(Richir1987)
Já sabemos que o campo da fenomenologia transcendental está desprovido de ipseidade antropológica e de uma ipseidade a priori reconhecível dentro do que seria a estrutura fixa, sempre já decidida, de um Da-sein em sua “neutralidade” 1. O correlato, por assim dizer metodológico, da nossa fenomenologia transcendental é um “sujeito” de certa forma mais anônimo, também irredutível ao ego transcendental husserliano e à estrutura constitutiva do Presente vivo. Ele é dotado, certamente, de uma ipseidade, mas de uma ipseidade irrefletida ou de uma identidade sem reflexão imediata de si mesma, que é apenas um polo refletor e, na realidade, insituável, do fenômeno como nada mais que fenômeno, portanto, um polo que, como tal, é um desvio interno do fenômeno em relação à sua fenomenalidade, e cuja função é apenas relacionar o fenômeno à sua fenomenalidade e, a partir daí, a qualquer outro fenômeno. É por isso que também dissemos, dessa ipseidade, que ela é a dos esquematismos de fenomenalização em si mesmos, na qual nossa própria ipseidade se reconhece no sentimento (o fenômeno) do prazer e da vertigem experimentados na fenomenalização. Nós, humanos, estamos assim inseridos no campo fenomenológico, em uma espécie de “caos” anárquico e ateleológico selvagem de ordens (cosmoi) que incessantemente se formam e se desfazem ao longo dos esquematismos de fenomenalização. Uma fenomenologia é, portanto, possível daquilo que, em nós, surge assim como nosso ser “bárbaro”. É isso que designaremos como antropologia fenomenológica, onde, por essa implicação ou transferência de nós mesmos no campo fenomenológico, deve ser possível analisar, mediante a mediação da eidética, cujas premissas necessárias tentaremos estabelecer aqui, aquilo que, no humano, escapa às ordens simbólicas, ao mesmo tempo em que as condiciona como sua matriz transcendental. É, portanto, por assim dizer, o homem em sua entrada na ordem simbólica, em uma espécie de “estado de natureza” obviamente mítico, como tal, que no entanto não cessa de nos acompanhar ao longo de toda a nossa vida, muitas vezes sem que o percebamos. Reservamos, por outro lado, o termo antropologia filosófica para tudo o que diz respeito à instituição da ordem simbólica na qual surge um mundo ou um projeto-de-mundo/ser-no-mundo no sentido heideggeriano, portanto, também para o que diz respeito, mediante essa mediação, a toda filosofia do conceito e toda filosofia da constituição, no sentido husserliano, mas também, embora mais secretamente, heideggeriano do termo. Entre os dois, há sempre esse hiato de que falamos, mas que está longe de ser estéril, na medida em que cada um dos dois campos desempenha, em relação ao outro, o papel de instância crítica, e, nesse sentido, nossa fenomenologia transcendental seria rigorosamente impossível sem a contribuição absolutamente fundamental de Husserl e Heidegger.
- Retomamos essa expressão de Heidegger em Anfangsgründe der Logik, Gesamtausgabe, Bd. 26, Klostermann, Frankfurt am Main, 1978, § 10.[
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