Safranski: corpo e vontade em Schopenhauer

Arthur se assombrava porque, desde o começo, sentia dentro de si uma disposição de ânimo que não lhe permitia reconhecer a calidez da vida. Ele a percebia de forma diversa: era um turbilhão gelado que o percorria e ao longo do qual ele mesmo era arrastado. O que dele estava mais próximo — a realidade pulsante de seu próprio corpo — era percebido por ele como algo que se achava distante e estranho, tão distante e tão estranho, de fato, que para ele se tornava um mistério, que o conduziu simplesmente para o mistério filosófico. Era esta realidade corporal que ele denominava de “Vontade” e que se veio a tornar o ponto central de sua filosofia. Precipitado na experiência de sua própria vitalidade, que para ele parecia estranha, isto lhe serve como apoio para mais tarde desvendar o mistério daquilo que Kant havia empurrado para a maior distância possível: a ameaçadora “Coisa em Si” — o mundo como ele o é de fato, totalmente independente da forma como nós o concebemos e apresentamos para nós mesmos. O que Schopenhauer buscava era transformar este ponto remoto novamente em algo bem próximo. A “Coisa em Si” — somos nos mesmos em nossa corporalidade mais íntima, vivenciada de dentro para fora. A “Coisa em Si” é a Vontade, que vive, mesmo antes de chegar a compreender a si mesma. O mundo é o universo da vontade e essa vontade, uma vez manifesta, é o coração latejante deste universo. Em última análise, nós sempre somos o mesmo que o Todo. Mas essa totalidade é selvageria, uma luta consigo mesmo, sacudida por uma perene inquietação. E acima de tudo: não faz o menor sentido, não possui o menor propósito. É isso que deseja o sentimento vital schopenhaureano.