por isto, a recusa do saber autêntico e o medo diante da questão; o esquivar-se da meditação; a fuga em direção ao ceme dos dados e das maquinações. 10) Toda tranquilidade e toda retenção aparecem como inatividade, como um deixar passar e como renúncia e talvez sejam a mais ampla reconexão com o deixar ser do ser como acontecimento apropriador. 11) A segurança de si do que não se deixa mais conclamar; a calcificação contra todos os acenos; a impotência da expectativa; só ainda calcular. 12) Tudo isso são apenas irradiações de um encobrimento confuso e calcificado da essência do seer, sobretudo da abertura de seu fosso abissal: o fato de unicidade, raridade, instantaneidade, acaso e acometimento, retenção e liberdade, resguardo e necessidade pertencerem ao seer; o fato de esse seer não se mostrar como o que há de mais vazio e mais comum, mas como o que há de mais rico e mais elevado e só se essenciar no acontecimento da apropriação, acontecimento esse graças ao qual o SER-AÍ chega à fundação da verdade do ser no abrigo por meio do ente. 13) A elucidação particular do abandono do ser como decadência do Ocidente; a fuga dos deuses; a morte do Deus moral cristão; sua reinterpretação. O velamento desse desenraizamento por meio do encontrar a si mesmo que se inicia de maneira supostamente nova do HOMEM (Modernidade); esse encobrimento banhado no brilho do e intensificado pelo progresso: descobertas, invenções, indústria, máquina; ao mesmo tempo a massificação, a negligência, a desertificação, tudo como desatrelamento do fundamento e das ordens; o desenraizamento, porém, como o mais profundo velamento da indigência, a falta de força para a meditação, a impotência da verdade; o pro-gresso em direção ao não ente como abandono crescente do seer. 14) O abandono do ser é o fundamento mais íntimo para a indigência da falta de indigência. Como é que essa indigência pode ser efetuada como indigência? Alguém não precisa deixar a verdade do seer brilhar – mas para quê? Quem dos desprovidos de indigência consegue ver? Haverá algum dia uma saída para tal indigência, que se nega constantemente como indigência? Falta o querer sair. Será que a lembrança das possibilidades do passado essencial (o sido) do SER-AÍ pode conduzir à meditação? Ou será que algo in-habitual, não ideável se choca com essa indigência? 15) O abandono do ser, aproximado por meio de uma meditação sobre a desertificação do mundo e sobre a destruição da terra no sentido da rapidez, do cálculo, da pretensão do massificado. 16) O “domínio” coetâneo da impotência da mera mentalidade e da violência da instituição. (tr. Casanova; GA65: 56)

23) O platonismo, em seu domínio manifesto e velado, voltou o ente na totalidade, tal como ele foi considerado e determinado no transcurso da história ocidental, para uma determinada constituição, transformando determinadas direções de representação em caminho óbvios de “questionamento”. E esse é o obstáculo propriamente dito para a experiência e o salto para o interior do SER-AÍ, por mais que o SER-AÍ permaneça de saída incompreendido, e, sobretudo, por mais que uma necessidade de sua fundação não se tome perceptível, uma vez que a urgência para tal necessidade permanece de fora. Essa permanência de fora, contudo, se funda no abandono do ser enquanto o mais profundo mistério da história atual do HOMEM ocidental. (tr. Casanova; GA65: 110)

No outro início, porém, o ente é de tal modo, para que ele suporte ao mesmo tempo a clareira na qual se encontra imerso, clareira essa que se essencia como clareira do encobrir-se, isto é, do seer como acontecimento apropriador. No outro início, todo ente é sacrificado pelo seer, e, a partir daí, o ente enquanto tal obtém pela primeira vez a sua verdade. O seer, contudo, se essencia como acontecimento apropriador, como os sítios instantâneos da decisão quanto à proximidade e à distância do último deus. Aqui, na habitualidade incontornável do ente, o seer é o que há de mais inabitual; e esse estranhamento do seer não é um modo de sua aparição, mas ele mesmo. A inabitualidade do seer corresponde no âmbito da fundação de sua verdade, isto é, no SER-AÍ, à unicidade da morte. O mais terrível júbilo precisa ser a morte de um deus. Só o HOMEM “tem” a distinção de se encontrar diante da morte, porque o HOMEM é insistentemente no seer: a morte, a mais elevada testemunha do seer. (tr. Casanova; GA65: 117)

O salto é o re-saltar da prontidão para o pertencimento ao acontecimento apropriador. Acometimento e permanência de fora da chegada e da fuga dos deuses, o acontecimento apropriador, não tem como ser imposto de maneira pensante, mas, muito ao contrário, é preciso prontificar por meio do pensamento o aberto que, como tempo-espaço (sítios instantâneos), torna acessível e constante a abertura do fosso abissal do seer no SER-AÍ. Só aparentemente é que o acontecimento apropriador é levado a termo pelos homens, em verdade o ser do HOMEM acontece como histórico por meio da apropriação em meio ao acontecimento que exige de um modo ou de outro o SER-AÍ. O acometimento do seer, que é conferido ao HOMEM histórico, nunca se anuncia para esse HOMEM de maneira imediata, mas sim de maneira velada nos modos do abrigo da verdade. Mas o acometimento do seer, raro e esparso em si, emerge sempre da permanência de fora do seer, cujo ímpeto e tenacidade não é menor do que os do acometimento. (tr. Casanova; GA65: 120)

O seer precisa ser pensado a partir de uma exposição a esse extremo. Assim, porém, ele se clareia como o que há de mais finito e rico, como o que há de mais abissal de sua própria intimidade. Pois o seer não é jamais uma determinação do próprio deus, mas o seer é aquilo que precisa da deização do deus, a fim de permanecer, contudo, completamente diferente dessa deização. O ser (tal como a entidade da metafísica) não é nem a determinação mais elevada e mais pura do theion, de Deus e do “absoluto”, nem é aquilo que pertence a essa interpretação, a cobertura mais universal e mais vazia para tudo aquilo que não não “é”. No entanto, como recusa, o seer não é o mero recuo e partida, mas, ao contrário: a recusa é intimidade de uma atribuição. O que é a-tribuído no estremecimento é a clareira do aí em sua abissalidade; o aí é atribuído como aquilo que precisa ser fundado, como SER-AÍ. Assim, por meio da verdade do seer (pois isso é essa clareira atribuída), o HOMEM é requisitado originariamente e de outro modo. O HOMEM é nomeado por meio dessa requisição do próprio seer como o guardião da verdade do seer (ser HOMEM como “cuidado”, fundado no SER-AÍ). (tr. Casanova; GA65: 123)

No lugar da sistemática e da dedução entra em cena a prontidão histórica para a verdade do seer. E isso exige anteriormente que essa verdade mesma crie já a partir de seu saber que quase não ressoa os traços fundamentais de seus sítios (o SER-AÍ), em cujos edificadores e guardiões o sujeito do HOMEM precisa se transformar. (tr. Casanova; GA65: 125)

O estremecimento dessa vibração na viragem do acontecimento apropriador é a essência velada do seer. Esse encobrimento se clareia como encobrimento apenas na mais profunda clareira dos sítios do instante. O seer “precisa”, para se essenciar com aquela raridade e unicidade, do SER-AÍ, e esse SER-AÍ funda o ser humano, é para ele o fundamento, na medida em que o HOMEM o funda, suportando-o, insistentemente. (tr. Casanova; GA65: 141)

O seer e a essenciação de sua verdade são do HOMEM, na medida em que ele vem a ser insistentemente como SER-AÍ. Mas isso significa ao mesmo tempo: o seer não se essencia pela graça do HOMEM, pelo fato apenas de que o HOMEM ocorre. (tr. Casanova; GA65: 143)

A origem da contenda a partir da intimidade do não no seer! Acontecimento apropriador. A intimidade do não no seer: pertencente em primeiro lugar à sua essenciação. Por quê? Ainda se pode perguntar assim? Se não, por que razão não? A intimidade do não e o contencioso no ser: isso não é a negatividade de Hegel? Não, e, porém, Hegel, como já tinha acontecido com O sofista de Platão e, antes dele, com Heráclito, experimentou algo essencial de um modo mais essencial e, contudo, uma vez mais, de forma diversa, algo essencial, mas suspenso no saber absoluto; a negatividade está aí apenas para desaparecer e colocar em curso o movimento da suspensão. Precisamente não a essenciação. Por que não? Porque o ser é determinado como entidade (realidade efetiva) a partir do pensar (saber absoluto). Não isto e isto em primeiro lugar e sozinho é que é válido, o fato de que mesmo a contra-parte “é” e os dois se compertencem, mas se já temos o contrário como contravibração, então isso se dá como acontecimento apropriador. Antes disso, nunca há senão suspensão e reunião (logos). Agora, contudo, temos libertação e abismo e a completa essenciação no tempo-espaço da verdade originária. Agora não o noein, mas a insistência que abriga. A contenda como essenciação do “entre”, não como o também deixar vigorar do adverso. Com efeito, reside na sentença de Heráclito sobre o polemos uma das maiores intelecções da filosofia ocidental, e, contudo, ela não podia ser desdobrada em nome da questão acerca da verdade, assim como também não em nome da questão acerca do ser. De onde, contudo, a intimidade do não no seer? De onde tal essenciação do seer? Sempre uma vez mais, o questionamento se choca com esse ponto; trata-se da questão acerca do fundamento da verdade do seer. Mas a verdade mesma é o fundamento. E ela? Ela emerge no se-manter-na-verdade! Todavia, como é essa origem? Manter-se na verdade, nossa irrupção e vontade a partir de nossa indigência, porque nós nos entregamos à responsabilidade e nos identificamos – a nós? Quem somos nós mesmos? Portanto, porém, não o nosso, mas o fato de que nós suportamos o si mesmo por meio da abertura, e de que, no si mesmo, se abre veladamente o para si e, com isso, o seer como acontecimento apropriador. E, por conseguinte, não “nós” como o ponto de partida, mas “nós”: como expostos e transpostos, mas no esquecimento dessa transposição. Se, assim, o acontecimento apropriador brilha em meio à determinação da ipseidade, então reside aí a indicação para a intimidade. Quanto mais originariamente nós somos nós mesmos, tanto mais amplamente somos voltados para fora já em meio à essenciação do seer; e, inversamente. Somente se o ponto base da questão for tomado aqui é que o “fundamento” da intimidade será aberto. Esse ponto de base é o decisivo. O seer não é nada “humano” como o seu produto, e, no entanto, a essenciação do seer necessita do SER-AÍ e, assim, da insistência do HOMEM. (tr. Casanova; GA65: 144)

A abertura do fosso abissal tem sua primeira e mais ampla mensuração na necessidade do deus em uma direção e no pertencimento (ao seer) do HOMEM segundo a outra direção. Aqui se essenciam os precipícios do deus e a subida do HOMEM como aquele que é fundado no SER-AÍ. A abertura do fosso abissal é o alijamento interior incalculável do acontecimento da apropriação, da essenciação do seer como o meio utilizado que confere pertencimento, que permanece ligado ao passar ao largo do deus e, sobretudo, à história do HOMEM. (tr. Casanova; GA65: 157)

O acontecimento apropriador se apropria do deus para o HOMEM, na medida em que atribui apropriadoramente o HOMEM ao deus. No acontecimento apropriador, o SER-AÍ e, com isso, o HOMEM são fundados abissalmente, se o SER-AÍ tem sucesso no salto para o interior da fundação criadora. Aqui acontece apropriadoramente a recusa e a permanência de fora, o acometimento e o acaso, a retenção e a transfiguração, a liberdade e a imposição radical. Isso acontece apropriadoramente, isto é, isso pertence à essenciação do acontecimento apropriador mesmo. Todo e qualquer tipo de disposição ordenada das “categorias”, de transposição e de mistura fracassa aqui, porque as categorias são ditas a partir do ente e em uma direção de volta a ele, porque elas nunca denominam e conhecem o seer mesmo. (tr. Casanova; GA65: 157)

A unicidade da morte no SER-AÍ do HOMEM pertence à determinação originária do SER-AÍ, a saber, ser apropriado em meio ao acontecimento pelo seer mesmo, a fim de fundar sua verdade (abertura do encobrir-se). Na inabitualidade e na unicidade da morte abre-se o que há de mais inabitual em todo ente, o próprio seer, que se essencia como estranhamento. Mas para poder pressentir algo desse contexto maximamente originário em geral a partir do posto habitual e gasto do opinar e do calcular comuns, é preciso que se torne visível previamente com toda a agudeza e unicidade a ligação do SER-AÍ com a morte mesma, a conexão entre caráter resoluto (abertura) e morte, a ante-cipação. Mas essa ante-cipação da morte, de qualquer modo, não para que o mero “nada” seja alcançado, mas, inversamente, para que a abertura para o seer se abra completamente a partir do que há de mais extremo. Todavia, está completamente em ordem que, se não se pensa aqui de maneira “ontológico-fundamental”, tendo por intuito a fundação da verdade do seer, as mais terríveis e disparatadas interpretações equivocadas se imiscuem e se propagam e, naturalmente, uma “filosofia da morte” é justificada. (tr. Casanova; GA65: 161)

O ser para a morte precisa ser concebido como determinação do SER-AÍ e apenas assim. Aqui se realiza a mensuração mais extrema da temporalidade e, com isso, a referência do espaço da verdade do seer, a indicação do tempo-espaço. Portanto, não para negar o “seer”, mas sim para instituir o fundamento de sua afirmabilidade plena e essencial. Como é mesquinho e barato, porém, extrair a palavra “ser para a morte”, dispor sobre ela uma “visão de mundo” tosca e, então, colocá-la em Ser e tempo. Aparentemente, esse cálculo irrompe de modo particularmente bom, uma vez que se está falando nesse “livro” de resto do “nada”. Assim, obtemos a conclusão seca: ser para a morte, isto é, ser para o nada e esse ser para o nada como a essência do SER-AÍ! E isso não deve ser nenhum niilismo. Mas o que importa não é dissolver o ser do HOMEM na morte e declará-lo a mera nulidade, mas, ao contrário: inserir a morte na ligação com o SER-AÍ, a fim de dominar o SER-AÍ em sua amplitude abissal e, assim, mensurar completamente o fundamento da possibilidade da verdade do seer. (tr. Casanova; GA65: 162)

(SER-AÍ) Não aquilo que simplesmente poderia ser de antemão encontrado junto ao HOMEM presente à vista, mas o fundamento necessitado a partir da experiência fundamental do seer como acontecimento apropriador, o fundamento da verdade do seer, por meio do qual (tanto quanto por meio de sua fundação) o HOMEM é transformado fundamentalmente. Agora pela primeira vez a queda do animal rationale, no qual nós estamos na iminência de recair uma vez mais de cabeça para baixo; e isso por toda parte onde nem o primeiro início e o seu fim, nem a necessidade do outro início são sabidos. A queda do “HOMEM” até aqui só é possível a partir de uma verdade originária do seer. (tr. Casanova; GA65: 170)

O SER-AÍ no sentido do outro início, que pergunta sobre a verdade do seer, nunca tem como ser alcançado como o caráter do ente que vem ao encontro e se mostra como presente à vista; mas também não como o caráter do ente, que deixa tal ente se tornar um objeto e se encontrar em relações com ele; o SER-AÍ também não é nenhum caráter do HOMEM, como se por assim dizer só o nome que se estendia a todo ente fosse restrito ao papel de designação para o ser presente à vista do HOMEM. Não obstante, o SER-AÍ e o HOMEM se encontram em uma ligação essencial, na medida em que o SER-AÍ significa o fundamento da possibilidade do ser humano futuro e o HOMEM é futuramente, na medida em que ele assume ser o aí, contanto que ele se conceba como o guardião da verdade do seer, guarda essa que está indicada como o “cuidado”. “Fundamento da possibilidade” é ainda dito metafisicamente, mas é pensado a partir do pertencimento insistente e abissal. (tr. Casanova; GA65: 173)

O SER-AÍ no sentido do outro início é o que nos é ainda completamente estranho, aquilo que nós nunca encontramos previamente dado, que só podemos ressaltar no salto para o interior da fundação da abertura do que se encobre, daquela clareira do seer, na qual o HOMEM futuro precisa se colocar, para mantê-la aberta. (tr. Casanova; GA65: 173)

O primeiro aceno para o SER-AÍ como fundação da verdade do seer é levado a termo (Ser e tempo) quando se atravessa a questão acerca do HOMEM, na medida em que o HOMEM é concebido como o projetor do ser e, assim, arrancado a toda e qualquer “antropologia”. Esse aceno poderia despertar e fortalecer a opinião equivocada de que o SER-AÍ só poderia ser compreendido nessa ligação com o HOMEM, se é que ele deve ser concebido de maneira essencial e plena. (tr. Casanova; GA65: 175)

Somente assim o seer entra em jogo plenamente como acontecimento apropriador e ainda não se mostra aí, tal como na metafísica, como o “mais elevado”, ao qual só se retorna imediatamente. De acordo com isso, então, também a partir do ente, contanto que ele já comece a se tornar mais essente, o aí precisa ser desdobrado em seu poder de clareira reunido. O SER-AÍ mesmo se torna, enquanto apropriado em meio ao acontecimento, um fundamento próprio para si que se abre do si mesmo; e por meio desse si mesmo é que a guarda do HOMEM recebe pela primeira vez a sua agudeza, a sua decisão e sua intimidade. (tr. Casanova; GA65: 175)

“O ente”, porém, não é o “HOMEM” e o SER-AÍ o seu modo de ser (assim ainda levemente induzindo em incompreensões em Ser e tempo), mas o ente é o SER-AÍ como fundamento de um ser humano determinado, do ser humano por vir, não do “HOMEMem si; também não impera uma clareza suficiente quanto a isso em Ser e tempo. (tr. Casanova; GA65: 176)

SER-AÍ – o ser que distingue o HOMEM em sua possibilidade, portanto, não se precisa mais de modo algum do adendo “humano”. Em que possibilidade? Em sua possibilidade extrema, a saber, na possibilidade de ser ele mesmo o fundador e o guardião da verdade. (tr. Casanova; GA65: 176)

SER-AÍ – o que ao mesmo tempo sub-funda e ultrapassa o HOMEM. Por isto, o discurso acerca do SER-AÍ no HOMEM como acontecimento daquela fundação. No entanto, também se poderia dizer: o HOMEM no SER-AÍ. O SER-AÍ “do” HOMEM. (tr. Casanova; GA65: 176)

O estar ausente neste sentido em primeiro lugar, onde se dá o SER-AÍ. Ausente: o afastamento, o alijamento do seer, aparentemente apenas do “ente” para si. Nisso ganha voz por outro lado a ligação essencial do SER-AÍ com o seer. Nós somos na maioria das vezes e em geral ainda no estar ausente, precisamente na “proximidade com a vida”. Essa “explicitação” poderia ser facilmente apresentada como um caso exemplar de como se “filosofa” aqui a partir de meras “palavras”. Mas trata-se do oposto: o estar ausente transforma-se na denominação de um modo essencial de o HOMEM se comportar em relação a e de se manter em relação com o SER-AÍ, e, em verdade, necessariamente; e esse SER-AÍ mesmo experimenta com isso uma determinação necessária. (tr. Casanova; GA65: 177)

Falando em termos “formais”, o SER-AÍ precisa ser experimentado como preenchido, quer dizer, como a primeira preparação da transição para uma outra história do HOMEM. (tr. Casanova; GA65: 189)

O projeto do SER-AÍ só é possível como inserção extasiante no SER-AÍ. O projeto que insere de maneira extasiante, porém, emerge apenas da docilidade em relação à junção fugidia mais velada de nossa história em meio à tonalidade afetiva fundamental da retenção. O instante essencial, imensurável em sua amplitude e profundidade, irrompe, sobretudo quando a indigência do abandono do ser experimenta seu crepúsculo e a decisão é buscada. Com certeza: esse “fato” fundamental de nossa história não é apresentável por meio de nenhuma “decomposição analítica” da “situação” “espiritual” ou “política” do tempo, uma vez que tanto a perspectiva voltada para o “espiritual” quanto a perspectiva voltada para o “político” já se movimentam no primeiro plano e no que foi corrente até aqui, de tal modo que elas renunciam de antemão à possibilidade de experimentar a história propriamente dita – a luta do acontecimento da apropriação do HOMEM pelo seer – e de questioná-la e pensá-la nas vias da disponibilização dessa história, isto é, elas renunciam à possibilidade de se tornar histórico a partir do fundamento da história. (tr. Casanova; GA65: 189)

Apesar disso, precisa ser possível uma indicação denominadora primeira do SER-AÍ e, com isso, para ele. Nunca, naturalmente, uma “descrição” imediata, como se ele estivesse em algum lugar previamente dado e presente à vista; também não por meio de uma “dialética”, o que é o mesmo em um nível superior, mas com certeza no interior do projeto corretamente compreendido, que traz o HOMEM ainda que apenas para o interior de seu abandono do ser, preparando a ressonância, de tal modo que o HOMEM se mostra como aquele ente, que é irrompido no aberto, mas que desconhece de saída e por longo tempo essa irrupção, mensurando-a, por fim, completamente pela primeira vez a partir apenas do abandono do ser. (tr. Casanova; GA65: 190)

Tal como se obtém facilmente a partir dessa indicação, a questão acerca da verdade do seer enquanto questão fundamental precisa ser erigida antes de tudo em uma diferença essencial em relação à questão diretriz. Então, porém, vem à tona pela primeira vez aquele elemento não questionado e indômito, segundo o qual de algum modo o HOMEM e, contudo, uma vez mais, não o HOMEM, e, em verdade, sempre a cada vez em um extrato e em um tresloucamento extasiante, está em jogo na fundação da verdade do seer. E é justamente esse elemento digno de questão que eu denomino o SER-AÍ. Com isto, também se acha indicada a origem desse elemento digno de questão: ele não emerge de uma consideração e determinação do HOMEM arbitrariamente estabelecidas, sejam elas filosóficas ou biológicas, sejam elas ainda de algum modo em geral antropológicas. Ao contrário, ele tem sua origem apenas e unicamente da questão acerca da verdade do ser. E, com isto, se alcança um modo de questionamento único e, caso o seer seja o que há de mais único e mais elevado, ao mesmo tempo o modo de questionamento mais profundo acerca do HOMEM. (tr. Casanova; GA65: 193)

O SER-AÍ não conduz para fora do ente e não evapora o ente em uma espiritualidade, mas, ao contrário, de acordo com a unicidade do seer, ele abre pela primeira vez a inquietude do ente, cuja “verdade” só se constitui na luta uma vez mais inicial de seu abrigo no que é criado pelo HOMEM histórico. (tr. Casanova; GA65: 193)

Por que o SER-AÍ como o fundamento e o abismo do HOMEM histórico? Por que não uma mudança imediata do HOMEM e por que é que ele não deve permanecer como ele é? Como ele é, afinal? Isso se deixa fixar? A partir de onde? Que avaliação segundo que critérios de medida? (tr. Casanova; GA65: 194)

O pertencimento ao seer, contudo, só se essencia porque o ser em sua unicidade precisa do SER-AÍ e se funda nele, fundando ao mesmo tempo o HOMEM. Nenhuma verdade se essencia de outra forma. De outro modo, reina apenas o nada na figura mais insidiosa da proximidade do “realmente efetivo” e “vivente”, isto é, do não ente. (tr. Casanova; GA65: 194)

O SER-AÍ, concebido como ser do HOMEM, já se encontra na conceptualidade prévia. A questão relativa à sua verdade continua sendo como o HOMEM, se tornando mais essente, se recoloca no SER-AÍ, fundando-o, assim, a fim de se expor, com isso, à verdade do seer. Mas esse colocar-se e sua constância se fundam no acontecimento da apropriação. Por isto, é preciso perguntar: Em que história o HOMEM precisa se encontrar, para que ele se torne pertinente ao acontecimento da apropriação? Ele não precisa ser empurrado de antemão para o interior do aí, cujo acontecimento se torna manifesto para ele como jogado? O caráter de jogado só é experimentado a partir da verdade do seer. Na primeira indicação prévia (Ser e tempo), ele ainda permanece passível de uma interpretação falsa no sentido de uma ocorrência casual do HOMEM sob o outro ente. Em direção a que poder, terra e corpo são desdobrados a partir daqui. O ser do HOMEM e a “vida”. Onde estaria o impulso para pensar em direção ao SER-AÍ senão na essência do próprio seer. (tr. Casanova; GA65: 194)

Quem é o HOMEM? Aquele que é usado pelo seer para a suportação da essenciação da verdade do seer. Usado assim, contudo, o HOMEM só “é” HOMEM, na medida em que ele está fundado no SER-AÍ, isto é, na medida em que ele mesmo se torna de maneira criativa o fundador do SER-AÍ. O seer, porém, é concebido aqui ao mesmo tempo como acontecimento apropriador. As duas coisas se com-pertencem: a refundação no SER-AÍ e a verdade do seer como acontecimento apropriador. Nós não concebemos nada da direção aqui aberta do questionamento, se colocarmos inopinadamente à base de nossa concepção representações quaisquer do HOMEM e do “ente enquanto tal”, ao invés de colocarmos ao mesmo tempo o “HOMEM” e o seer (não o ser do HOMEM simplesmente) em questão e de nos mantermos nessa questão. (tr. Casanova; GA65: 195)

O ser si mesmo é a essenciação do SER-AÍ e o ser si mesmo do HOMEM realiza-se apenas a partir da insistência no SER-AÍ. Costuma-se conceber o “si mesmo” por um lado na ligação de um eu “consigo”. Essa ligação é tomada como uma ligação representacional. E, por fim, a ipseidade daquele que representa é tomada com o representado enquanto essência do “si mesmo”. Neste caminho e em caminhos correspondentemente modulados, contudo, a essência do si mesmo nunca tem como ser alcançada. Pois, antes de tudo, não há nenhuma propriedade do HOMEM presente à vista e, com a consciência do eu, só há uma propriedade aparente. De onde vem essa aparência é algo que só pode ser clarificado a partir da essência do si mesmo. (tr. Casanova; GA65: 197)

Por meio daí, a aletheia é destacada de todo e qualquer ente, de modo tão decidido que, agora, a questão acerca de seu próprio seer, questão essa que se determina por meio dela mesma e a partir de sua essenciação, se torna incontornável. Mas a essenciação da verdade originária só pode ser experimentada, se esse em-meio-a clareado que funda a si mesmo e determina o tempo-espaço for ressaltado naquilo de que e para o que ele é clareira, a saber, para o encobrir-se. O encobrir-se, porém, aponta para a doutrina fundamental do primeiro início e de sua história (da metafísica enquanto tal). O encobrir-se é um caráter essencial do seer, e, com efeito, precisamente na medida em que o seer precisa da verdade e se apropria, assim, do SER-AÍ em meio ao acontecimento, se mostrando em si originariamente, com isso, como acontecimento apropriador. Agora, a essência da verdade se transformou originariamente no SER-AÍ, e agora a pergunta não tem qualquer sentido, se e como, por exemplo, o “pensar” (o “pensar” que pertence inicialmente e de modo derivado apenas à aletheia, homoiosis) poderia levar a cabo e assumir o “desvelamento”. Pois o pensar mesmo está agora entregue em sua possibilidade inteiramente à responsabilidade do em-meio-a clareado. Pois a essenciação do aí (da clareira para o encobrir-se) só pode ser determinada a partir dele mesmo, do mesmo modo que o SER-AÍ só chega até a fundação a partir da ligação clareadora do aí com o encobrir-se enquanto seer. Todavia, a partir do fundamento posteriormente visível, não é suficiente nenhuma “faculdade” do HOMEM até aqui (animal racional). O SER-AÍ funda-se e essencia-se na suportabilidade afinada e criadora e, assim, se torna ele mesmo o fundamento e o fundador do HOMEM, que agora é novamente colocado diante da questão sobre quem ele é, uma questão que interroga o HOMEM de maneira mais originária como o guardião da tranquilidade do passar ao largo do último deus. (tr. Casanova; GA65: 207)

Mesmo essa meditação não pode senão indicar que algo necessário ainda não foi concebido e captado. Esse elemento necessário, o SER-AÍ, só é alcançado por meio de um tresloucamento do ser do HOMEM na totalidade, isto é, a partir da meditação sobre a indigência do ser enquanto tal e de sua verdade. (tr. Casanova; GA65: 214)

Uma questão decisiva: a essenciação da verdade é fundada no SER-AÍ como clareira para o encobrir-se ou é a essenciação da verdade mesma o fundamento para o SER-AÍ ou as duas coisas são válidas? E o que significa aí a cada vez “fundamento”? Essas questões só podem ser decididas, se a verdade for concebida na essência indicada como verdade do seer e, com isso, a partir do acontecimento apropriador. O que significa isso: estar constantemente colocado em seu aberto diante do encobrir-se, da re-núncia, da hesitação? Retenção e, por isso, tonalidade afetiva fundamental: horror, retenção, pudor. Tal experiência “doada” apenas ao HOMEM e quando e como. (tr. Casanova; GA65: 215)

A clareira para o encobrir-se clareia-se no projeto. A jogada do projeto acontece como SER-AÍ, e o jogador dessa jogada é respectivamente aquele ser-si-mesmo, no qual o HOMEM tem sua jurisdição. (tr. Casanova; GA65: 229)

Nós voltamos para o tempo-espaço da decisão sobre a fuga e a chegada dos deuses. Mas como é que isso se dá? Será que uma coisa ou outra se tornará um acontecimento por vir? Será que uma coisa ou outra precisa determinar a expectativa construtiva? Ou será que a decisão é a abertura de um tempo-espaço completamente diverso para uma verdade, sim, para a verdade pela primeira vez fundada do seer, o acontecimento apropriador? O que aconteceria se aquele âmbito da decisão na totalidade, fuga ou chegada dos deuses, fosse justamente o próprio fim? O que aconteceria se, para além disso, o seer precisasse ser concebido pela primeira vez em sua verdade como o acontecimento da apropriação, acontecimento esse como o qual acontece apropriadoramente aquilo que denominamos a recusa? Isso não é nem fuga nem chegada, nem tampouco tanto fuga quanto chegada, mas algo originário, a plenitude da concessão do seer na recusa. Aqui se funda a origem do estilo por vir, isto é, na retenção na verdade do seer. A recusa é a nobreza mais elevada da doação e o traço fundamental do encobrir-se, cuja abertura constitui a essência originária da verdade do seer. Assim apenas o seer se torna o próprio estranhamento, a tranquilidade do passar ao largo do último deus. O SER-AÍ, porém, é apropriado em meio ao acontecimento no seer como a fundação da guarda dessa tranquilidade. Fuga e chegada dos deuses reúnem agora no sido e são subtraídas ao passado. O porvir, porém, a verdade do seer como recusa, tem em si a garantia da grandeza, não da eternidade vazia e gigantesca, mas da via mais breve. Mas pertence a essa verdade do seer, à recusa, o velamento do não ente enquanto tal, o desprendimento e a dissipação do seer. Agora pela primeira vez, o abandono do seer precisa permanecer. O desprendimento, contudo, não se mostra como um arbítrio e uma desordem vazios, mas, ao contrário: tudo é agora inserido na direcionalidade planejada e na exatidão do transcurso seguro e do domínio “sem restos”. A maquinação toma sob sua proteção o não ente sob a aparência do ente, e a desertificação do HOMEM imposta incontornavelmente com isso é compensada por meio da “vivência”. Tudo isso precisa se tornar mais necessário do que antes enquanto inessência porque o que há de mais estranho também precisa disso que há de mais corrente e porque a abertura do fosso abissal do seer não pode ser soterrada pela aparência fictícia do equilíbrio, da “felicidade” e da falsa consumação; pois tudo isso é odiado em primeiro lugar pelo último deus. Mas o último deus não é uma degradação de deus, sim, a blasfêmia pura e simples? O que aconteceria, porém, se o último deus precisasse ser chamado assim porque traz pela última vez a decisão sobre os deuses para um domínio sob e entre os deuses, elevando, com isso, a essência da unicidade do ser de deus ao extremo? O último deus, se pensarmos aqui de maneira calculadora e tomarmos esse “último” apenas como interrupção e fim, ao invés de como decisão extrema e maximamente breve sobre o que há de mais elevado, então naturalmente todo saber sobre ele será impossível. Todavia, como é que se deveria querer calcular no pensamento do ser de deus, ao invés de meditar de maneira radicalmente oposta sobre o perigo de algo estranho e incalculável? (tr. Casanova; GA65: 254)

Se esse clamor do aceno extremo, a apropriação mais velada em meio ao acontecimento, ainda acontecerá abertamente ou se a indigência a tudo emudecerá e todo domínio permanecerá de fora; e se, caso o clamor aconteça, ele será então ainda apreendido; se o salto para o interior do SER-AÍ e, com isso, a partir de sua verdade, a viragem ainda vão se tornar história: é aí que se decide o futuro dos homens. O HOMEM pode ainda por séculos espoliar e desertificar o planeta com as suas maquinações, o gigantesco desse impulso pode se “desenvolver” em direção ao irrepresentável e assumir a forma de um rigor aparente, o disciplinamento pelo elemento desértico enquanto tal; a grandeza do seer pode permanecer vedada porque nenhuma decisão mais é tomada sobre a verdade, a não verdade e sua essência. Somente ainda cálculo do sucesso e do insucesso das maquinações é que são computados. Esse cálculo estende-se para uma “eternidade” arrogada, que não é nenhuma eternidade, mas apenas o e-assim-por-diante sem fim do que há de mais fugidio e desértico. (tr. Casanova; GA65: 255)

A recusa como a proximidade do que não pode ser desviado transforma o SER-AÍ no superado, o que quer dizer: ela não o abate, mas o arranca e o eleva até o nível da fundação de sua liberdade. No entanto, se um HOMEM pode dominar as duas coisas, o suportar da ressonância do acontecimento apropriador como recusa e a execução da transição para a fundação da liberdade do ente enquanto tal, para a renovação do mundo a partir da salvação da terra, quem poderia decidir e saber sobre isso? E, assim, restam com certeza aqueles que se consomem em tal história e em sua fundação, sempre cindidos uns dos outros, o ápice das montanhas mais isoladas. (tr. Casanova; GA65: 256)

A distância extrema do último deus na recusa é uma proximidade única, uma ligação, que não pode ser deslocada e afastada por nenhuma “dialética”. A proximidade, porém, ressoa na ressonância do seer a partir da experiência da indigência do abandono do ser. Essa experiência, contudo, é a primeira irrupção para a tempestade no SER-AÍ. Pois somente se o HOMEM provier dessa indigência, ele levará as necessidades a luzirem e, com elas, pela primeira vez, a liberdade do pertencimento ao júbilo do seer. (tr. Casanova; GA65: 256)

Nós precisamos preparar a fundação da verdade, e isso dá a impressão de que a dignificação e, com isso, a guarda do último deus já estariam previamente determinadas. Nós precisamos ao mesmo tempo saber e nos manter junto ao fato de o abrigo da verdade em meio ao ente e, com isso, de a história da guarda do deus serem exigidos pela primeira vez pelo próprio deus e do modo como ele precisa de nós como fundadores do SER-AÍ; o que é exigido não é apenas uma tábua de mandamentos, mas o deus de maneira mais originária e essencial de tal modo que o seu passar ao largo exija uma estabilização do ente e, com isso, do HOMEM em meio ao ente; uma estabilização, na qual pela primeira vez o ente, a cada vez na simplicidade de sua essência reconquistada (como obra, utensílio, coisa, ato, visão e palavra), resiste ao passar ao largo, não o apaziguando, mas deixando-o vigorar como curso. (tr. Casanova; GA65: 256)

O seer como o que há de mais único e raro em contraposição ao nada terá se subtraído do elemento massificado do ente, e toda história só servirá, lá onde ela se estende às profundezas de sua própria essência, a essa subtração do ser em sua plena verdade. Tudo o que é público, porém, se ufanará em seus sucessos e colapsos e caçará a si mesmo, a fim de, ao seu modo, não saber nada daquilo que acontece. Somente entre esse ser massificado e os propriamente sacrificados é que serão buscados e encontrados os poucos e seus laços, a fim de pressentir o fato de que algo velado acontece para eles, aquele passar ao largo, apesar de toda corrosão de todo “acontecimento” em meio à rapidez, ao que é imediatamente manuseável de maneira completa e que precisa ser consumido sem restos. A inversão e a confusão das pretensões e do âmbito de pretensão não serão mais possíveis, porque a verdade do próprio seer trouxe à decisão na mais extensa exclusão da abertura de seu fosso abissal as possibilidades essenciais. Esse instante histórico não é nenhum “estado ideal” porque esse estado contraria a cada vez a essência da história, mas esse instante é o acontecimento da apropriação daquela viragem, na qual a verdade do seer chega ao seer da verdade, uma vez que o deus precisa do ser e o HOMEM como SER-AÍ precisa ter fundado o pertencimento ao ser. Nesse caso, então, por esse instante, o seer é, como o entre mais íntimo, igual ao nada; o deus se apodera do HOMEM e o HOMEM ultrapassa o deus, por assim dizer imediatamente e, contudo, os dois somente no acontecimento apropriador, como o qual a verdade do seer mesmo é. (tr. Casanova; GA65: 256)

O quão pouco sabemos do fato de que o deus espera pela fundação da verdade do seer e, com isso, pelo salto do HOMEM no SER-AÍ. Ao invés disso, tudo se dá como se o HOMEM é que precisasse e fosse esperar por deus. E talvez essa seja a forma mais fatídica da mais absoluta falta de deus e o atordoamento da impotência para o sofrimento do acontecimento da apropriação daquele aí enquanto estada temporária do seer, que oferece pela primeira vez ao encontrar-se do ente na verdade um sítio, atribuindo a ele o elemento justo de se achar na mais ampla distância em relação ao passar ao largo do deus, elemento justo, cuja atribuição só acontece como história; na recriação do ente em meio à essencialidade de sua determinação e em meio à libertação do abuso das maquinações, que, invertendo tudo, esgotam o ente no usufruto. (tr. Casanova; GA65: 256)

A concepção agora e futuramente essencial do conceito de filosofia (e, com isso, também a determinação prévia da conceptualidade de seu conceito e de todos os seus conceitos) é a concepção histórica (não uma concepção historiológica). “Histórico” significa aqui: pertencente à essenciação do seer mesmo, inserido na indigência da verdade do seer e, assim, ligado à necessidade daquela decisão, que dispõe em geral sobre a essência da história e sua essenciação. De acordo com isso, a filosofia é agora pela primeira vez preparação da filosofia sob o modo da edificação dos átrios mais imediatos, em cuja estrutura espacial a palavra de Hölderlin se torna audível, tendo a resposta por meio do SER-AÍ e em tal resposta tendo sido fundada como a língua do HOMEM por vir. Assim, pela primeira vez, o HOMEM entra na próxima vereda lenta em direção ao seer. A unicidade de Hölderlin em termos da história do seer precisa ser fundada anteriormente e toda comparação marcada por uma historiologia da “literatura” e da poesia, todo julgamento e gozo “estéticos”, toda avaliação “política” precisam ser superados, para que os instantes dos “criadores” conservem seu “tempo” (Cf. Reflexões VI, VII, VIII). (tr. Casanova; GA65: 258)

A determinação histórica da filosofia tem seu ápice no conhecimento da necessidade de criar a escuta para a palavra de Hölderlin. O poder ouvir corresponde a um poder dizer, que fala a partir da questionabilidade do seer. Pois isso é o mínimo que pode ser realizado para a preparação do espaço da palavra. (Se é que tudo não foi invertido ainda e transformado no elemento “científico” e “historiológico-literário”, seria preciso dizer: uma preparação do pensamento para a interpretação de Hölderlin precisa ser criada. “Interpretação” com certeza não tem em vista aqui tornar “compreensível”, mas sim fundar o projeto da verdade de sua poesia na meditação e na tonalidade afetiva, nas quais o SER-AÍ por vir vibra) (cf Reflexões VI e VII Hölderlin). Essa caracterização histórica da essência da filosofia a concebe como pensar do seer. Esse pensar nunca pode fugir para o interior de uma figura do ente e experimentar nela toda a luz do simples a partir da riqueza reunida de sua obscuridade estruturada em suas junções. Esse pensar também não tem como seguir jamais a dissolução em meio ao amorfo. Esse pensar precisa capturar em um ponto aquém da distinção entre figura e ausência de figura (o que só se dá no ente), no abismo do fundamento da figura, o ímpeto de jogada de seu caráter de jogado e suportá-lo no aberto do projeto. O pensar do seer precisa pertencer ao que tem de ser pensado mesmo de uma maneira completamente diversa de todo e qualquer ajuste em relação ao elemento objetivo porque o seer não tolera a própria verdade como suplemento e como algo trazido para junto de si, mas “é” ele mesmo a essência da verdade. A verdade, aquela clareira do encobrir-se, em cujo aberto os deuses e o HOMEM são apropriados em meio ao acontecimento para a sua contra-posição, abre ela mesma o seer como história. Nós talvez precisemos pensar essa história, se é que devemos aprontar o espaço que em seu tempo precisa resguardar em ressonância a palavra de Hölderlin, que denomina uma vez mais os deuses e o HOMEM; e isso para que essa ressonância afine aqueles tonalidades afetivas fundamentais, que determinam o HOMEM por vir em meio à guarda da indigencialidade dos deuses. Essa caracterização da filosofia em termos da história do seer carece de uma explicitação, que auxilie o surgimento de uma lembrança do pensar até aqui (a metafísica), mas retransporte ao mesmo tempo o porvir para o interior da copertinência histórica. (tr. Casanova; GA65: 258)

A história do pensar metafísico e do pensar da história do ser acontece apropriadoramente sobretudo em suas diversas eras segundo potências diversas do primado do ser diante do ente, do ente diante do ser, da confusão dos dois, da extinção de cada primado na era da compreensibilidade calculável de tudo. Nós sabemos o futuro da história do ser, nós sabemos que, se ela quiser permanecer história, o seer mesmo precisará se apropriar do pensar em meio ao acontecimento. Mas ninguém conhece a figura do ente vindouro. Só uma coisa é certa: que todo e qualquer re-pensar do seer e toda criação a partir da verdade do seer, sem a assistência já protetora do ente, jamais pôde produzir outras forças de questionamento e de dizer, de jogo e de sustentação, diversas das que foram produzidas pela história da metafísica. Pois esses outros precisam inserir ainda em nome do que lhes é mais próprio o diálogo questionador com o primeiro início, que emergiu em uma clara profundidade, e sua história no pensar. Equipando-se com esse diálogo, eles precisam se tornar, juntamente com os mais solitários do primeiro pensar, os ainda mais solitários do abismo, que não apenas suporta no outro início todos os fundamentos, mas também os sopra. Para aqueles que simplesmente vierem depois, o que se mantém objeto de uma erudição e de uma pesquisa historiológicas e que, por fim, se mostra ainda meramente como instrução escolar, a história do pensar metafísico em suas “obras”, precisa se tornar primeiro história, na qual cada coisa é reunida em sua unicidade e irradia como uma visão luminosa do pensar uma verdade do seer em seu espaço não mensurado próprio. Como uma grandeza do SER-AÍ pensante é requisitada aí pelo próprio seer, cuja figura nós quase não pressentimos a partir da existência poética de Hölderlin e a partir da viandança horrível de Nietzsche; como no espaço do pensar da história do ser só há ainda essa grandeza, razão pela qual mesmo o discurso sobre a grandeza permanece pequeno demais, a preparação de tal pensar precisa reunir toda inexorabilidade e se movimentar nas mais claras distinções. Pois somente tais distinções garantem a coragem para a insistência no âmbito do impulso do que há de mais questionável, que é usado pelos deuses e esquecido pelo HOMEM, e que nós denominamos o seer. (tr. Casanova; GA65: 259)

Jogar-se para fora, ousar o aberto, não pertencer nem a algo em face de si nem a si e, contudo, pertencer aos dois ao mesmo tempo, mas não como objeto e sujeito; saber e pressentir-se como ré-plica no aberto que aquilo que se joga para fora e do que ele se evade possuem a mesma essência do que o em face de. A ré-plica é o fundamento do vir ao encontro, que aqui ainda não é de modo algum buscado. A ré-plica é o arrancar do entre, no qual acontece a contrariedade, como carente de abertura. O que pertence aqui, porém, ao “HOMEM” e o que é deixado para trás? No lançar-se para fora, ele se funda naquilo que ele não consegue fazer, mas apenas consegue ousar enquanto possibilidade, ele se funda no SER-AÍ. Isso naturalmente apenas se ele não volta nunca mais a si enquanto alguém que apareceu na primeira jogada extática como o em face de, como physei ón, como um zoon. Isso é importante: lançar para fora e fundar a essência do HOMEM no estranhamento do aberto. Agora pela primeira vez se inicia a história do ser e a história do HOMEM. E o ente? Ele não chega mais à sua verdade em um retorno, mas? Como o resguardo do estrangeiro, e o estrangeiro traz a si mesmo ao encontro do acontecimento da apropriação e deixa se encontrar nele o deus. O jogar para fora nunca acontece de maneira exitosa a partir do mero impulso e do desenraizamento do HOMEM. Esse lance é jogado na vibração do acontecimento da apropriação. Isso significa: o ser toca o HOMEM e o volta para a transformação, para a primeira conquista, para a longa perda de sua essência. Essa mensuração da errância essencial como história do HOMEM independente de toda historiologia. E se os deuses afundam no não outorgado da recusa do seer. (tr. Casanova; GA65: 263)

Sob o modo de uma introdução, a compreensão de ser tem em Ser e tempo um caráter transitoriamente ambíguo; de maneira correspondente, o mesmo vale para a caracterização do HOMEM (“SER-AÍ humano”, o SER-AÍ no HOMEM). A compreensão de ser é por um lado, olhando retrospectivamente por assim dizer de maneira metafísica, concebida como o fundamento de qualquer modo não fundado do transcendental e em geral da re-presentação da entidade (remontando até a idea). A compreensão de ser é, por outro, (uma vez que a compreensão é concebida como pro-jeto e esse projeto como projeto jogado) a indicação da fundação da essência da verdade (caráter manifesto; clareira do aí; SER-AÍ). A compreensão de ser pertencente ao SER-AÍ – esse discurso se torna supérflu

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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