Em outras palavras, um homem tende, em primeira instância, a viver mais nos outros do que em si mesmo; mais na comunidade do que em seu próprio eu individual. Isso é confirmado pelos fatos da psicologia infantil e também pelo pensamento de todos os povos primitivos. As ideias, os sentimentos e as tendências que governam a vida de uma criança, além dos gerais, como fome e sede, estão inicialmente confinados inteiramente àqueles de seu ambiente imediato, seus pais e parentes, seus irmãos e irmãs mais velhos, seus professores, seu lar, seu povo e assim por diante. Imbuído do “sentimento de família”, sua própria vida, a princípio, fica quase totalmente oculta para ele. Preso, por assim dizer, e hipnotizado pelas ideias e sentimentos desse ambiente concreto, as únicas experiências que conseguem cruzar o limiar de sua consciência interior são aquelas que se encaixam nos padrões sociologicamente condicionados que formam uma espécie de canal para o fluxo de seu ambiente mental. Somente muito lentamente ele ergue sua cabeça mental, por assim dizer, acima dessa corrente que o inunda, e se descobre como um ser que, às vezes, também tem sentimentos, ideias e tendências próprias. E isso, além disso, só ocorre na medida em que a criança objetifica as experiências do ambiente em que vive e das quais participa e, assim, adquire distanciamento delas. O conteúdo mental da experiência que é virtualmente absorvido “com o leite materno” não é o resultado de uma transferência de ideias, vivenciada como algo “comunicado”. Pois a comunicação implica que entendamos o ‘conteúdo comunicado’ como proveniente de nosso informante e que, ao entendê-lo, também apreciemos sua origem na outra pessoa. Mas esse fator é exatamente o que está ausente no modo de transferência que opera entre o indivíduo e seu ambiente. Pois, nesse caso, não “entendemos” primariamente a emissão de um julgamento ou a expressão de uma emoção, ou a consideramos como a expressão de outro eu. Nós nos envolvemos com isso, sem estarmos conscientemente cientes do elemento de cooperação envolvido. E o efeito disso é que começamos a considerá-lo como nosso próprio julgamento ou reação emocional. É somente quando nos lembramos que a experiência normalmente passa a ter o caráter de algo adquirido de fora, dependendo de até que ponto conseguimos, por meio da maturidade e não do conhecimento, separar nossa própria experiência (e seu conteúdo individual) da de outras pessoas. No entanto, muito antes de a criança atingir o estágio de ser capaz de fazer uma distinção mais precisa entre si mesma e seu ambiente mental, sua consciência já está repleta de ideias e experiências cuja origem real ela desconhece completamente; e uma vez que ela tenha começado a se apossar de suas próprias experiências que estão além desse limiar comunitário original, ela pode recorrer a essas ideias para dar sentido ao seu ambiente, porque é exatamente daí que elas vieram em primeiro lugar.1 (MSNS)
- É por isso que uma compreensão completa da história mental de um povo (ou de uma comunidade religiosa) só pode ser alcançada, em última instância, por aqueles que pertencem ao grupo em questão e foram imbuídos de suas tradições. Lamprecht também chegou a essa conclusão em seu ensaio “Kulturpolitik” (Deutsche Revue, dezembro de 1912).[
]