Excerto de RICŒUR, Paul. SOI-MÊME COMME UN AUTRE. Paris: Seuil, 1990, p. 10-11
nossa tradução
A primeira intenção era indicar a primazia da meditação reflexiva sobre a posição imediata do sujeito, pois isso é expresso na primeira pessoa do singular: “Eu penso”, “Eu sou”. Essa intenção inicial baseia-se nas gramáticas das línguas naturais, na medida em que permitem a oposição entre “si” e “eu”. Esse suporte assume formas diferentes, seguindo as peculiaridades de cada idioma. Além da ampla correlação entre o soi francês, o self inglês, o alemão Selbst, o italiano se e o sí mismo espanhol, as gramáticas divergem. Mas essas divergências são elas mesmas instrutivas, na medida em que cada peculiaridade gramatical lança luz sobre parte do significado essencial buscado. Com relação ao francês, soi é diretamente definido como um pronome reflexivo. É verdade que o uso filosófico do termo ao longo desses estudos viola uma restrição enfatizada pelos gramáticos, a saber, que soi é um pronome reflexivo de terceira pessoa (ele próprio, ela mesma, isso mesmo). Essa restrição, no entanto, é revogada se compararmos o termo soi com o termo se, que está relacionado aos verbos na forma do infinitivo – por exemplo, apresentar-se, nomear-se. Esse uso típico verifica um dos ensinamentos do linguista G. Guillaume, que observou que, na forma infinitiva, e até certo ponto no particípio, o verbo expressa seu significado mais amplo, antes de ser distribuído entre os tempos e as pessoas gramaticais. Se, em seguida, designa o caráter reflexivo de todos os pronomes pessoais, e até mesmo os pronomes impessoais, como “cada”, “qualquer um”, “um”, aos quais referirei com frequência no curso dessas investigações. Esse desvio por si só não é gratuito, na medida em que o pronome reflexivo soi também atinge a mesma faixa atemporal quando é adicionado ao se no modo infinitivo: decidir-se si mesmo (se decider soi-même). (Estou deixando de lado, por enquanto, o significado atribuído ao mesmo na expressão si mesmo (soi-même)) É com base nesse último uso proposto – pertencendo admitidamente ao “uso adequado” da língua francesa – que meu uso constante do termo soi (si) em um contexto filosófico depende, como um pronome reflexivo pertencente a todas as pessoas gramaticais, sem mencionar as expressões impessoais citadas acima. Por sua vez, esse valor de um pronome reflexivo onipessoal também é preservado quando soi (si) funciona como objeto de um substantivo: le souci de soi (cuidado de si) – para tomar emprestado o magnífico título de Michel Foucault. Não há nada de surpreendente nesse giro de frase, na medida em que os substantivos que admitem soi (si) no caso indireto são substantivos derivados de infinitivos, como é visto na equivalência das seguintes expressões: se soucier de soi (-meme) (cuidar-se de si mesmo) e le souci de soi (cuidado de si). A mudança de uma expressão para outra é permitida pela capacidade gramatical de nominalizar qualquer elemento da linguagem: não dizemos “a bebida”, “o belo”, “o brilhante hoje”? Em virtude da mesma capacidade gramatical, podemos dizer “o si” (le soi), alinhando essa expressão com as outras formas nominalizadas dos pronomes do sujeito pessoal: “o eu”, “o tu”, “o eles” e assim por diante em. Essa nominalização, menos tolerada em francês do que em inglês ou alemão, torna-se um abuso de linguagem somente quando esquecemos a linhagem gramatical a partir do caso indireto registrado na expressão designação de soi (si) (auto-designação), ela própria derivada de uma nominalização inicial do reflexivo infinitivo se designer soi-meme (designar-se si mesmo). Doravante, tomaremos essa última forma como a canônica.
The first intention was to indicate the primacy of reflective meditation over the immediate positing of the subject, as this is expressed in the first person singular: “I think,” “I am.” This initial intention draws support from the grammars of natural languages inasmuch as they allow the opposition between “self” and “I.” This support takes different forms following the peculiarities of each language. Beyond the broad correlation between the French soi, the English self, the German Selbst, the Italian se> and the Spanish si mismo, grammars diverge. But these divergences are themselves instructive, to the extent that each grammatical peculiarity sheds light on part of the essential meaning sought. With respect to French, soi is directly defined as a reflexive pronoun. It is true that the philosophical use of the term throughout these studies violates a restriction that has been stressed by grammarians, namely that soi is a third-person reflexive pronoun (himself, herself, itself). This restriction, however, is lifted if we compare the term soi to the term se, which itself is related to verbs in the form of the infinitive—wc say se presenter, se nommer. This typical use verifies one of the teachings of the linguist G. Guillaume, who observed that in the infinitive form, and also up to a certain point in the participle, the verb expresses its broadest meaning, before it is distributed among the tenses and the grammatical persons. Se then designates the reflexive character of all the personal pronouns, and even the impersonal pronouns, such as “each,” “anyone,” “one,” to which I shall frequently refer in the course of these investigations. This detour by way of se is not gratuitous, insofar as the reflexive pronoun soi also attains the same timeless range when it is added to the se in the infinitive mode: se decider soi-meme. (I am leaving aside for the moment the meaning attached to meme in the expression soi- meme.) It is on the basis of this last-stated use—belonging admittedly to the “proper usage” of the French language—that my constant use of the term soi in a philosophical context depends, as a reflexive pronoun belonging to all the grammatical persons, not to mention the impersonal expressions cited above. In its turn, this value of an omnipersonal reflexive pronoun is also preserved when soi functions as the object of a noun: le souci de soi (care of the self)—to borrow Michel Foucault’s magnificent title. There is nothing surprising in this turn of phrase, to the extent that the nouns that admit soi in the indirect case arc themselves substantives derived from infinitives, as is seen in the equivalence of the following expressions: se soucier de soi(-meme) and le souci de soi. The shift from one expression to the other is permitted by the grammatical capacity for nominalizing any element of language: do we not say “the drink,” “the beautiful,” “the bright today”? By virtue of the same grammatical capacity we can say “the self” (le soi), aligning this expression with the other nominalized forms of the personal subject pronouns: “the I,” “the you,” “the they,” and so on. This nominalizing, less tolerated in French than in English or in German, becomes an abuse of language only when we forget the grammatical lineage starting from the indirect case registered in the expression designation de soi (self-designation), itself derived through an initial nominalization of the reflexive infinitive se designer soi-meme (to designate oneself). We shall henceforth take this latter form as the canonical one. (p. 1-2)
La première intention est de marquer le primat de la médiation réflexive sur la position immédiate du sujet, telle qu’elle s’exprime à la première personne du singulier: «je pense», «je suis ». Cette première intention trouve un appui dans la grammaire des langues naturelles lorsque celle-ci permet d’opposer « soi » à « je ». Cet appui prend des formes différentes selon les particularités grammaticales propres à chaque langue. Au-delà de la corrélation globale entre le français soi, l’anglais self, l’allemand Selbst, l’italien se, l’espagnol simismo, les grammaires divergent. Mais ces divergences mêmes sont instructives, dans la mesure où chaque particularité grammaticale éclaire une partie du sens fondamental recherché. En ce qui concerne le français, «soi» est défini d’emblée comme pronom réfléchi. Il est vrai que l’usage philosophique qui en est fait tout au long de ces études enfreint une restriction que les grammairiens soulignent, à savoir que « soi » est un pronom réfléchi de la troisième personne (il, elle, eux). Cette restriction toutefois est levée, si on rapproche le terme « soi » du terme « se », lui-même rapporté à des verbes au mode infinitif – on dit : « se présenter », « se nommer ». Cet usage, pour nous exemplaire, vérifie un des enseignements du linguiste G. Guillaume 1, selon lequel c’est à l’infinitif, et encore jusqu’à un certain point au participe, que le verbe exprime la plénitude de sa signification, avant de se distribuer entre les temps verbaux et les personnes grammaticales; le «se» désigne alors le réfléchi de tous les pronoms personnels, et même de pronoms impersonnels, tels que « chacun », « quiconque », « on », auxquels il sera fait fréquemment allusion au cours de nos investigations. Ce détour (11) par le « se » n’est pas vain, dans la mesure où le pronom réfléchi « soi » accède lui aussi à la même amplitude omnitemporelle quand il complète le « se » associé au mode infinitif : « se désigner soi-même » (je laisse provisoirement de côté la signification attachée au « même » dans l’expression « soi-même »). C’est sur ce dernier usage – relevant sans conteste du « bon usage » de la langue française ! – que prend appui notre emploi constant du terme « soi », en contexte philosophique, comme pronom réfléchi de toutes les personnes grammaticales, sans oublier les expressions impersonnelles citées un peu plus haut. C’est, à son tour, cette valeur de réfléchi omnipersonnel qui est préservée dans l’emploi du « soi » dans la fonction de complément de nom : « le souci de soi» – selon le titre magnifique de Michel Foucault. Cette tournure n’a rien d’étonnant, dans la mesure où les noms qui admettent le « soi » à un cas indirect sont eux-mêmes des infinitifs nominalisés, comme l’atteste l’équivalence des deux expressions : « se soucier de soi(-même) » et «le souci de soi ». Le glissement d’une expression à l’autre se recommande de la permission grammaticale selon laquelle n’importe quel élément du langage peut être nominalisé : ne dit-on pas « le boire », « le beau », « le bel aujourd’hui » ? C’est en vertu de la même permission grammaticale que l’on peut dire « le soi », alignant ainsi cette expression sur les formes également nominalisées des pronoms personnels dans la position de sujet grammatical : « le je », « le tu », « le nous », etc. Cette nominalisation, moins tolérée en français qu’en allemand ou en anglais, ne devient abusive que si l’on oublie la filiation grammaticale à partir du cas indirect consigné dans l’expression « désignation de soi », elle-même dérivée par première nominalisation de l’infinitif réfléchi : « se désigner soi-même ». C’est cette forme que nous tiendrons désormais pour canonique. (p. 10-11)
- G. Guillaume, Temps et Verbe, Paris, Champion, 1965.[↩]