- Paulo Perdigão
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Paulo Perdigão
Ter, fazer e ser são as categorias cardeais da realidade humana. Classificam em si todas as condutas do homem. O conhecer, por exemplo, é uma modalidade de ter. Essas categorias não carecem de conexões mútuas, e muitos autores insistiram em tais relações. Foi uma relação dessa espécie que Denis de Rougemont deixou clara ao escrever em seu artigo sobre Don Juan: “Ele não era suficientemente o seu próprio ser para poder ter”. E é também semelhante conexão que transparece quando mostramos um agente moral que faz para se fazer e que se faz para ser.
Todavia, tendo triunfado na filosofia moderna a tendência antissubstancialista, a maioria dos pensadores tentou imitar no campo das condutas humanas aqueles predecessores que, em física, haviam substituído a substância pelo simples movimento. O objetivo da moral foi por longo tempo prover o homem com o meio de ser. Tal era a significação da moral estoica ou da Ética de Spinoza. Mas, se o ser do homem há de reabsorver-se na sucessão de seus atos, a meta da moral já não será elevar o homem a uma dignidade ontológica superior. Nesse sentido, a moral kantiana é o primeiro grande sistema ético que substitui o ser pelo fazer como valor supremo da ação. Os heróis de L’Espoir 1 estão quase sempre no terreno do fazer, e Malraux nos mostra o conflito entre os velhos democratas espanhóis, que ainda tentam ser, e os comunistas, cuja moral se resolve em uma série de obrigações precisas e circunstanciadas, cada uma visando um fazer particular. Quem tem razão? O valor supremo da atividade humana é um fazer ou um ser? E, qualquer que seja a solução adotada, que será do ter? A ontologia deve poder informar-nos sobre esse problema; é, além disso, uma de suas tarefas essenciais, se o Para-si é o ser que se define pela ação. Portanto, não devemos concluir esta obra sem esboçar, em seus grandes traços, o estudo da ação em geral e das relações essenciais entre o fazer, o ser e o ter.
Original
SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Tr. Paulo Perdigão. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 535)