Sallis (1990:97-100) – imaginação – o sentido do ser?

destaque

Não se deve passar demasiado facilmente por cima do paradoxo que surge assim que a imaginação é introduzida na fenomenologia. Ao regressar às coisas em si, a fenomenologia parece exigir exatamente a direção oposta àquela que se acredita que a imaginação tipicamente toma. A fenomenologia, ao que parece, não poderia ter nada a ver com esses voos de fantasia, essas ficções, com as quais a imaginação – aparentemente alheia às coisas em si – teria de se ocupar. Quando muito, a fenomenologia poderia empenhar-se numa análise da imaginação como um modo de comportamento a ser contrastado com outros modos, tais como a percepção e a memória; mas neste caso a imaginação seria considerada simplesmente como mais uma daquelas coisas em si a que a fenomenologia se ocuparia.

E, no entanto, as coisas nunca foram assim tão simples. Em primeiro lugar, porque a fenomenologia nunca foi uma simples retorno às coisas em si, como se essas coisas estivessem de alguma forma simplesmente aí, já colocadas perante uma visão que apenas precisaria de ser retirada da sua distração. Pelo contrário, as próprias coisas têm de ser tornadas acessíveis à medida que se mostram, à medida que se mostram a partir de si mesmas. O retorno a elas é, pois, um retorno que deve ser efetuado com rigor, de tal modo que chega a determinar o próprio sentido do rigor filosófico. É, pois, neste contexto que Husserl retoma a questão da imaginação de uma forma mais intrínseca, declarando, naquela passagem frequentemente citada de Ideias I, que “a ‘ficção’ constitui o elemento vital da fenomenologia”. De fato, pode mostrar-se que tanto a redução eidética como a redução transcendental dependem significativamente de certas operações da imaginação. Nesta medida, a imaginação revela-se essencial para a própria abertura do campo das coisas em si, dos entes enquanto tais. Não se trata ainda, de modo algum, de estabelecer a imaginação como o sentido do ser dos entes. Mas trata-se, pelo menos, de abordar uma ligação entre a imaginação e a abertura de um espaço no qual os entes podem vir a mostrar-se tal como são, isto é, em seu ser.

Original

  1. Edmund Husserl, Ideen zu einer reinen Phänomenologie und phänomenologischen Philosophie, Erstes Buch, ed. Walter Biemel (The Hague: Martinus Nijhoff, 1950), 163.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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