Romano (2018) – “fazer eu” – modos de ser, modos de viver

destaque

Ao chamar à sua investigação “a história da subjetividade”, Foucault parece ter lançado mais trevas do que luz sobre aquilo que constitui o seu objeto principal. Além disso, parece ter contrariado as suas próprias intenções, tal como formuladas nas suas conferências, uma vez que, numa passagem decisiva de A Coragem da Verdade que resume todo o seu projeto, sublinha a heterogeneidade dos dois grandes caminhos que atravessam a história do pensamento ocidental e que representam duas respostas à questão socrática de saber com o que nos preocupamos quando nos ocupamos de nós próprios. A primeira, segundo ele, tem as suas raízes no Alcibíades e defende que o que nos interessa é a nossa alma; dá origem à grande metafísica da alma e aos seus herdeiros, a metafísica do eu e da subjetividade. A segunda toma forma a partir de Laques. “A instauração do si mesmo”, escreve Foucault, “já não será de todo no modo da descoberta de uma psyche como realidade ontologicamente distinta do corpo, (mas) como um modo de ser e um modo de fazer, um modo de ser e um modo de fazer que — como é explicitamente afirmado nos Laques — deve ser levado em conta ao longo de toda a existência. O modo como se vive, o modo como se viveu, é disso que se deve dar conta”. O primeiro caminho, insiste Foucault, conduz à filosofia como disciplina puramente teórica, e é o oposto da sua própria abordagem; o segundo dá lugar àquilo a que chama, seguindo Hadot, “espiritualidade”, isto é, uma transformação da vida (bios) e das formas de viver com vista a encontrar a verdade. É apenas esta segunda via que interessa a Foucault. Mas daí resulta que não deveria ter chamado ao seu projeto “hermenêutica do sujeito”, se é que as palavras têm algum significado em filosofia. Também não poderia ter-lhe chamado “história do eu”, dado que o “eu” é, do ponto de vista desta história, apenas uma invenção muito tardia, devida a Descartes e Pascal, e que, pelo menos na sua forma cartesiana, está inequivocamente ligada ao primeiro caminho. Mas como qualificar, então, uma história que toma como objeto sobretudo “modos de ser” ou “modos de viver”, aqueles que consistem em “fazer a verdade” na sua vida?

original

  1. Voir notamment, sur cette triade, Michel Foucault, Le Courage de la vérité. Cours au Collège de France (1984), Paris, Gallimard / Seuil / EHESS, 2009, p. 10. On pourra associer à ces cours : Michel Foucault, Qu’est-ce que la critique ? suivi de La Culture de soi, Paris, Vrin, 2015 ; Subjectivité et vérité. Cours au Collège de France (1980-1981), Paris, Gallimard / Seuil / EHESS, 2014 ; L’Origine de l’herméneutique de soi, Paris, Vrin, 2013 ; Discours et vérité, précédé de La parrêsia, Paris, Vrin, 2016. Nous laisserons de côté l’emploi idiosyncrasique et discutable que Foucault fait du concept de « vérité ». On pourra se reporter à ce sujet aux critiques de Pascal Engel et de Jacques Bouveresse (voir supra, note 26) auxquelles nous souscrivons.[↩]
  2. Alain de Libera, Archéologie du sujet, t. I, Naissance du sujet, Paris, Vrin, 2007 ; t. II, La Quête de l’identité, Paris, Vrin, 2008 ; t. III, L’Acte de penser, Paris, Vrin, 2014 ; et, du même auteur, L’Invention du sujet moderne. Cours du Collège de France (2013-2014), Paris, Vrin, 2015.[↩]
  3. Michel Foucault, Le Courage de la vérité, op. cit., p. 147-148.[↩]
  4. Ludwig Wittgenstein, Tractatus logico-philosophicus, trad. fr. G.-G. Granger, Paris, Gallimard, coll. Bibliothèque de Philosophie, 1993, proposition 4.461. Wittgenstein oppose ce qui est sinnlos à ce qui est unsinnig, dépourvu de sens (voir 4.4611).[↩]
  5. Lucien Tesnière, Éléments de syntaxe structurale, Paris, Klincksieck, 1988, p. 161.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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