(Rorty2009)
É a noção de que a atividade humana (e a inquirição, a busca de conhecimento, em particular) tem lugar dentro de um quadro que pode ser isolado previamente à conclusão da inquirição — um conjunto de pressuposições que podem ser descobertas a priori — que liga a filosofia contemporânea à tradição Descartes-Locke-Kant. Pois a noção de que existe tal quadro somente faz sentido se pensamos nele como imposto pela natureza do sujeito conhecedor, pela natureza de suas faculdades ou pela natureza do meio no qual ele trabalha. A própria ideia de “filosofia” como algo distinto de “ciência” faria pouco sentido sem a afirmação cartesiana de que voltando-nos para dentro poderíamos encontrar a verdade inelutável, e a afirmação kantiana de que essa verdade impõe limites aos resultados possíveis da inquirição empírica. A noção de que poderia haver uma coisa tal como “fundamentos do conhecimento” (todo o conhecimento — em todos os campos, passados, presentes e futuros) ou uma “teoria da representação” (toda a representação, em vocabulários familiares e naqueles ainda nem sonhados) depende da suposição de que há tal injunção a priori. Se temos uma concepção deweyana de conhecimento, como algo que estamos justificados em acreditar, então não iremos imaginar que haja injunções duradouras sobre o que podemos contar como conhecimento, uma vez que veremos a “justificação” antes como um fenômeno social do que uma transação entre o “sujeito conhecedor” e a “realidade”. Se temos uma noção wittgeinsteiniana de linguagem antes como instrumento do que como espelho, não iremos procurar por condições necessárias de possibilidade de uma representação linguística. Se temos uma concepção heideggeriana de filosofia, iremos ver a tentativa de tornar a natureza do sujeito conhecedor uma fonte de verdades necessárias como mais uma tentativa auto-frustrante de substituir uma questão “técnica” e determinada por aquela abertura à estranheza que inicialmente empurrou-nos a começar a pensar.
Um modo de ver como a filosofia analítica se ajusta ao padrão cartesiano-kantiano tradicional é ver a filosofia tradicional como uma tentativa de escapar da história — uma tentativa de encontrar condições a-históricas de qualquer desenvolvimento histórico possível. A partir dessa perspectiva, a mensagem comum de Wittgenstein, Heidegger e Dewey é historicista. Cada um dos três nos lembra que as investigações dos fundamentos do conhecimento, ou moralidade, ou linguagem, ou sociedade podem ser simplesmente apologéticas, tentativas de eternizar certo jogo de linguagem, prática social ou auto-imagem contemporâneos.