Romano (2018) – o que é o si-mesmo?

tradução

(…) De fato, parece que este sentido normativo e axiológico do “si mesmo”, que subjaz à ideia de existência “à altura de si mesmo”, ou de existência de acordo com o seu verdadeiro ser, não é de todo estranho aos textos mais antigos da nossa cultura filosófica e que foi mesmo elaborado por Heidegger, pelo menos em parte, para permitir que o motivo socrático da preocupação consigo mesmo fosse reformulado no quadro da sua ontologia fundamental. Quando Sócrates, por exemplo, afirma no Alcibíades que procura “o que é o próprio ‘eu’ (auto to auto)”, e quando responde que, para cada um de nós, esse “eu” é a parte mestra dentro de nós, de modo que “o homem é a alma (ton anthropon he psychen) “, de modo algum pretende, com esta expressão “o eu”, referir-se a um núcleo identitário infrangível que asseguraria a nossa permanência no tempo, algo como um “self”, mas sim identificar o “lugar” onde cada um de nós (cada ser humano) existe na plenitude da sua essência. Como refere Jean-Pierre Vernant, no pensamento grego, “a psyche é uma entidade impessoal ou suprapessoal em cada um de nós. É a alma em mim e não a minha alma”. Do mesmo modo, quando Aristóteles, na Ética a Nicômaco, formula a pergunta retórica: “Não é isto uma admissão de que o intelecto (noûs) somos nós mesmos?”, o seu objetivo não é localizar um “eu”, mas sublinhar que só somos plenamente nós mesmos e existimos de acordo com a nossa própria natureza (como seres humanos) quando existimos sob a orientação do nosso noûs.

Original

[ROMANO, Claude. Être soi-même: une autre histoire de la philosophie. Paris: Gallimard, 2018]

  1. Platon, Alcibiade, 129 b-130 c. On pourra se reporter à propos de ce passage à Julia Annas, « Self-knowledge in Early Plato », in Dominic J. O’Meara (dir.), Platonic Investigations, Washington, The Catholic University of America Press, 1985, p. 111-138 et Jacques Brunschwig, « La déconstruction du “connais-toi toi-même” dans l’Alcibiade majeur », Recherches sur la philosophie et le langage, no 18, 1996, p. 61-84. Voir aussi Marie-France Hazebroucq, « La connaissance de soi-même et ses difficultés dans l’Ennéade V, 3 et le Charmide de Platon », in Monique Dixsaut, Pierre-Marie Morel et Karine Tordo-Rombaut (dir.), La Connaissance de soi. Études sur le traité 49 de Plotin, Paris, Vrin, 2002, p. 107-132 : l’interprète insiste sur le fait que regarder la partie intellective de l’âme c’est voir la divinité comme dans un miroir et que donc la connaissance ici est « totalement dépersonnalisée » (p. 116). Dans la reprise néoplatonicienne de l’Alcibiade, la connaissance de soi vise à « transcender le moi individuel pour découvrir dans l’intériorité la plus intime, sa propre identité, tout autre que lui » (p. 118).[↩]
  2. Jean-Pierre Vernant, L’Individu, la mort, l’amour. Soi-même et l’autre en Grèce ancienne, Paris, Gallimard, coll. Bibliothèque des Histoires, 1989, rééd. coll. Folio histoire, 1996, p. 228.[↩]
  3. Aristote, Éthique à Nicomaque, IX, 8, 1168 b 35.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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