Como Stanislas Breton disse certa vez, parafraseando uma famosa frase de Heidegger sobre a técnica, a essência do homem não é humana, é desumana. O que é humano é a elaboração cuidadosa que fazemos dele toda vez que, por meio do surpreendente poder de iniciativa — o poder de começar e, portanto, de fazer o tempo — que nos caracteriza, movemos e mudamos as coisas, o “material” fornecido pela instituição, para “inventar”, seja um gesto técnico, uma palavra, uma legislação ou um ato de significação. Mas nossa atividade nunca é actus ex nihilo, e nunca, exceto nos casos mais triviais, é totalmente deliberada. Nesse sentido, o homem está sempre a caminho do homem, sua humanidade reside inteiramente na hominização inacabada — civilização — do inumano nele, sem que jamais possamos saber em que consiste “propriamente” o inumano.
(RICHIR, Marc. L’Expérience du penser. Phénoménologie, philosophie, mythologie. Grenoble: Jérôme Millon, 1996)