Verweigerung
Por vezes, aqueles fundadores do abismo precisam ser consumidos no fogo do que se guarda, para que o ser-aí venha a ser possível para o homem e, assim, seja salva a constância em meio ao ente, para que o ente mesmo experimente a restauração no aberto da contenda entre terra e mundo. Consequentemente, o ente é voltado para o interior de sua constância por meio do ocaso dos fundadores da verdade do seer. Tal movimento é exigido pelo próprio seer mesmo. Ele precisa dos que experimentam o ocaso; e, onde quer que um ente apareça, o seer já sempre se a-propriou desses fundadores que perecem em meio ao acontecimento, já sempre os atribuiu a si mesmo. Essa é a essenciação do seer mesmo: nós a denominamos o acontecimento apropriador. A riqueza da ligação volteante do seer com o ser-aí que lhe é entregue apropriadoramente é imensurável. A plenitude do acontecimento da apropriação é incalculável. E somente algo muito diminuto pode ser dito aqui “sobre o acontecimento apropriador” nesse pensar inicial. O que é dito é questionado e pensado em uma “conexão de jogo” do primeiro e do outro início a partir da “ressonância” do seer; ele é questionado e pensado em meio à indigência do abandono do ser para o “salto” em direção ao interior do seer. Esse “salto” tem por fim promover a “fundação” da verdade do seer como a preparação dos “que estão por vir” e “do último deus”. Esse dizer pensante é uma diretiva. Essa diretiva indica o livre abrigo da verdade do seer em meio ao ente como algo necessário, sem ser, contudo, uma ordem. Tal pensamento jamais pode ser transformado em uma doutrina: ele se subtrai completamente ao acaso da opinião. Além do mais, ele só dá uma diretiva aos poucos e ao seu saber, quando o que importa é o resgate dos homens da barafunda do não-ente, lançando-os para o interior da maleabilidade à junção característica de uma criação reservada dos sítios que são determinados para o passar ao largo do último deus. Mas se o acontecimento apropriador perfaz a essenciação do seer, o quão perto está, então, o perigo de que ele recuse e precise recusar o acontecimento da apropriação porque o homem perdeu a força para o ser-aí, uma vez que a violência desencadeada do desvario em meio ao gigantesco o dominou sob a aparência da “magnitude”. No entanto, se o acontecimento apropriador se tornar RECUSA e denegação, isso significa apenas a retração do seer e o abandono do ente ao não-ente? Ou será que a denegação (o caráter de não do seer) pode se tornar no mais extremo o mais distante acontecimento da apropriação, posto que o homem conceba esse acontecimento apropriador e o horror do pudor o recoloque na tonalidade afetiva fundamental da retenção e, com isto, já o exponha para o ser-aí? (tr. Casanova; GA65: 2)
Saber a essência do seer como acontecimento apropriador não significa apenas conhecer o perigo da RECUSA, mas estar pronto para a superação. Muito antes de todo o resto, a primeira coisa quanto a isso precisa permanecer: colocar o seer em questão. (tr. Casanova; GA65: 2)
A partir de um simples toque do pensar essencial, o acontecimento da verdade do seer precisa ser transposto do primeiro para o outro início, para que, em consonância, ressoe a canção totalmente diversa do seer. E é por isto que a história está aqui realmente por toda parte: a história que se RECUSA ao historiológico, porque não deixa emergir o passado, mas se mostra em tudo o arrojar-se para além no que está por vir. (tr. Casanova; GA65: 2)
A ressonância do seer como a ressonância da RECUSA. A conexão de jogo da pergunta sobre o seer. A conexão de jogo é inicialmente conexão de jogo do primeiro início, para que este coloque em jogo o outro início e cresça a partir dessa alternância no jogo a preparação do salto. O salto no seer. O salto projeta o abismo do esfacelamento e assim pela primeira vez a necessidade da fundação do ser-aí destinado a partir do seer. A fundação da verdade como a fundação da verdade do seer (o ser-aí). (tr. Casanova; GA65: 3)
A retenção, a tonalidade afetiva prévia da prontidão para a RECUSA como doação. Na retenção vigora, sem afastar nenhuma viagem de volta, o dirigir-se para o privar-se hesitante como a essenciação do seer. A retenção é o meio para o espanto e o pudor. Esses caracterizam apenas de maneira mais expressa aquilo que onginariamente lhe pertence. Ela determina o estilo do pensar inicial no outro início. (tr. Casanova; GA65: 5)
No ser-aí e enquanto ser-aí acontece apropriadoramente para o seer a verdade, que ele mesmo revela como a RECUSA, como aquela região do aceno e da subtração – do silêncio – nos quais se decidem pela primeira vez a chegada e a fuga do último deus. O homem não consegue realizar nada para tanto e é quando a preparação da fundação do ser-aí lhe é entregue como tarefa que ele se encontra menos em condições de tal realização, de tal modo que essa tarefa determina inicialmente uma vez mais a essência do homem. (tr. Casanova; GA65: 5)
O pressentir abre a amplitude do encobrimento do que se encontra em uma relação de referência e talvez recusado. O pressentimento – visado em termos da tonalidade afetiva fundamental – não se remete de maneira alguma apenas, tal como acontece com o pressentimento habitual pensado em termos de cálculo, para aquilo que está por vir e para o que é apenas iminente, ele mensura transversalmente e avalia por meio de tal mensuração toda a temporalidade: o campo de jogo tempo-espacial do aí. O pressentir é a guarda que se funda de volta em si mesma do poder afinador, o abrigar hesitante e, de qualquer modo, que prepondera já sobre toda a incerteza da mera opinião, do desencobrimento do velado enquanto tal, da RECUSA. O pressentimento posiciona a in-sistência inicial no ser-aí. Ela é em si horror e entusiasmo ao mesmo tempo – contanto, sempre, que, enquanto tonalidade afetiva fundamental, ele afine e determine aqui de maneira afinadora o estremecimento do seer no ser-aí enquanto ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 6)
Toda e qualquer denominação da tonalidade afetiva fundamental por meio de uma única palavra fixa-se sobre uma opinião equivocada. Toda e qualquer palavra é sempre retirada do que é legado pela tradição. O fato de a tonalidade afetiva fundamental do outro início precisar ser dotada de muitos nomes não contesta sua simplicidade, mas confirma sua riqueza e sua estranheza. Toda e qualquer meditação sobre essa tonalidade afetiva fundamental é constantemente apenas uma lenta equipagem com vistas ao insight afinador da tonalidade afetiva fundamental, que precisa permanecer fundamentalmente um a-caso. A equipagem com vistas a tal a-caso só consiste naturalmente, de acordo com a essência da tonalidade afetiva, na ação pensante transitória; e essa ação precisa crescer a partir do saber propriamente dito (do resguardo da verdade do seer). Mas se o seer se essencia como a RECUSA e se essa RECUSA mesma deve vigorar em sua clareira e ser conservada como RECUSA, então a prontidão para a RECUSA só pode subsistir como abdicação. A abdicação não é aqui, contudo, o mero não querer ter e o deixar de lado, mas ela acontece como a forma mais elevada da posse, cuja elevação encontra a decisão na franqueza do entusiasmo pela doação do insondável pelo pensar, isto é, pela doação da RECUSA. Nessa decisão, o aberto da transição é retido e fundado – o em-meio-a abissal do entre em relação ao não-mais do primeiro início e de sua história e ao ainda-não do preenchimento do outro início. Nessa decisão, toda guarda do ser-aí precisa fincar pé, na medida em que o homem como fundador do ser-aí precisa se tornar o guardião do silêncio do passar ao largo do último deus. Essa decisão, porém, enquanto pressentindo, é apenas a sobriedade da força de sofrimento do criador, aqui daquele que projeta a verdade do seer, que abre o silêncio para a violência essencial do ente, a partir da qual o seer (como acontecimento apropriador) torna-se apreensível. (tr. Casanova; GA65: 6)
A distância da indecidibilidade não é naturalmente algo “para além de”, mas o mais próximo do aí infundado do ser-aí, que se tornou insistente na prontidão para a RECUSA enquanto a essenciação do seer. Esse mais próximo é tão próximo que todo exercício inevitável da maquinação e do vivenciado precisa ter já necessariamente passado ao largo dele e, por isto, também nunca pode ser resgatado imediatamente para ele. O acontecimento apropriador permanece o que há de mais estranho. (tr. Casanova; GA65: 7)
O seer como acontecimento apropriador – renúncia hesitante como (RECUSA). Maturidade: fruto e doação. O elemento nulo no seer e o impulso contrário; querelante (seer ou não-ser). O seer se essencia na verdade; clareira para o encobrir-se. A verdade como essência do fundamento: fundamento – o em que fundado (não o de onde enquanto causa). O fundamento funda como a-bismo: a indigência como o aberto do encobrir-se (não o “vazio”, mas inesgotabilidade a-bissal). O a-bismo como o tempo-espaço. O tempo-espaço é o sítio instantâneo da contenda (seer ou não-ser). A contenda como a contenda de terra e mundo, porque a verdade do seer só é no abrigo e essa como o “entre” fundante no ente. Um contra o outro de terra e mundo. As vias e os modos do abrigo – o ente. (tr. Casanova; GA65: 9)
Que agora, porém, a crença política total e, do mesmo modo, a fé cristã total se imiscuam, contudo, em meio à sua incompatibilidade, no equilíbrio e na tática, é algo que não pode causar espanto. Pois elas possuem a mesma essência. Como posturas totais encontra-se à sua base a RECUSA às decisões essenciais. Sua luta não é nenhuma luta criadora, mas “propaganda” e “apologética”. (tr. Casanova; GA65: 14)
A indigência, aquele elemento que impele de um lado para o outro, essenciante – o que aconteceria se a verdade do seer mesmo fosse, o que aconteceria se, com a fundação originária da verdade, se tornasse ao mesmo tempo mais essenciante o seer – como acontecimento apropriador? E se as coisas se derem assim e a indigência for mais compelidora, se ela impelir mais de um lado para o outro, mas o impulso for nessa violência apenas aquela contenda, que teria na desmedida da intimidade do ente e do seer seu fundamento que se RECUSA? (tr. Casanova; GA65: 17)
Se o saber como resguardo da verdade do verdadeiro (da essência da verdade no ser-aí) distingue o homem (em face do animal racional até aqui) e o eleva ao nível da vigilância do seer, então o saber mais elevado é aquele que é suficientemente forte para ser a origem de uma abdicação. A renúncia é naturalmente considerada por nós como fraqueza e como transigência, como uma desarticulação da vontade; assim experimentada, a RECUSA é uma entrega e um deixar-se levar. Mas há uma renúncia que não apenas mantém firme, mas até mesmo conquista por meio do combate e suporta o sofrimento, aquela renúncia que emerge como a prontidão para a RECUSA, a retenção desse elemento estranho, que se essencia de tal modo como o próprio seer, aquele em meio ao ente e à deização, que arranja um espaço para o entre aberto, em cujo campo de jogo temporal o abrigo da verdade no ente e a fuga e chegada dos deuses se convertem um no outro. O saber da RECUSA (ser-aí como renúncia) desdobra-se como a longa preparação da decisão sobre a verdade, sobre se essa verdade é capaz de se tornar uma vez mais senhora do verdadeiro (isto é, do correto) e, assim, se ela é medida por aquilo que cai sob ela, se a verdade não permanece apenas a meta do conhecimento técnico-prático (um “valor” e uma “ideia”), mas se transforma ela mesma na fundação da insurreição da RECUSA. Esse saber desdobra-se como o questionamento que se projeta ampla e antecipadamente para frente, o questionamento acerca do seer, cuja questionabilidade obriga todo criar à indigência, erige para todo ente um mundo e salva o que há de confiável da terra. (tr. Casanova; GA65: 26)
Caso se pergunte sobre o ente enquanto ente (ón he ón) e, nesse estabelecimento e nessa direção, com isto, sobre o ser do ente, então o questionador se encontrará no âmbito da questão, pela qual o início da filosofia ocidental e sua história até o fim em Nietzsche tinham sido guiados. Por isto, nós denominamos essa questão acerca do ser (do ente) a questão diretriz. Sua forma mais universal foi cunhada em Aristóteles: ti to ón; o que é o ente, isto é, para ele, o que é a ousia enquanto a entidade do ente? Ser visa aqui à entidade. Nisso se expressa ao mesmo tempo o fato de, apesar da RECUSA ao caráter genérico, o ser (enquanto entidade) ser sempre visado como o koinon, o comum e, assim visado, para todo e qualquer ente. (tr. Casanova; GA65: 34)
(O repensar do seer e a linguagem) Com a linguagem habitual, que hoje é cada vez mais amplamente abusada e desgastada, a verdade do seer não tem como ser dita. Será que essa verdade pode ser em geral dita de maneira imediata, uma vez que toda linguagem é de qualquer modo linguagem do ente? Ou será que pode ser inventada uma nova linguagem para o seer? Não. E mesmo se tal tentativa tivesse êxito e mesmo sem uma formação vernácula artificial, essa linguagem não seria nenhuma linguagem que diz. Todo dizer precisa emergir concomitantemente do poder ouvir. Os dois precisam ter a mesma origem. Assim, só uma coisa importa: dizer a linguagem mais nobremente amadurecida em sua simplicidade e força essencial, a linguagem do ente enquanto linguagem do seer. Essa transformação da linguagem penetra em âmbitos que ainda se encontram cerrados para nós, porque não sabemos a verdade do seer. Assim, fala-se da “RECUSA do perseguimento”, da “clareira do encobrimento”, do “acontecimento apropriador”, do “ser-aí”, não um escolher verdades e retirar essas verdades das palavras, mas a abertura da verdade do seer em tal dizer transformado. (tr. Casanova; GA65: 36)
(As decisões) Sobre se o homem quer permanecer “sujeito” ou se ele funda o ser-aí – Sobre se com o sujeito o “animal” enquanto a “substância” e o “racional” enquanto a “cultura” devem permanecer duradouramente ou se a verdade do seer (ver abaixo) encontra no ser-aí um sítio deveniente – Sobre se o ente toma o ser como o seu “elemento maximamente genérico” e, com isso, o entrega à e soterra na ontologia ou se o seer em sua unicidade ganha voz e atravessa de maneira afinadora o ente enquanto algo singular. Sobre se a verdade como correção se degenera na certeza da re-presentação e na segurança do cálculo e da vivência ou se a essência inicialmente infundada da aletheia encontra um fundamento como a clareira do encobrir-se – Sobre se o ente enquanto o que há de mais óbvio solidifica tudo o que é médio, pequeno e mediano em meio à sua transformação em algo racional ou se o que há de mais questionável constitui a solidez integral do seer – Sobre se a arte é uma instituição vivencial ou se ela é o pôr em obra da verdade. Sobre se a história é degradada e transformada em arsenal das confirmações e das antecipações ou se ela desponta como a cordilheira das montanhas estranhas e inescaláveis – Sobre se a natureza é rebaixada a uma região de espoliação pelo cálculo e pelo erigir e se transforma, assim, em ocasião de “vivência” ou se ela suporta como a terra que se cerra o aberto do mundo sem imagem. Sobre se a desdeização do ente na cristianização da cultura festeja seus triunfos ou se a indigência da indecidibilidade sobre a proximidade e a distância dos deuses prepara um espaço de decisão – Sobre se o homem ousa o seer e, com isso, o ocaso ou se ele se satisfaz com o ente – Sobre se o homem em geral ainda ousa a decisão ou se ele se entrega a ausência de toda decisão, que sugere a época como estado da “mais elevada” “atividade”. Todas essas decisões, que são ao que parece muitas e diversas, se reúnem em uma e única: saber se o seer se retrai definitivamente ou se essa retração se torna enquanto RECUSA a primeira verdade e o outro início da história. (tr. Casanova; GA65: 44)
A expressão também não significa, porém, o seer “verdadeiro”, por exemplo, mesmo no significado obscuro, que visa ao ente “verdadeiro”, veraz, efetivo. Pois já se pressupõe aqui uma vez mais um conceito de “realidade efetiva” e já se subsume esse conceito ao seer como critério de medida, enquanto o seer não empresta apenas, contudo, ao ente o que ele é, mas desdobra antes de tudo para si mesmo a partir de sua essência a verdade que lhe é apropriada. Essa verdade do seer não é de modo algum algo diverso do seer, mas a sua essência mais própria, e, por isso, cabe à história do seer saber se ele doa ou RECUSA essa verdade e a si mesmo e, assim, traz pela primeira vez para a sua história o elemento abissal. O aceno para o fato de que os conceitos correntes de “verdade” e a não diferenciação corrente entre “ser” e “ente” conduzem a uma interpretação falsa da verdade do seer e, antes de tudo, já sempre pressupõem essa interpretação, pode se desfigurar, no entanto, ele mesmo, induzindo-nos em erro, se ele puder admitir a conclusão: o que se precisaria fazer, então, seria apenas enunciar os “pressupostos” inexpressos, como se pressupostos fossem apreensíveis, sem que o posicionado enquanto tal fosse concebido. O retorno a “pressupostos” e “condições” tem no interior do ente e da interpretação do ente com vistas à sua entidade no sentido da representidade (e já da idea) um sentido e um direito, e ele se tornou, por isto, em múltiplas modulações, a forma fundamental do pensamento “metafísico”; e isto a tal ponto que mesmo a superação da “metafísica” não pôde escapar de um entendimento inicial desse modo de pensar. (tr. Casanova; GA65: 44)
Em tudo isso, também está dito concomitantemente que toda RECUSA do funcionamento da filosofia no sentido (tr. Casanova; GA65: 44)
Porque a essência do seer se essência no acontecimento da apropriação da de-cisão. Todavia, de onde sabemos isso? Nós não o sabemos, mas o inquirimos e abrimos em tais questões para o seer os sítios e talvez um sítio exigido por ele, caso a essência do seer precise se mostrar como a RECUSA, para a qual o questionamento insuficiente permanece a única proximidade adequada. E, assim, só um criar que funda todo ser-aí com vistas a um longo prazo (e só esse criar, não o empreendimento cotidiano fixo da instituição do ente) precisa despertar a verdade do seer como questão e como indigência através da senda mais decisiva e em impulsos iniciais cheios de alternância, aparentemente desprovidos de conexão e desconhecidos para si, tornar pronto para a tranquilidade do seer; ao mesmo tempo, porém, também decididamente contra toda e qualquer tentativa de confundir e enfraquecer, no mero querer para trás, mesmo que esse querer esteja em relação com as tradições “mais valorosas”, a coação impiedosa na indigência da meditação. (tr. Casanova; GA65: 44)
O que significa maquinação? Maquinação e presentidade constante; poiesis – techne. Para onde conduz a maquinação? Para a vivência. Como é que isso acontece? (ens creatum – a natureza moderna e história – a técnica). Por meio do desencanto do ente, que dispõe o poder para um encantamento realizado por ele mesmo. Encantamento e vivência. A fixação definitiva do abandono do ser no esquecimento do ser. A era da completa inquestionabilidade e do caráter contrafeito em relação a toda fundação de metas. Medianidade enquanto nível hierárquico. A ressonância da RECUSA – em que som? (tr. Casanova; GA65: 50)
A ressonância do seer como RECUSA no abandono do ser do ente – isso já diz que aqui não deve ser descrito, explicado ou colocado em ordem algo presente à vista. O peso do pensamento é diverso no outro início da filosofia: o re-pensar daquilo que acontece apropriadoramente como o próprio acontecimento apropriador, trazendo o seer para a verdade de sua essenciação. Como, porém, no outro início, o seer se torna acontecimento apropriador, a ressonância do seer também precisa ser história, atravessar a história em um abalo essencial e poder dizer e saber ao mesmo tempo o instante dessa história. (Não são uma caracterização e uma descrição histórico-filosófica que se tem em vista aqui, mas um saber sobre a história a partir do instante e como o instante da primeira ressonância da verdade do próprio seer). E, de qualquer modo, o discurso soa como se só vigorasse a denominação do atual. O que é dito seria sobre a era da completa inquestionabilidade, que estende seu espaço de tempo subtemporalmente para além do atual de volta e muito para a frente. Nessa era, nada essencial – caso essa determinação em geral ainda tenha um sentido – é mais impossível ou inacessível. Tudo “é feito” e “se deixa fazer”, contanto que se tenha a “vontade” para tanto. O fato, porém, de ser precisamente essa “vontade”, que já estabeleceu e degradou de antemão aquilo que pode ser possível e, antes de tudo, necessário, já é de antemão desconhecido e deixado fora de toda e qualquer questão. Pois essa vontade, que faz tudo, se prescreveu de antemão a maquinação, aquela interpretação do ente como o re-presentável e re-presentado. Re-presentável significa por um lado: acessível no visar e no calcular; e significa, então: passível de ser trazido à tona na pro-dução e na execução. Tudo isso, porém, pensado a partir do fundamento: o ente enquanto tal é o re-presentado, e apenas o representado é ente. O que estabelece aparentemente uma resistência e um limite para a maquinação é, para ela, apenas a matéria prima para o trabalho ulterior e o impulso para o progresso, a ocasião para a extensão e a ampliação. No interior da maquinação, não há nada digno de questão, algo tal que pudesse ser honrado enquanto tal e honrado sozinho, e, com isso, iluminado e elevado ao nível da verdade. (tr. Casanova; GA65: 51)
A mais aguda demonstração para essa essência velada do seer (para o encobrir-se na abertura do ente) não é apenas a degradação do seer e a sua transformação no que há de mais comum e mais vazio. A demonstração é conduzida através de toda a história da metafísica, para a qual justamente a entidade precisa se tornar o que há de mais conhecido e até mesmo o que há de mais certo no saber absoluto, se transformando, por fim, em Nietzsche, em uma aparência necessária. Será que compreendemos essa grande doutrina do primeiro início e de sua história: a essência do seer como a RECUSA e como a mais elevada RECUSA na maior publicidade das maquinações e da “vivência”? Será que teremos futuramente o ouvido para o som da ressonância, que precisa ser levada a soar na preparação do outro início? (tr. Casanova; GA65: 52)
O que aconteceria se nós chegássemos um dia a levar realmente a sério e retornássemos de todas as áreas da aparente “atividade cultural”, admitindo que aqui não vigora mais nenhuma necessidade? Não precisaria surgir aí uma indigência à luz do dia e assumir o poder, uma indigência que compelisse? Para onde e para que é difícil de dizer. Mas seria de qualquer forma uma indigência e um fundamento da necessidade. Por que não temos mais a coragem para esse retorno e por que ele aparece para nós imediatamente como algo indigno? Porque nós já nos aquietamos há muito tempo na aparência do fazer cultural e não gostamos de abdicar disso, porque, logo que esse fazer também é assumido, não falta apenas a necessidade do fazer, mas esse fazer mesmo. Mas quem ainda se mostra agora como um criador precisa ter levado a termo esse retomo e ter se deparado com aquela indigência, a fim de acolher a necessidade da transição de ser uma transição e um sacrifício na mais íntima experiência, de tal modo que isso justamente não se mostre como RECUSA e como um considerar perdido, mas como a força para a clara decisão enquanto a mensageira do essencial. (tr. Casanova; GA65: 54)
No que o abandono do ser se anuncia: 1) A completa insensibilidade em relação ao múltiplo naquilo que é considerado essencial; plurissignificância provoca a perda de força e a má vontade em relação à decisão real e efetiva. Por exemplo, tudo o que significa a palavra “povo”: o elemento comunitário, o elemento racial, o baixo e o inferior, o nacional, o permanente; por exemplo, tudo aquilo que é chamado de “divino”. 2) O não saber mais o que é condição e o que é condicionado e incondicionado. Idolatria em relação às condições do seer histórico, do elemento populista, por exemplo, com toda a sua plurissignificância, transformando-o em algo incondicionado. 3) O permanecer preso no pensar e no estabelecimento de “valores” e “ideias”; sem qualquer questão séria, vê-se aí, como que em algo inalterável, a forma estrutural do ser-aí histórico; e a isso corresponde o pensar em termos de “visões de mundo”. 4) De acordo com isso, tudo é inserido em uma engrenagem “cultural”, as grandes decisões, o Cristianismo, não são expostos a partir da raiz, mas contornados. 5) A arte é submetida a uma utilidade cultural e desconhecida em sua essência; a cegueira em relação ao seu cerne essencial, o modo da fundação da verdade. 6) Em geral característico é o erro de avaliação em relação ao que é repulsivo e negador; ele é simplesmente alijado como o “mal”, equivocadamente interpretado e, com isso, apequenado e tanto mais propriamente ampliado em seu perigo. 7) Nisso se mostra – completamente à distância – o não saber em torno do pertencimento do não, da nulidade ao seer mesmo, a falta de qualquer ideia em face da finitude e da unicidade do seer. 8) Isso é acompanhado pelo não saber da essência da verdade; o fato de antes de tudo o que é verdadeiro a verdade e a sua fundação precisarem ser decididas; a busca cega pelo “verdadeiro” na aparência do querer maximamente sério. 9) Por isto, a RECUSA do saber autêntico e o medo diante da questão; o esquivar-se da meditação; a fuga em direção ao ceme dos dados e das maquinações. 10) Toda tranquilidade e toda retenção aparecem como inatividade, como um deixar passar e como renúncia e talvez sejam a mais ampla reconexão com o deixar ser do ser como acontecimento apropriador. 11) A segurança de si do que não se deixa mais conclamar; a calcificação contra todos os acenos; a impotência da expectativa; só ainda calcular. 12) Tudo isso são apenas irradiações de um encobrimento confuso e calcificado da essência do seer, sobretudo da abertura de seu fosso abissal: o fato de unicidade, raridade, instantaneidade, acaso e acometimento, retenção e liberdade, resguardo e necessidade pertencerem ao seer; o fato de esse seer não se mostrar como o que há de mais vazio e mais comum, mas como o que há de mais rico e mais elevado e só se essenciar no acontecimento da apropriação, acontecimento esse graças ao qual o ser-aí chega à fundação da verdade do ser no abrigo por meio do ente. 13) A elucidação particular do abandono do ser como decadência do Ocidente; a fuga dos deuses; a morte do Deus moral cristão; sua reinterpretação. O velamento desse desenraizamento por meio do encontrar a si mesmo que se inicia de maneira supostamente nova do homem (Modernidade); esse encobrimento banhado no brilho do e intensificado pelo progresso: descobertas, invenções, indústria, máquina; ao mesmo tempo a massificação, a negligência, a desertificação, tudo como desatrelamento do fundamento e das ordens; o desenraizamento, porém, como o mais profundo velamento da indigência, a falta de força para a meditação, a impotência da verdade; o pro-gresso em direção ao não ente como abandono crescente do seer. 14) O abandono do ser é o fundamento mais íntimo para a indigência da falta de indigência. Como é que essa indigência pode ser efetuada como indigência? Alguém não precisa deixar a verdade do seer brilhar – mas para quê? Quem dos desprovidos de indigência consegue ver? Haverá algum dia uma saída para tal indigência, que se nega constantemente como indigência? Falta o querer sair. Será que a lembrança das possibilidades do passado essencial (o sido) do ser-aí pode conduzir à meditação? Ou será que algo in-habitual, não ideável se choca com essa indigência? 15) O abandono do ser, aproximado por meio de uma meditação sobre a desertificação do mundo e sobre a destruição da terra no sentido da rapidez, do cálculo, da pretensão do massificado. 16) O “domínio” coetâneo da impotência da mera mentalidade e da violência da instituição. (tr. Casanova; GA65: 56)
O abandono do ser determina uma era única na história da verdade do seer. Trata-se do longo tempo, no qual a verdade hesita entregar a sua essência à claridade. O tempo do perigo do passar ao largo de toda decisão essencial, o tempo da RECUSA à luta pelos critérios de medida. (tr. Casanova; GA65: 57)
A longa hesitação da verdade e das decisões é uma RECUSA da via mais curta e dos maiores instantes. Nessa era, “o ente”, aquilo que se denomina o “efetivamente real”, “a vida” e “os valores”, é desapropriado do seer em meio ao acontecimento. (tr. Casanova; GA65: 57)
1) O cálculo – estabelecido pela primeira vez no poder por meio da maquinação da técnica, maquinação essa que se funda, em consonância com o saber, na matematização; aqui a conceptualidade prévia se mostra obscura em termos de sentenças diretrizes e de regras, e, por isso, a segurança da direção e do planejamento, o ensaio; a inquestionabilidade do atravessar de algum modo; nada é impossível, se está certo do “ente”; não se necessita mais da pergunta sobre a essência da verdade; tudo tem de se orientar pelo estado respectivo do cálculo; a partir daí, o primado da organização, RECUSA a uma mudança que cresça livremente desde o fundamento; o incalculável é aqui apenas o ainda não dominado pelo cálculo, mas que em si pode ser expressamente capturado; portanto, de modo algum aquilo que se encontra fora de todo cálculo; em instantes “sentimentais”, que não raramente estão precisamente sob o “domínio” do cálculo, o “destino” e a “providência” são tomados por empenho, mas nunca de tal modo que poderia emergir daquilo que é aí conclamado uma força configuradora, que poderia algum dia indicar os limites da mania do cálculo. O cálculo é visado aqui como a lei fundamental do comportamento, não como a mera reflexão e até mesmo a astúcia, que pertencem a todo modo de agir humano. (tr. Casanova; GA65: 58)
O que aconteceria, porém, se a partir de todo esse elemento aparentemente apenas prejudicial que fracassa, emergisse um olhar completamente diverso da essência do seer e o seer mesmo se desentranhasse como a RECUSA ou fosse de qualquer modo colocado em ressonância? (tr. Casanova; GA65: 61)
A entidade como: Maquinação e correção « (Essenciação da entidade) « (Vivência (Abandono do ser: Ausência de indigência; Ressonância da essenciação do seer; No abandono do ser; Maquinação (« RECUSA) » vivência (« Solidificação; Encantamento) + Encantamento) (tr. Casanova; GA65: 65)
O seer abandonou tão fundamentalmente o ente e esse é a tal ponto entregue à maquinação e ao “vivenciar”, que necessariamente aquelas tentativas aparentes de salvação da cultura ocidental, assim como toda “política cultural”, precisam se tornar a figura mais insidiosa, e, com isso, a figura mais elevada do niilismo. E esse é um processo que não está articulado com homens particulares e suas ações e doutrinas, mas que apenas expulsa a essência interna do niilismo para o interior da mais pura figura que lhe é atribuída. A meditação sobre isso carece naturalmente já de um ponto de vista, a partir do qual nem uma ilusão por parte das coisas muito “boas”, “progressistas” e “gigantescas”, que são realizadas, nem mesmo um mero desespero vem à tona, desespero esse que só não fechou os olhos ainda diante da completa ausência de sentido. Esse ponto de vista, que funda ele mesmo para si de maneira nova pela primeira vez tempo e espaço, se mostra como o ser-aí que ganha de modo primordial o saber sobre o seer ele mesmo como a RECUSA e, com isso, como o acontecimento apropriador. Na experiência fundamental de que o homem como fundador do ser-aí é usado pela divindade do outro deus abre-se a preparação da superação do niilismo. Mas o elemento mais incontomável e mais pesado nessa superação é o saber sobre o niilismo. Esse saber não pode permanecer preso nem à palavra, nem à primeira elucidação do que se tem em vista por meio de Nietzsche, mas é preciso reconhecer como a sua essência o abandono do ser. (tr. Casanova; GA65: 72)
24) A questão é que o grande deslocamento abismado só surge do saber essencial, que se encontra no outro início, nunca a partir da impotência e da mera perplexidade. O saber, porém, é a insistência na questionabilidade do seer, que guarda, assim, a sua dignidade única no fato de que ele só se doa de maneira bastante rara na RECUSA como o acontecimento apropriador velado do passar ao largo da decisão sobre a chegada e a fuga dos deuses no ente. Que homem por vir funda esse instante do passar ao largo para o início de uma outra “era”, quer dizer: uma outra história do seer? A dissolução e a junção das faculdades científicas de sustentação. As ciências dos espírito historiológicas transformam-se em ciências da imprensa. As ciências naturais transformam-se em ciência de máquinas. “Jornal” e “máquina” são visados no sentido essencial como modos em constante avanço da objetivação definitiva (que impele, no que concerne aos tempos modernos, para a consumação), que suga para si toda a materialidade do ente, só deixando esse ente mesmo se mostrar como o que dá ensejo à vivência. Por meio desse primado do procedimento na instituição e na preparação, os dois grupos de ciência se encontram em acordo com vistas ao essencial, isto é, o seu caráter de funcionamento. Esse “desenvolvimento” da ciência moderna em sua essência só é visível hoje para poucos e será recusado pela maioria como não estando presente. Ele também não se deixa comprovar por fatos, mas só tem como ser concebido a partir de um saber sobre a história do ser. Muitos “pesquisadores” ainda imaginarão a si mesmos como pertencendo às tradições comprovadas do século 19. Um número igualmente grande de outros pesquisadores, em ligação com seus objetos, ainda encontrarão novos enriquecimentos e novas satisfações em termos de conteúdos e talvez os façam valer ainda em termos doutrinários, mas tudo isso não demonstra nada contra o primado, no qual a instituição conjunta chamada “ciência” está inserida de maneira irrevogável. A ciência não apenas jamais terá condições de se libertar daí, mas ela nunca irá querer antes de tudo também a libertação, e, quanto mais ela progride, menos pode querer. Antes de tudo, porém, esse primado também não é, por exemplo, um fenômeno da universidade atual alemã, mas ele diz respeito a tudo aquilo que, em um lugar e em um momento quaisquer, futuramente, irá querer ainda ter concomitantemente voz. Se formas de instituição até aqui e anteriores ainda se mantiverem aí por um longo tempo, então elas ainda se tornarão algum dia apenas de maneira mais decidida aquilo que ocorreu por detrás de sua proteção aparente. (tr. Casanova; GA65: 76)
A metafísica acha que o pensar poderia ser encontrado junto ao ente, e isso de tal modo que o pensar segue para além do ente. Quanto mais exclusivamente o pensar se volta para o ente e busca para si mesmo um fundamento maximamente essente, tanto mais decididamente a filosofia se distancia da verdade do seer. Como é, porém, que é possível a RECUSA metafísica ao ente, isto é, a RECUSA à metafísica, sem se ver presa ao “nada”? O ser-aí é a fundação da verdade do seer. Quanto mais não ente o homem é, quanto menos ele se depara previamente com o ente como o qual ele é, se cristalizando aí, tanto mais próximo ele chega do ser. (Nenhum budismo! O contrário). (tr. Casanova; GA65: 83)
O acontecimento da questão acerca do ente enquanto tal, o acontecimento do questionamento da entidade é em si uma determinada abertura do ente enquanto tal, de tal modo que o homem experimenta aí a sua determinação essencial, que emerge dessa abertura (homo animal rationale). Mas o que é que essa abertura do ente abre sobre a entidade e, com isso, sobre o seer? Carece-se de uma história, isto é, de um início e de suas ascendências e progressos, a fim de deixar que se experimente (para os que perguntam e são iniciantes) o fato de que pertence à essência do seer a RECUSA. Esse saber é, porque ele desce e pensa o niilismo ainda mais originariamente em meio ao abandono do ser, a superação propriamente dita do niilismo, e a história do primeiro início é arrancada, assim, completamente da aparência de em vão e de mera errância; agora pela primeira vez a grande iluminação se abate sobre toda a obra pensante até aqui. (tr. Casanova; GA65: 87)
Quão poucos compreendem e o quão raramente esses que compreendem concebem a “negação”. Só se vê nela de imediato a rejeição, o alijamento, a degradação e até mesmo a decomposição. Essas figuras da negação não se difundem apenas com frequência, mas também são elas que vão ao encontro da representação corrente do “não” da maneira mais imediata possível. Assim, fica de fora pensar na possibilidade de que a negação pudesse ter até mesmo uma essência ainda mais profunda do que o “sim”; sobretudo uma vez que o sim também é concebido de imediato no sentido de todo e qualquer tipo de anuência, ou seja, de maneira tão superficial quanto o não. Mas, no âmbito da representação e da “valoração” representativa, a concordância e a RECUSA são a única forma do sim e do não? Será que, em geral, aquele âmbito é o único e o essencial ou será que, como toda correção, ele também provém da verdade mais originária? E o sim e o não – e esse de maneira mais originária do que aquele – não são uma posse essencial do próprio ser? (tr. Casanova; GA65: 90)
Ora, mas o “não” (e o sim) não precisaria ter a sua figura essencial no ser-aí usado pelo seer? O não é o grande salto livre, no qual o aí é arrancado em meio a um salto no ser-aí. O salto livre, que “afirma” até mesmo aquilo de que ele salta, mas que também não tem nada nulo por si mesmo como salto. O salto livre mesmo assume pela primeira vez o ressaltar do salto, e, assim, o não ultrapassa aqui o sim. Esse não, porém, visto externamente, é a de-posição do outro início em relação ao primeiro, nunca “negação” no sentido usual da RECUSA e quiçá da degradação. Ao contrário, essa negação originária é do tipo daquela RECUSA, que renuncia para si a um continuar acompanhando a partir do saber e do reconhecimento da unicidade daquilo que, em seu fim, exige o outro início. (tr. Casanova; GA65: 90)
O outro início não é a direção contrária em relação ao primeiro início, mas se encontra como outro fora do contra e da comparabilidade imediata. Por isto, a confrontação também não é nenhuma adversariedade, nem no sentido da RECUSA tosca, nem sob o modo de uma suspensão do primeiro no outro. O outro início auxilia a partir de uma nova originariedade o primeiro início para a verdade de sua história e, com isso, para a sua alteridade inalienável mais própria, que só se torna frutífera no diálogo histórico dos pensadores. (tr. Casanova; GA65: 92)
Em oposição a tal “crítica” como uma simples RECUSA à “ontologia” precisa ser mostrado por que ela se tornou necessária no interior da história da questão diretriz (domínio do platonismo). Uma superação da ontologia exige, por isso, inversamente, precisamente que se a desdobre a princípio a partir de seu início, em contraposição à assunção extrínseca de seu conteúdo doutrinário, do computo de suas correções e erros (Nicolai Hartmann), o que permanece como um todo extrínseco e, por isso, também não pressente de modo algum nada sobre a vontade pensante, que busca em Ser e tempo um caminho de transição da questão diretriz para a questão fundamental. (tr. Casanova; GA65: 106)
O seer como o acontecimento apropriador é a vitória do incontornável no testemunho do deus. Será que o ente, porém, consegue se inserir na junção fugidia do seer? Será que é conferido ao homem, ao invés da desertificação em uma perduração progressiva, a unicidade do declínio? O declínio é a reunião de toda grandeza no instante da prontidão para a verdade da unicidade e singularidade do seer. O declínio é a mais íntima proximidade com a RECUSA, na qual o acontecimento apropriador se doa ao homem. (tr. Casanova; GA65: 116)
Nada é aqui pressentido da incomparabilidade da posição fundamental no outro início. Que o salto, aqui como pergunta acerca da essência da verdade mesma, traz pela primeira vez o homem para o interior do campo de jogo do acometimento e da permanência de fora da chegada e da fuga dos deuses. O outro início não pode querer senão isso. Computado a partir do que se teve até aqui, isso significa a RECUSA a uma validade e a um emprego no sentido de uma “visão de mundo”, de uma “doutrina” e de um anúncio. (tr. Casanova; GA65: 119)
Será que mensuramos a partir daqui a não verdade, na qual o seer precisa cair? Será que avaliamos sua verdade, que se essencia na direção oposta à sua dissipação como a pura RECUSA e que tem a unicidade por si tanto quanto a completa estranheza? (tr. Casanova; GA65: 121)
Ousemos a palavra imediata: O seer é o estremecimento da deização (do som prévio da decisão dos deuses sobre o seu deus). Esse estremecimento amplia o campo de jogo temporal, no qual ele mesmo ganha o aberto como RECUSA. Assim, o seer “é” o acontecimento apropriador do acontecimento da apropriação do aí, daquele aberto no qual ele mesmo estremece. (tr. Casanova; GA65: 123)
O seer precisa ser pensado a partir de uma exposição a esse extremo. Assim, porém, ele se clareia como o que há de mais finito e rico, como o que há de mais abissal de sua própria intimidade. Pois o seer não é jamais uma determinação do próprio deus, mas o seer é aquilo que precisa da deização do deus, a fim de permanecer, contudo, completamente diferente dessa deização. O ser (tal como a entidade da metafísica) não é nem a determinação mais elevada e mais pura do theion, de Deus e do “absoluto”, nem é aquilo que pertence a essa interpretação, a cobertura mais universal e mais vazia para tudo aquilo que não não “é”. No entanto, como RECUSA, o seer não é o mero recuo e partida, mas, ao contrário: a RECUSA é intimidade de uma atribuição. O que é a-tribuído no estremecimento é a clareira do aí em sua abissalidade; o aí é atribuído como aquilo que precisa ser fundado, como ser-aí. Assim, por meio da verdade do seer (pois isso é essa clareira atribuída), o homem é requisitado originariamente e de outro modo. O homem é nomeado por meio dessa requisição do próprio seer como o guardião da verdade do seer (ser homem como “cuidado”, fundado no ser-aí). (tr. Casanova; GA65: 123)
A RECUSA é a coação mais íntima da indigência mais originária, uma vez mais inicial, para o interior da necessidade da situação de emergência, na qual é preciso se defender. (tr. Casanova; GA65: 123)
A situação de emergência essencial não deve se defender da emergência, a fim de afastá-la, mas precisa, em se defendendo, precisamente conservá-la e estendê-la para o interior da exportação resolutora de acordo com a ampliação do estremecimento. Assim, o seer é como a RECUSA atributiva o acontecimento da apropriação do ser-aí. Esse acontecimento da apropriação, porém, tem o ímpeto para o próprio como estremecimento da deização, que precisa do campo de jogo temporal para a sua própria decisão. (tr. Casanova; GA65: 123)
Toda mediação e salvação tíbias não fazem outra coisa senão aprisionar o ente ainda mais no abandono do ser e transformar o esquecimento do ser na única forma da verdade, a saber, da não verdade do seer. Como é que o pressentimento poderia ganhar aí ainda o menor espaço possível, de tal modo que a RECUSA se mostrasse como o primeiro envio mais elevado do seer, sim, como a sua própria essenciação inicial. Esse envio acontece apropriadoramente como a retração, que vincula ao silêncio, no qual a verdade segundo sua essência chega novamente à decisão sobre se ela pode ser fundada como a clareira para o encobrir-se. Esse encobrir-se é o desencobrimento da RECUSA, o deixar pertencer ao elemento estranho de um outro início. (tr. Casanova; GA65: 123)
O seer não é e nunca é mais essente do que o ente, mas também não é mais inessente do que os deuses, porque esses em geral não “são”. O seer “é” o entre em meio ao ente e aos deuses e ele é completamente e em todos os aspectos incomparável, “usado” por esses e subtraído àquele. Por isso, só alcançável no salto para o interior do abandono do ser como deização (RECUSA). (tr. Casanova; GA65: 126)
(A abertura do fosso abissal) Essa abertura é o desdobramento que permanece em si da intimidade do seer mesmo, na medida em que nós o “experimentamos” como a RECUSA e como a RECUSA transvertora. Caso se quisesse tentar de qualquer modo o impossível e se buscasse apreender a essência do seer com o auxílio das “modalidades” metafísicas, então poder-se-ia dizer: a RECUSA (a essenciação do seer) é a mais elevada realidade efetiva do mais elevado possível enquanto possível, e, com isso, a primeira necessidade; contudo, seria preciso deduzir daí a proveniência das “modalidades” da ousia. Essa “elucidação” do seer, porém, o arranca de sua verdade (da clareira do ser-aí) e o degrada ao pura e simplesmente presente à vista em si, a mais deserta desertificação que pode caber ao ente. E pensemos no que acontece se essa desertificação for transportada ainda até mesmo para o seer! Ao contrário, precisamos tentar pensar a abertura do fosso abissal a partir daquela essência fundamental do seer, graças à qual ele se mostra como o reino da decisão para a luta dos deuses. Essa luta joga por sua chegada e fuga, em cuja luta os deuses pela primeira vez se deízam e colocam em decisão seu deus. (tr. Casanova; GA65: 127)
O seer é o estremecimento dessa deização, o estremecimento como extensão do campo de jogo temporal, no qual ele mesmo apropria para si a sua clareira (o aí) em meio ao acontecimento como a RECUSA. (tr. Casanova; GA65: 127)
Ou será que o pressentimento do seer chega ao homem precisamente não a partir do ente, mas a partir da única instância que pode ter o mesmo nível hierárquico do seer, porque permanece a ele pertencente, a partir do nada? Como é, porém, que compreendemos aí o nada? Como o excesso da pura RECUSA. Quanto mais rico o “nada”, tanto mais simples o seer. (tr. Casanova; GA65: 128)
O que aconteceria, contudo, se o seer mesmo fosse o que se subtrai e se essenciasse como RECUSA? Isso seria algo nulo ou a mais elevada doação? E se for mesmo somente por força dessa negatividade do próprio ser que o “nada” conquista plenamente aquele “poder” que se atribui a ele, de cuja consistência emerge todo “criar” (tornar-se ente do ente)? (tr. Casanova; GA65: 129)
O elemento conflituoso precisa residir na essenciação do seer mesmo, e o fundamento é o acontecimento da apropriação como RECUSA, que é uma atribuição. Nesse caso, a negação e o não seriam até mesmo o salto mais originário no seer. (tr. Casanova; GA65: 129)
A ida ao encontro por parte do homem exige antes de tudo a mais profunda prontidão para a verdade, para o questionamento acerca da essência do verdadeiro sob o domínio da RECUSA a todos os apoios no correto e naquilo que foi retificado pela maquinação. (tr. Casanova; GA65: 130)
O acontecimento apropriador se apropria do deus para o homem, na medida em que atribui apropriadoramente o homem ao deus. No acontecimento apropriador, o ser-aí e, com isso, o homem são fundados abissalmente, se o ser-aí tem sucesso no salto para o interior da fundação criadora. Aqui acontece apropriadoramente a RECUSA e a permanência de fora, o acometimento e o acaso, a retenção e a transfiguração, a liberdade e a imposição radical. Isso acontece apropriadoramente, isto é, isso pertence à essenciação do acontecimento apropriador mesmo. Todo e qualquer tipo de disposição ordenada das “categorias”, de transposição e de mistura fracassa aqui, porque as categorias são ditas a partir do ente e em uma direção de volta a ele, porque elas nunca denominam e conhecem o seer mesmo. (tr. Casanova; GA65: 157)
Onde, porém, planta, animal, pedra, mar e céu se tornam entes, sem se degradarem na objetualidade contraposta, aí vigora a retração (RECUSA) do seer, o seer como retração. A retração, porém, é do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 168)
Pertencente sempre e a cada vez a cada um deles, afinado em meio ao inesperado, essa não enumeração dos deuses está longe de se mostrar como a arbitrariedade do que deixa tudo vigorar. Pois essa não enumeração é já a consequência de um ser-aí mais originário: de sua reunião no revolvimento da RECUSA, a essenciação do seer. Dito na linguagem que sobreviveu da metafísica, isso significa: a RECUSA como essenciação do ser é a mais elevada realidade efetiva do mais elevado possível enquanto possível e, com isso, é a primeira necessidade. Ser-aí é fundação da verdade dessa abertura maximamente simples do fosso abissal. (tr. Casanova; GA65: 169)
Aqueles estrangeiros dotados de um mesmo coração, igualmente decididos pela doação e RECUSA que lhes foram reservadas. Os que detêm o bastão da verdade do seer, verdade essa na qual o ente se constrói em direção ao domínio simples da essência de toda e qualquer coisa e respiração. As testemunhas mais silenciosas da mais silenciosa tranquilidade, na qual um empurrão imperceptível retira a verdade da confusão de todas as correções recalculadas e a gira de volta para a sua essência: manter velado o que há de mais velado, o estremecimento do passar ao largo da decisão dos deuses, a essenciação do seer. (tr. Casanova; GA65: 248)
Nós voltamos para o tempo-espaço da decisão sobre a fuga e a chegada dos deuses. Mas como é que isso se dá? Será que uma coisa ou outra se tornará um acontecimento por vir? Será que uma coisa ou outra precisa determinar a expectativa construtiva? Ou será que a decisão é a abertura de um tempo-espaço completamente diverso para uma verdade, sim, para a verdade pela primeira vez fundada do seer, o acontecimento apropriador? O que aconteceria se aquele âmbito da decisão na totalidade, fuga ou chegada dos deuses, fosse justamente o próprio fim? O que aconteceria se, para além disso, o seer precisasse ser concebido pela primeira vez em sua verdade como o acontecimento da apropriação, acontecimento esse como o qual acontece apropriadoramente aquilo que denominamos a RECUSA? Isso não é nem fuga nem chegada, nem tampouco tanto fuga quanto chegada, mas algo originário, a plenitude da concessão do seer na RECUSA. Aqui se funda a origem do estilo por vir, isto é, na retenção na verdade do seer. A RECUSA é a nobreza mais elevada da doação e o traço fundamental do encobrir-se, cuja abertura constitui a essência originária da verdade do seer. Assim apenas o seer se torna o próprio estranhamento, a tranquilidade do passar ao largo do último deus. O ser-aí, porém, é apropriado em meio ao acontecimento no seer como a fundação da guarda dessa tranquilidade. Fuga e chegada dos deuses reúnem agora no sido e são subtraídas ao passado. O porvir, porém, a verdade do seer como RECUSA, tem em si a garantia da grandeza, não da eternidade vazia e gigantesca, mas da via mais breve. Mas pertence a essa verdade do seer, à RECUSA, o velamento do não ente enquanto tal, o desprendimento e a dissipação do seer. Agora pela primeira vez, o abandono do seer precisa permanecer. O desprendimento, contudo, não se mostra como um arbítrio e uma desordem vazios, mas, ao contrário: tudo é agora inserido na direcionalidade planejada e na exatidão do transcurso seguro e do domínio “sem restos”. A maquinação toma sob sua proteção o não ente sob a aparência do ente, e a desertificação do homem imposta incontornavelmente com isso é compensada por meio da “vivência”. Tudo isso precisa se tornar mais necessário do que antes enquanto inessência porque o que há de mais estranho também precisa disso que há de mais corrente e porque a abertura do fosso abissal do seer não pode ser soterrada pela aparência fictícia do equilíbrio, da “felicidade” e da falsa consumação; pois tudo isso é odiado em primeiro lugar pelo último deus. Mas o último deus não é uma degradação de deus, sim, a blasfêmia pura e simples? O que aconteceria, porém, se o último deus precisasse ser chamado assim porque traz pela última vez a decisão sobre os deuses para um domínio sob e entre os deuses, elevando, com isso, a essência da unicidade do ser de deus ao extremo? O último deus, se pensarmos aqui de maneira calculadora e tomarmos esse “último” apenas como interrupção e fim, ao invés de como decisão extrema e maximamente breve sobre o que há de mais elevado, então naturalmente todo saber sobre ele será impossível. Todavia, como é que se deveria querer calcular no pensamento do ser de deus, ao invés de meditar de maneira radicalmente oposta sobre o perigo de algo estranho e incalculável? (tr. Casanova; GA65: 254)
A maior proximidade do último deus acontece apropriadoramente, quando o acontecimento apropriador ganha a RECUSA como a autorrenúncia hesitante da elevação. Isso é algo essencialmente diverso da mera ausência. RECUSA como pertencente ao acontecimento apropriador só se deixa experimentar a partir da essência mais originária do seer, no modo como ele reluz no pensar do outro início. (tr. Casanova; GA65: 256)
A RECUSA como a proximidade do que não pode ser desviado transforma o ser-aí no superado, o que quer dizer: ela não o abate, mas o arranca e o eleva até o nível da fundação de sua liberdade. No entanto, se um homem pode dominar as duas coisas, o suportar da ressonância do acontecimento apropriador como RECUSA e a execução da transição para a fundação da liberdade do ente enquanto tal, para a renovação do mundo a partir da salvação da terra, quem poderia decidir e saber sobre isso? E, assim, restam com certeza aqueles que se consomem em tal história e em sua fundação, sempre cindidos uns dos outros, o ápice das montanhas mais isoladas. (tr. Casanova; GA65: 256)
A distância extrema do último deus na RECUSA é uma proximidade única, uma ligação, que não pode ser deslocada e afastada por nenhuma “dialética”. A proximidade, porém, ressoa na ressonância do seer a partir da experiência da indigência do abandono do ser. Essa experiência, contudo, é a primeira irrupção para a tempestade no ser-aí. Pois somente se o homem provier dessa indigência, ele levará as necessidades a luzirem e, com elas, pela primeira vez, a liberdade do pertencimento ao júbilo do seer. (tr. Casanova; GA65: 256)
A RECUSA obriga o ser-aí a ele mesmo como fundação do sítio do primeiro passar ao largo do deus como o deus que se RECUSA. Somente a partir desse instante é que pode ser medido como é que o seer como o âmbito do acontecimento apropriador daquela imposição precisa restituir o ente, em que domínio do ente precisa se realizar a dignificação do deus. (tr. Casanova; GA65: 256)
O último deus não é nenhum fim, mas a entrada vibrante em si do início e, com isso, a mais elevada figura da RECUSA, uma vez que algo inicial se subtrai a tudo o que é fixado e só se essencia na preponderância de tudo aquilo que já é capturado nele como algo por vir e se vê entregue à responsabilidade de sua força determinante. (tr. Casanova; GA65: 256)
A questão é que o des-vio não é nenhum des-vio no sentido de que se teria perdido um caminho imediato e mais curto em direção ao seer. O des-vio conduz sim, porém, pela primeira vez para a indigência da RECUSA e para a necessidade de elevar à decisão aquilo que só era em termos do primeiro início o aceno de um presente (physis, aletheia), que não se deixa captar e conservar. (tr. Casanova; GA65: 259)
Por que oferecemos, então, em geral ainda a mínima atenção a esse não se preocupar com o ser sob a forma de ontologia? Certamente não para colocar em discussão ou até mesmo alterar a respectiva opinião e doutrina do seer apresentada, ou a RECUSA de uma tal doutrina, mas sim para dirigir a meditação para o fato de que todo o visar habitual sobre o ser mesmo (incluindo aí as ontologias e antiontologias) tem sua origem no domínio do ser e de sua “verdade” histórica determinada. (Nas antiontologias, a indiferença em face da questão do ser é levada ao extremo.) Aqui, contudo, há a ameaça de uma outra incompreensão: a concepção de que se deveria agora indicar o pressuposto “antropológico” daquele visar sobre o ser e, com essa demonstração, considerar aquele visar como “refutado”. Essa concepção é, contudo, justamente apenas uma consequência ulterior daquela opinião sobre o ser. (tr. Casanova; GA65: 261)
O questionamento pensante como abdicação agente, que retém para si a RECUSA e a traz, assim, à luz. (tr. Casanova; GA65: 262)
Em um caminho histórico, esse é um passo para alcançarmos a proximidade daquele pensar, que não compreende mais o projeto como condição da representação, mas como ser-aí e como o caráter de jogado de uma clareira que chega a se erguer, cujo primeiro elemento continua sendo permitir o encobrimento e, assim, tornar manifesta a RECUSA. (tr. Casanova; GA65: 262)
Apesar disso, é difícil em todos os aspectos para os homens de hoje experimentar o projeto como acontecimento apropriador a partir da essência do acontecimento da apropriação como RECUSA. Não se exige para tanto outra coisa senão manter longe do seer toda perturbação e saber que esse elemento maximamente poderoso se torna na esfera de obras mal feitas humanas o que há de mais frágil, sobretudo porque o homem está há muito tempo habituado a medir o domínio do seer com os pesos para a mensuração da violência do ente, só pesando assim e nunca ousando o que há de mais digno de questão. (tr. Casanova; GA65: 262)
Jogar-se para fora, ousar o aberto, não pertencer nem a algo em face de si nem a si e, contudo, pertencer aos dois ao mesmo tempo, mas não como objeto e sujeito; saber e pressentir-se como ré-plica no aberto que aquilo que se joga para fora e do que ele se evade possuem a mesma essência do que o em face de. A ré-plica é o fundamento do vir ao encontro, que aqui ainda não é de modo algum buscado. A ré-plica é o arrancar do entre, no qual acontece a contrariedade, como carente de abertura. O que pertence aqui, porém, ao “homem” e o que é deixado para trás? No lançar-se para fora, ele se funda naquilo que ele não consegue fazer, mas apenas consegue ousar enquanto possibilidade, ele se funda no ser-aí. Isso naturalmente apenas se ele não volta nunca mais a si enquanto alguém que apareceu na primeira jogada extática como o em face de, como physei ón, como um zoon. Isso é importante: lançar para fora e fundar a essência do homem no estranhamento do aberto. Agora pela primeira vez se inicia a história do ser e a história do homem. E o ente? Ele não chega mais à sua verdade em um retorno, mas? Como o resguardo do estrangeiro, e o estrangeiro traz a si mesmo ao encontro do acontecimento da apropriação e deixa se encontrar nele o deus. O jogar para fora nunca acontece de maneira exitosa a partir do mero impulso e do desenraizamento do homem. Esse lance é jogado na vibração do acontecimento da apropriação. Isso significa: o ser toca o homem e o volta para a transformação, para a primeira conquista, para a longa perda de sua essência. Essa mensuração da errância essencial como história do homem independente de toda historiologia. E se os deuses afundam no não outorgado da RECUSA do seer. (tr. Casanova; GA65: 263)
O re-pensar do seer, a denominação de sua essência, não é outra coisa senão a ousadia de auxiliar o lançar-se para além dos deuses em direção ao seer e deixar pronta para o homem a verdade do verdadeiro. Com essa “definição” do pensar por meio daquilo que ele “pensa” realiza-se a completa saída de toda interpretação “lógica” do pensar. Pois esse é um dos maiores preconceitos da filosofia ocidental: achar que o pensar precisaria ser determinado “logicamente”, isto é, com vistas ao enunciado (a explicação “psicológica” do pensar é de fato apenas um adendo à explicação “lógica” e pressupõe essa explicação; e isso mesmo lá onde ela visa a poder substituir a explicação lógica; a noção do “psicológico” se encontra aqui no lugar de biológico-antropológico). Um reverso daquele preconceito, porém, se dá quando se é acometido em meio à RECUSA da interpretação “lógica” do pensar (isto é, da ligação com o ser; cf “O que é metafísica?”) pela angústia, ou melhor, pelo temor de que isso colocaria em risco o rigor e a seriedade do pensar e entregaria tudo ao sentimento e ao seu “juízo”. Quem diz, afinal, e quem foi que demonstrou algum dia que o pensar logicamente visado seria o pensar “rigoroso”? Isso só é válido, se é que é em geral válido, sob o pressuposto de que a interpretação lógica do ser poderia ser a única interpretação possível; o que, porém, com maior razão, é um preconceito. Com vistas à essência do seer, precisamente a “lógica” talvez seja o procedimento menos rigoroso e sério para a determinação da essência e apenas uma ilusão, que possui naturalmente uma essência ainda mais profunda do que a “ilusão dialética”, que Kant tornou visível no âmbito da objetivação possível do ente na totalidade. A “lógica” mesma, no que concerne à fundação da essência da verdade do seer, é uma ilusão, mas a mais necessária ilusão, que a história do seer até agora conheceu. A essência da própria “lógica”, que atingiu sua figura suprema na metafísica de Hegel, só se deixa conceber a partir do outro início do pensar do seer. A abissalidade desse pensamento, porém, também deixa o assim chamado rigor da argúcia lógica (como forma do encontro da verdade, não apenas da expressão do que foi encontrado) vir à tona como uma brincadeira que não se apodera de si mesma, a qual, então, também poderia se degradar e se constituir como uma erudição filosófica, na qual qualquer um, dotado com uma argúcia qualquer, pode se movimentar de um lado para o outro, sem jamais ser tocado pelo seer e sem nunca pressentir o sentido da questão acerca do seer. Mas o repensar do seer também é, então, correspondentemente raro e talvez só nos seja concedido no passo tosco de uma preparação sua, se a ousadia desse salto abissal puder ser chamada de um favor. (tr. Casanova; GA65: 265)
Quem se espantaria se essa indicação do primeiro fato-de-que da história do seer fosse tomada na transição da metafísica para o repensar do seer como completamente arbitrária e incompreensível? Todavia, não adianta praticamente nada, se fôssemos de encontro a