O “da” diz precisamente a abertura da cura, um anteceder-a-si-mesmo em já sendo em e junto a. Como traduzir então esse “da”? O prefixo latino que mais próximo se encontra de “da” é “prae”. O problema não é somente como entender o “da” em alemão, mas igualmente como apreender o prefixo latino “prae”. Um grande equívoco envolve a compreensão desse prefixo latino, equívoco que se deve à tentativa de provar que a palavra latina praesens é a tradução do grego parousia. Essa tese defendida por Wackernagel, sobre em quem Heidegger se apóia para as suas considerações sobre o termo praesentia, prevaleceu durante um certo tempo. Bem mais convincente, mesmo do ponto de vista da linguística, porém, é a posição de Emile Benvéniste que afirma, em seu exaustivo estudo sobre as preposições latinas, que “por preasens não se entende propriamente o que está aí, ou seja, o ‘pró’, mas sim o que me ultrapassa, o que se me adianta, ou seja, o iminente, urgente, como na palavra inglesa ahead” 1. Ora o que diz Benvéniste senão que a palavra latina praesens significa o que Heidegger entende por cura, o anteceder-a-si-mesmo já sendo em, junto a, ou seja, “da”? O desafio que se apresenta nas línguas de derivação latina é, portanto, o de dissociar praesentia de parousia, que é para Heidegger o sentido grego de Vorhandenheit, de ser simplesmente dado, assim como é tarefa no alemão dissociar Dasein de Vorhandenheit. O que Heidegger propriamente discute ao criticar “présence” é o grego parousia e toda a sua implicação onto-teo-lógica. Em toda a análise, digamos temporal, da espacialidade, em que espaço mostra-se como modo ou aspecto verbal, Heidegger insiste que “da”, “pre” não é um lugar-aqui, mas proximidade do distante e distância da proximidade, a espacialidade própria do anteceder-a-si-mesmo em já sendo. Isso se afirma ainda uma vez na forma do gerúndio s-ens, que forma “-sença”, a qual indica o em sendo no a ser.
[“A perplexidade da presença”, in HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tr. Marcia Schuback. Petrópolis: Vozes, 2006]