Ao invés de afeto [Affekt] e de paixão [Leidenschaft] também se diz “sentimento” [Gefühl], quando não mesmo “sensação” [Empfindung]. Ou, onde os afetos e as paixões são diferenciados, é comum tomá-los conjuntamente sob o conceito genérico de “sentimento”. Quando empregamos hoje o termo “sentimento” para designar uma paixão, então isso nos chega como um enfraquecimento. Pois achamos que uma paixão não é um sentimento. Se nos impedimos, em contrapartida, de denominar as paixões sentimentos, então isso ainda não demonstra que temos um conceito mais elevado da essência da paixão; pode ser apenas um sinal de que fazemos uso de um conceito demasiado baixo da essência do sentimento. Assim o é de fato. No entanto, poderia parecer que o que está em questão aqui é simplesmente a denominação e o emprego correto das palavras. Todavia, a coisa mesma está sendo questionada aqui; ou seja, o que procuramos saber é: 1. se o que foi indicado como a essência do afeto e como a essência da paixão apresenta uma conexão essencial originária entre si, e 2. se essa conexão originária entre ambos pode ser verdadeiramente concebida por meio de uma simples apreensão do que denominamos “sentimento”.
O próprio Nietzsche não se envergonha de tomar o querer [Wollen] simplesmente como sentimento; “Querer: um sentimento que compele, muito agradável! Ele é o epifenômeno [Symptom] de todo efluxo de força [erreichten Macht]” (XIII, 159). Querer — um sentimento de prazer [Lust]? “Prazer é apenas um sintoma do sentimento do poder alcançado, uma consciência da diferença [Differenz-Bewußtheit] — (— ele [o vivente; Lebende] aspira ao prazer: mas o prazer entra em cena quando ele alcança isso a que aspira: o prazer acompanha, o prazer não mobiliza)” (688). De acordo com isso, a vontade é, então, apenas um “epifenômeno” [Begleit-Erscheinung] do efluxo de força, um sentimento de prazer que acompanha? Como isso se coaduna com o que foi dito no todo sobre a essência da vontade, e, em particular, a partir da comparação com o afeto e com a paixão? Lá a vontade veio à tona como o que suporta e domina propriamente, como equivalente ao próprio assenhorear-se; agora ela precisa ser rebaixada ao nível de um sentimento de prazer que simplesmente acompanha algo diverso?
Se é verdade que a vontade de poder é o caráter fundamental de todo ente e se Nietzsche determina agora a vontade como um sentimento paralelo de prazer, então essas duas concepções da vontade não são sem mais compatíveis. Tampouco se poderá atribuir a Nietzsche a opinião de que o ser consiste no acompanhamento de algo diverso como sentimento de prazer — portanto, uma vez mais um ente cujo ser precisaria ser determinado. Dessa forma, só resta uma saída: dizer que essa determinação da vontade como um sentimento paralelo de prazer, uma determinação inicialmente estranha segundo o que foi apresentado até aqui, não pode ser nem a definição essencial da vontade, nem uma definição entre outras; não resta senão dizer que ela aponta muito antes para algo que pertence essencialmente à essência plena da vontade. Se as coisas se dão desse modo e se na primeira determinação não fizemos outra coisa senão delinear um esboço da estrutura essencial da vontade, então a determinação agora mencionada precisa se deixar inscrever nesse plano geral.
“Querer: um sentimento que compele, muito agradável!” Um sentimento é a maneira na qual nos encontramos em nossa ligação com o ente, e, com isso, também ao mesmo tempo em nossa ligação conosco mesmo; a maneira como nos encontramos afinados em relação ao ente que nós mesmos não somos e em relação ao ente que nós mesmos somos. No sentimento abre-se e mantém-se aberto o estado no qual nos encontramos concomitantemente em relação às coisas, em relação a nós mesmos e em relação aos homens que convivem conosco. O sentimento é efetivamente esse estado aberto para si mesmo, no qual nossa existência se agita. O homem não é um ser pensante que também quer e que, além disso, teria sentimentos acrescentados ao pensar e ao querer — e isso com a finalidade de embelezamento ou de embrutecimento. Ao contrário, o estado do sentimento é originário, mas o é de tal modo que a ele compertencem o pensar e o querer. A única coisa importante agora é ver que o sentimento tem o caráter do abrir e do manter aberto, e, por isso, sempre à sua maneira, também o caráter do fechamento.
No entanto, se a vontade é um querer-para-além-de-si [Über-sich-hinaus-Wollen], então reside nesse para-além-de-si-mesmo o fato de a vontade não se estender simplesmente para fora de si, mas se inserir concomitantemente no querer. O fato de aquele que quer querer se inserir em sua vontade significa: no querer torna-se manifesto o querer e, juntamente com ele, aquele que quer e aquilo que é querido. Na essência da vontade, na de-cisão [Ent-schlossenheit], reside o fato de a vontade descerrar a si mesma. Portanto, ela não possui esse caráter apenas por meio de um comportamento que se lhe acrescenta, por meio de uma observação do processo da vontade e de uma reflexão quanto a isso, mas a vontade mesma tem muito mais o caráter do manter aberto que abre. Por mais penetrante que sejam, uma auto-observação e uma auto-análise [Selbstbeobachtung und Zergliederung] instauradas arbitrariamente nunca trazem à tona nosso si próprio e o modo como as coisas se encontram em relação a ele. Em contrapartida, trazemos nós mesmos à luz em meio ao querer e, correspondentemente, também em meio ao não-querer; e, em verdade, trazemos nós mesmos a uma luz que é acesa pela primeira vez por meio do próprio querer. Querer é sempre um trazer-se-a-si-mesmo [Sich-zu-sich-selbst-bringen], e, com isso, um encontrar-se em meio ao para-fora-de-si [Über-sich-hinweg], um manter-se no ímpeto para fora de algo e em direção a algo. Dessa forma, a vontade tem aquele caráter do sentimento, do manter aberto o estado mesmo. Junto ao querer — junto a essa dinâmica para-fora-de-si —, esse estado é um compelir [Drängen]. Com isso, a vontade pode ser tomada como um “sentimento que compele”. Ela não é apenas o sentimento de algo que compele. Ao contrário, ela mesma é algo que compele, e mesmo algo “muito agradável”. O que se abre na vontade — o querer mesmo como de-cisão — é agradável àquele para o qual ele se abre, é agradável para aquele mesmo que quer. No querer vamos ao encontro de nós mesmos como aqueles que propriamente somos. Somente na própria vontade capturamos a nós mesmos em nossa essência mais própria. Aquele que quer é como tal aquele que-quer-para-além-de-si; no querer sabemos que nós mesmos estamos voltados para fora de nós; nós sentimos de algum modo um ser senhor sobre…; um prazer dá a saber o poder que foi alcançado e que se eleva. Por isso, Nietzsche fala de uma “consciência da diferença”.
Se aqui o sentimento e a vontade são tomados como uma “consciência” [Bewußtsein], como um “saber” [Wissen], então se mostra aí da forma mais incisiva possível aquele momento da abertura de algo no interior da própria vontade. No entanto, a abertura não é nenhuma consideração, mas um sentimento. Isso diz: o querer mesmo é um tipo de estado, ele se encontra aberto para e em si mesmo. Querer é sentimento (um estado como um estar afinado). Na medida em que a vontade mesma tem, contudo, aquela pluralidade de figuras já indicada que é intrínseca ao querer-para-além-de-si; e na medida em que tudo isso se torna manifesto na totalidade, pode-se constatar o seguinte: na vontade esconde-se uma multiplicidade de sentimentos. É o que nos diz Nietzsche em Para além do bem e do mal:
“em todo querer há, primeiramente, uma multiplicidade de sentimentos: o sentimento de um estado do qual saímos, o sentimento de um estado para o qual tendemos, o sentimento dessa ‘saída’ e dessa ‘tendência’, então ainda um sentimento muscular paralelo que se coloca em jogo por meio de um tipo de hábito, mesmo quando não movemos ‘pernas e braços’”.
[GA6MAC]
À essência do sentimento em geral pertence não apenas o fato de ele ser sentimento por algo, mas o fato de esse sentimento por algo ser ao mesmo tempo um tornar sensível do que sente mesmo e de seu estado, de seu ser no sentido mais amplo possível. Concebido de maneira genérica, o sentimento expressa para Kant um modo próprio do tornar evidente do eu. No ter sentimento por algo reside sempre simultaneamente um sentir-se, e, no sentir-se, um modo do se tornar manifesto. O modo como eu me torno manifesto para mim mesmo no sentir é codeterminado por aquilo pelo que eu tenho um sentimento nesse sentir. Assim, mostra-se o fato de o sentir não ser uma simples reflexão sobre si mesmo, mas um sentir-se no ter sentimento por algo. Essa já é uma estrutura mais complicada, una em si. Naquilo que Kant designa como sentimento, o essencial não é aquilo que habitualmente temos em vista na compreensão cotidiana: o sentimento em contraposição à apreensão conceitualmente teórica e um saber de si como algo indeterminado, vago, um pressentimento momentâneo e coisas do gênero. O fenomenologicamente decisivo no fenômeno do sentimento é o fato de ele descobrir e tornar acessível diretamente o sentido, e, em verdade, não sob o modo da intuição, mas no sentido de um ter-a-si-mesmo direto. Os dois momentos da estrutura do sentimento precisam ser retidos: sentimento como sentimento por, e nesse ter sentimento por ao mesmo tempo o sentir-se.
Precisamos levar em conta o fato de, segundo Kant, nem todo sentimento ser sensível, isto é, determinado pelo prazer e desprazer, ou seja, ser constituído pela sensibilidade. Se a autoconsciência moral não torna evidente um estado casual momentâneo do sujeito empírico, isto é, não pode ser empírico-sensível, então isso não exclui a possibilidade de que haja por assim dizer um sentimento no sentido kantiano bem definido. A autoconsciência moral precisa ser um sentimento, se é que ela precisa se distinguir do saber teórico no sentido do eu-me-penso teórico. Por isso, Kant fala do “sentimento moral” ou do “sentimento de minha existência”. Essa não é nenhuma experiência empírica de mim mesmo, mas também não é nenhum saber ou pensamento teórico do eu como sujeito do pensamento, mas um tornar manifesto o eu em sua determinação não sensível, isto é, um tornar a si mesmo manifesto como agente. [GA24MAC:194-195]