- Melin
- Wagner
Melin
(…) Existem, aliás, experiências que são experiências enquanto estão presentes, mas sobre as quais não se pode refletir nada, ou somente através de uma apreensão extremamente vaga e cuja reprodução, a não ser por meio da noção puramente vazia de que “vivenciou-se alguma coisa” — em outras (64) palavras, ou de uma maneira clara — é impossível. Chamaremos esse grupo de experiências “essencialmente atuais”, porque elas são, por natureza, limitadas a uma determinada posição temporal dentro da corrente de consciência. São conhecidas por sua ligação ou proximidade com o âmago mais profundo do Ego, que Scheler muito bem definiu como “privacidade pessoal absoluta” (absolut intime Person) do indivíduo. Sabemos que a privacidade pessoal absoluta de uma pessoa está lá, e que ela permanece absolutamente fechada, sem permitir que outros indivíduos compartilhem sua experiência. Mas também no autoconhecimento existe uma esfera de intimidade absoluta cujo estar lá (Dasein) e tão indubitável quanto fechado à nossa inspeção. As experiências peculiares a essa esfera são simplesmente inacessíveis à memória, e esse é um fato característico de seu modo de ser: a memória só capta o “isso” dessas experiências. Talvez se possa reforçar a confirmação dessa tese (que aqui só pode ser afirmada, e não inteiramente provada) por meio de uma observação imediata: a reprodução adequada da experiência torna-se cada vez menos possível na medida em que esta se aproxima do âmago, da intimidade da pessoa. A consequência dessa função decrescente é uma reprodução cada vez mais vaga do conteúdo da experiência. Simultaneamente, diminui a possibilidade de recapitulação, isto é, a capacidade de reconstrução completa do curso da experiência. Quando ainda existe alguma possibilidade de reprodução, o máximo a que se pode chegar é a um simples ato de apreensão. O “Como” da experiência, no entanto, só pode ser reproduzido através da recapitulação. A lembrança de uma experiência do mundo exterior é relativamente nítida, uma sequência de acontecimentos externos, um movimento talvez, pode ser lembrada numa livre reprodução, isto é, escolhendo-se arbitrariamente determinados pontos da duração. A reprodução de experiências da percepção interior é incomparavelmente mais difícil; aquelas percepções internas próximas do amago absolutamente privado da pessoa são irrecuperáveis no que diz respeito a seu “Como”, e no máximo pode-se apreender o seu “isso”. Pertencem a essa região, em primeiro lugar, não só todas as experiências da realidade física do Ego, ou, em outras palavras, do Ego Vital (tensões e relaxamentos musculares relacionados aos movimentos do corpo, dor “física”, sensações sexuais, e assim por diante), mas também os fenômenos psíquicos classificados em conjunto sob o título vago de “humores”, ou “sentimentos” e “afetações” (alegria, tristeza, (65) desgosto, etc.). Os limites da lembrança coincidem exatamente com os limites da “racionalidade”, desde que se use essa palavra ambígua — como o faz, às vezes, Max Weber — no seu sentido mais amplo, isto é, no sentido de “possibilidade de atribuir significado”. A possibilidade de recuperação pela memória é, de fato, o primeiro requisito de toda construção racional. Aquilo que é irrecuperável — em princípio, sempre algo inefável — só pode ser vivido, nunca “pensado”: é, em princípio, impossível de ser verbalizado.