Schutz (1979:63-65) – experiências enquanto estão presentes

Melin

(…) Existem, aliás, experiências que são experiências enquanto estão presentes, mas sobre as quais não se pode refletir nada, ou somente através de uma apreensão extremamente vaga e cuja reprodução, a não ser por meio da noção puramente vazia de que “vivenciou-se alguma coisa” — em outras (64) palavras, ou de uma maneira clara — é impossível. Chamaremos esse grupo de experiências “essencialmente atuais”, porque elas são, por natureza, limitadas a uma determinada posição temporal dentro da corrente de consciência. São conhecidas por sua ligação ou proximidade com o âmago mais profundo do Ego, que Scheler muito bem definiu como “privacidade pessoal absoluta” (absolut intime Person) do indivíduo. Sabemos que a privacidade pessoal absoluta de uma pessoa está lá, e que ela permanece absolutamente fechada, sem permitir que outros indivíduos compartilhem sua experiência. Mas também no autoconhecimento existe uma esfera de intimidade absoluta cujo estar lá (Dasein) e tão indubitável quanto fechado à nossa inspeção. As experiências peculiares a essa esfera são simplesmente inacessíveis à memória, e esse é um fato característico de seu modo de ser: a memória só capta o “isso” dessas experiências. Talvez se possa reforçar a confirmação dessa tese (que aqui só pode ser afirmada, e não inteiramente provada) por meio de uma observação imediata: a reprodução adequada da experiência torna-se cada vez menos possível na medida em que esta se aproxima do âmago, da intimidade da pessoa. A consequência dessa função decrescente é uma reprodução cada vez mais vaga do conteúdo da experiência. Simultaneamente, diminui a possibilidade de recapitulação, isto é, a capacidade de reconstrução completa do curso da experiência. Quando ainda existe alguma possibilidade de reprodução, o máximo a que se pode chegar é a um simples ato de apreensão. O “Como” da experiência, no entanto, só pode ser reproduzido através da recapitulação. A lembrança de uma experiência do mundo exterior é relativamente nítida, uma sequência de acontecimentos externos, um movimento talvez, pode ser lembrada numa livre reprodução, isto é, escolhendo-se arbitrariamente determinados pontos da duração. A reprodução de experiências da percepção interior é incomparavelmente mais difícil; aquelas percepções internas próximas do amago absolutamente privado da pessoa são irrecuperáveis no que diz respeito a seu “Como”, e no máximo pode-se apreender o seu “isso”. Pertencem a essa região, em primeiro lugar, não só todas as experiências da realidade física do Ego, ou, em outras palavras, do Ego Vital (tensões e relaxamentos musculares relacionados aos movimentos do corpo, dor “física”, sensações sexuais, e assim por diante), mas também os fenômenos psíquicos classificados em conjunto sob o título vago de “humores”, ou “sentimentos” e “afetações” (alegria, tristeza, (65) desgosto, etc.). Os limites da lembrança coincidem exatamente com os limites da “racionalidade”, desde que se use essa palavra ambígua — como o faz, às vezes, Max Weber — no seu sentido mais amplo, isto é, no sentido de “possibilidade de atribuir significado”. A possibilidade de recuperação pela memória é, de fato, o primeiro requisito de toda construção racional. Aquilo que é irrecuperável — em princípio, sempre algo inefável — só pode ser vivido, nunca “pensado”: é, em princípio, impossível de ser verbalizado.

Wagner

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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