E afirmo: a essência do homem, o que se pode chamar a sua “posição peculiar”, está muito acima do que se denomina inteligência e aptidão para a escolha; e não se chegaria lá, mesmo se estas faculdades se representassem ampliadas seja a que grau for e, inclusive, se intensificassem até ao infinito 1. Mas seria igualmente errôneo imaginar a novidade, que faz do homem um homem, como um novo estádio essencial que se acrescenta aos anteriores: impulso afectivo, instinto, memória associativa, inteligência e escolha – e como um novo grau das funções e aptidões psíquicas e vitais: o seu conhecimento respectivo dependeria ainda da competência da psicologia.
O novo princípio está fora de tudo aquilo que, no sentido mais amplo, podemos chamar “vida”. O que somente do homem faz um “homem” não é um novo estádio da vida em geral – nem sequer é um estádio da única forma de manifestação desta vida, da “psique” -, mas é apenas um princípio oposto a toda e a cada vida em geral, e também à vida no homem: um genuíno e novo facto essencial que, como tal, não se pode reduzir à “evolução natural da vida”; se a algo se reduz, é apenas ao fundamento supremo e único das coisas: ao próprio fundamento, de que a “vida” é apenas uma grande manifestação”.
Os Gregos afirmaram já semelhante princípio e chamaram-lhe “razão”2. Para este X, preferimos utilizar uma palavra mais ampla; engloba ela o conceito de “razão” e, além do “pensamento por ideias”, abarca também uma espécie determinada de “intuição” (Anschauung) – a intuição dos protofenómenos ou dos conteúdos eidéticos e ainda uma certa classe de actos volitivos e emocionais como bondade, amor, arrependimento, veneração, admiração espiritual, beatitude e desespero, a livre decisão: ou seja, a palavra espírito (Geist). Mas ao centro de actos, em que o espírito se manifesta no seio das esferas finitas do ser, caracterizamo-lo como “pessoa”, em contraste incisivo com todos os centros vitais funcionais que, do ponto de vista interno, se chamam também centros “psíquicos”.