Romano (2018) – a invenção do “eu”

destaque

Resultante da problemática operação gramatical representada pela substantivação de um pronome pessoal, “o eu” (le moi) surge, de fato, no contexto de várias inovações conceituais decisivas, nomeadamente 1) a passagem para o primeiro plano de uma teoria do conhecimento neutra e objetiva, indexada sobre um método universal, e do ponto de vista da qual este ego, dado a si mesmo em conhecimento evidente, é o primeiro conhecível de direito; 2) a diferença introduzida por Descartes, e mantida depois dele, entre o eu e o homem, e consequentemente também entre o eu e uma parte do homem, a sua alma ou espírito, diferença que tem como corolário que, quando o eu entra na filosofia, este eu não sou eu, não é o indivíduo empírico que eu sou, nem nenhuma das suas faculdades psicológicas; 3) o fato de este eu só se dar a si mesmo na primeira pessoa, de ser constituído pela relação singular que mantém consigo mesmo, uma relação insignificante que não pode manter com nenhuma outra coisa; 4) finalmente, o fato de ser neste eu que reside a condição da nossa identidade para conosco mesmos através do tempo; o que equivale a dizer que a nossa identidade no sentido comum e vulgar, a identidade que possuímos como seres humanos singulares, não é suficiente para nos identificar: existe, para cada um de nós, uma identidade mais profunda, acessível apenas na primeira pessoa.

original

  1. Pierre Hadot, cours au Collège de France de 1988 (inédit) ; cité par Ilsetraut Hadot, Sénèque. Direction spirituelle et pratique de la philosophie, Paris, Vrin, 2014, p. 311.[↩]
  2. Sur cette « invention », voir Vincent Carraud, L’Invention du moi, Paris, PUF, 2010 (les quatre déterminations que nous mentionnons ne se trouvent pas dans cet ouvrage). Voir aussi infra, chap. XIII.[↩]
  3. Platon, Alcibiade, 132 d sq. ; Aristote, Éthique à Nicomaque, IX, 9, 1169 b 33 sq. Platon et Aristote affirment dans ces passages (et d’autres) que nous sommes le mieux connus par notre ami qui, seul, discerne ce qu’il y a de meilleur et de plus vrai en nous. La contemplation de soi est réservée par Aristote soit à l’être divin (voir Métaphysique, Λ, 7, 1072 b 20 et 9, 1075 a 33-34), soit aux êtres les plus stupides. Car « si un homme se prend pour objet de son examen, nous le nommons imbécile [anaisthêtos, littéralement : qui ne sent rien] » (Grande morale, II, 15, 1213 a 5).[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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