Romano (EM:44-45) – o luto enquanto acontecimento

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Assim, enquanto o acontecimento intramundano não acontece, em sentido estrito, a ninguém, os acontecimentos que ocorrem na aventura humana de tal modo que me acontecem a mim em particular são muito diferentes. “Acontecimentos” no sentido “próprio”, uma vez que etimologicamente “acontecimento” vem do latim evenire, que significa não só (45) “acontecer”, “ocorrer”, “realizar-se”, “consumar-se”, mas também ” advir”; alicui, a alguém. Um luto, um encontro ou uma doença são acontecimentos que acontecem a cada um de nós de uma forma incomparável e que nos dão, portanto, uma história. É claro que o acontecimento em si é neutro: temos de dizer que acontece, ou melhor, que acontece, fazendo uma distinção rigorosa entre o que acontece e a quem acontece. Tomemos como exemplo o acontecimento da morte de uma pessoa que me é próxima e a dor que sinto: a morte de um outro como “fato objetivo” não é certamente idêntica à dor sentida intimamente pelos que ficaram. Mas onde é que podemos situar o acontecimento “entre eles”? É claro que o acontecimento não é um segundo fato, situado de alguma forma “ao lado” do primeiro; nem é uma simples “experiência subjectiva” pertencente à esfera da interioridade psicológica. Pelo contrário, é o próprio acontecimento que é um acontecimento para mim, na medida em que a perda do meu ente querido, ao atingir-me diretamente no coração, perturba a totalidade das possibilidades que se articulam para mim como mundo. O acontecimento não é outra coisa senão a reconfiguração impessoal das minhas possibilidades e do mundo que se dá sob a forma de um fato, e através do qual abre uma fenda na minha própria aventura. Uma transformação de mim próprio e do mundo, inseparável, portanto, da experiência que dela faço.

original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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