Tradução
Essa recolocação da responsabilidade abre a temática da responsabilidade e da responsividade, responsabilidade como “responder a” ou atender uma chamada. Derrida considera que qualquer senso de responsabilidade deve estar enraizado na experiência de responder e pertencer ao domínio da responsividade. A responsabilidade é antes de mais nada uma resposta, pois suas origens etimológicas, que são rastreáveis ao latim respondere, traem. Derrida distingue três tipos de responsividade: há “responder de” (repondre de), “responder a” (repondre à) e “responder diante” (repondre devant). Derrida dá prioridade ao “responder a”, pois mobiliza a inscrição de um outro a quem ou ao qual respondo. Lê-se em The Politics of Friendship:
Um responde por, por si ou por algo (por alguém, por uma ação, um pensamento, um discurso), antes, antes de outro (uma comunidade de outros, uma instituição, um tribunal, uma lei). E sempre se responde por (por si ou por sua intenção, sua ação ou discurso), antes, respondendo primeiro a: esta última modalidade parece, portanto, ser mais originária, mais fundamental e, portanto, incondicional.
Os sentidos fenomenológicos de responsabilidade podem estar mais próximos de uma problemática de responsividade do que de prestação de contas, que é muito dependente de uma metafísica da subjetividade. A responsabilidade primeiro precisa ser tomada como um tipo de resposta, como sendo atribuída a uma chamada. Pensa-se aqui, por exemplo, no chamado de consciência de Heidegger em Ser e no Tempo, e mais tarde no chamado ou endereçamento do ser ao qual se deve corresponder, Heidegger indo tão longe nos Seminários de Zollikon a ponto de afirmar: “Ser responsável perante a reivindicação de presença é a maior reivindicação da humanidade: ética é esta reivindicação.” O motivo da chamada também é central para a definição de responsabilidade de Levinas — a chamada da outra pessoa, o outro humano, para fora de sua vulnerabilidade e mortalidade. Também se pode evocar aqui a problemática de Jean-Luc Marion do fenômeno saturado, e o chamado que esse excesso coloca no chamado que eu sou (l’interloque). Para Marion, de fato, os sentidos de responsabilidade como responsabilização do sujeito, assim como o sentido levinasiano de responder face ao outro, pressupõem o sentido original de responsabilidade como resposta ao chamado enquanto tal. “A responsabilidade agora pode ser redefinida”, escreve Marion, em Sendo Dado.
<poesie>Ninguém negará esta responsabilidade, compreendida como propriedade de um “sujeito” jurídico que deve responder por seus atos e de um “sujeito” ético que deve responder ao que a face do Outro exige (confrontá-lo [de l’envisager] como tal), pode ser deduzido da figura mais geral da resposta a uma chamada por um dotado (un adonni).E o resultado disso é que a chamada “sempre surge de um paradoxo (fenômeno saturado)”.
A responsabilidade é, portanto, uma resposta e não, como afirmou Kant, baseada em uma iniciação espontânea. O sujeito é o destinatário da chamada, e não um sujeito transcendental; somos respondentes, não iniciadores absolutos. Para Kant, ser responsável significa ser capaz de começar algo absolutamente. No entanto, como chamado, o sujeito nunca pode começar nada, mas pode apenas responder. O eu sempre vem depois, sempre chega “atrasado”, e sua responsabilidade é aquela própria demora na forma de se apresentar e atender a chamada. É aqui que se nota a importância crucial da concepção de ser humano que está na base de uma concepção de responsabilidade: Kant pensa o ser humano como sujeito racional, origem (“liberdade transcendental”) e fundamento. Seu conceito de responsabilidade terá estas características. Heidegger pensa o humano não mais como sujeito, mas como Dasein, isto é, como existência “lançada” (a ser assumida responsavelmente). Da mesma forma, em Lévinas o sujeito é entendido como designado a uma chamada, como passividade: o sujeito é refém do outro. A responsabilidade neste sentido não é uma questão de escolha ou inclinação, mas surge de uma exigência colocada ao “sujeito”, uma exigência que assume a forma de um dever, de uma obrigação ética, de um apelo a que não posso deixar de responder. Essa demanda precisa ser atendida: Ter que responder, responder (dever, obrigação), implica que não se pode não responder. Na verdade, não responder já é uma espécie de resposta. E é exatamente assim que Heidegger definiria inautenticidade – é uma não-resposta (ao chamado da consciência) que não deixa de ser uma espécie de resposta; “Responder na forma de não responder” significa ser inautêntico.
Such resituating of responsibility opens the thematics of answerability and responsiveness, responsibility as “responding to” or answering a call. Derrida considers that any sense of responsibility must be rooted in the experience of responding, and belong to the domain of responsiveness.1 Responsibility is first and foremost a response, as its etymological origins, which are traceable to the Latin respondere, betray. Derrida distinguishes three types of responsiveness: There is “to answer for” (ripondre de), “to respond to” (repondre a), and “to answer before” (repondre devant). Derrida gives a priority to the “responding to,” as it mobilizes the inscription of an other to whom or to which I respond. One reads in The Politics of Friendship:
One answers for, for self or for something (for someone, for an action, a thought, a discourse), before, before an other (a community of others, an institution, a court, a law). And always one answers for (for self or for its intention, its action or discourse), before, by first responding to: this last modality thus appears to be more originary, more fundamental and hence unconditional.2
The phenomenological senses of responsibility might be closer to a problematic of answerability than one of accountability, which is too dependent on a metaphysics of subjectivity.3 Responsibility first needs to be taken as a kind of response, as being assigned to a call. One thinks here, for instance, of Heidegger’s call of conscience in Being and Time, and later of the call or address of being to which one has to correspond, Heidegger going so far in The Zollikon Seminars as to claim: “To be answerable to the claim of presencing is the greatest claim of humanity: ethics is this claim.”4 The motif of the call is also central to Levinas’s definition of responsibility—the call of the other person, the other human, out of his or her vulnerability and mortality. One can also evoke here Jean-Luc Marion’s problematic of the saturated phenomenon, and the call that this excess places on the called one that I am (l’interloque). For Marion, in fact, the senses of responsibility as accountability of the subject, as well as the Levinasian sense of responding to the other’s face, presuppose the original sense of responsibility as response to the call as such. “Responsibility can now be redefined,” Marion writes, in Being Given.
<poesie>Nobody will deny that responsibility, understood as the property of a juridical “subject” having to respond for his acts and an ethical “subject” having to respond to what the face of the Other demands (to envisage him [de l’envisager] as such), can be deduced from the most general figure of the response to a call by a gifted (un adonni).And the result of this is that the call “always arises from a paradox (saturated phenomenon).”5
Responsibility is thus a response and is not, as Kant claimed, based on a spontaneous initiating. The subject is the recipient of the call, and not a transcendental subject; we are respondents, not absolute initiators. For Kant, to be responsible means to be able to begin something absolutely. However, as called, the subject can never begin anything but can only respond. The I always comes after, always comes “late,” and its responsibility is that very delay in the form of the registering of and responding to the call. This is where one notes the crucial importance of the conception of the human being which is at the basis of a conception of responsibility: Kant thinks the human being as rational subject, origin (“transcendental freedom”), and foundation. His concept of responsibility will bear these features. Heidegger thinks the human, no longer as a subject, but as Dasein, that is, as a “thrown” existence (to be taken on responsibly). Similarly, with Levinas the subject is understood as assigned to a call, as passivity: The subject is hostage to the other. Responsibility in this sense is not a matter of choice or inclination, but arises out of a demand placed on the “subject,” a demand that takes the form of a duty, of an ethical obligation, a call I cannot not answer. That demand needs to be answered: Having to respond, to answer (duty, obligation), implies that one cannot not answer. In fact, not responding is already a kind of response. And this is exactly how Heidegger would define inauthenticity—it is a not-responding (to the call of conscience) that nonetheless is a kind of response; “responding in the form of not-responding” means, being inauthentic. I will later investigate the various interpretations of such calling, and the different philosophical problematics opened through them.
- See for instance P, 15, where Derrida uses the term “responsiveness” in English in the original; and see GD, 3.[↩]
- Jacques Derrida. The Politics of Friendship (London and New York: Verso, 2005), 250; translation modified.[↩]
- In his book, Ethics and Finitude, Larry Hatab seeks to advance a notion of responsibility “that can be characterized as ‘answerability’ (cf. the German verantwortlich), rather than what I would call moralistic ‘accountability.’ With these formulations I mean to distinguish responsibility from autonomous agency and a related sense of accountability.” Lawrence J. Hatab, Ethics and Finitude (Lanham, Md.: Rowman & Littlefield, 2000), 185.[↩]
- Martin Heidegger. The Zollikon Seminars, trans. Franz Mayr and Richard Askay (Evanston, Ill.: Northwestern University Press, 2001), 217; translation modified. Hereafter cited as ZS, followed by page number.[↩]
- Jean-Luc Marion, Being Given: Toward a Phenomenology of Givenness, trans. Jeffrey L. Kosky (Stanford, Calif.: Stanford University Press, 2002), 293; translation modified.[↩]