Raffoul (1998:145-149) – transcendência

destaque

Heidegger começa com uma investigação sobre o significado do conceito de transcendência, examinando o sentido verbal do termo; transcender significa: ultrapassar (übersteigen), passar por cima (überschreiten) ou atravessar para (hinüberschreiten zu). Podem distinguir-se três sentidos: a passagem para além, ou transcendência (die Tranzendenz); aquilo em direção ao qual a passagem tem lugar, ou o transcendente (das Tranzendente); e o transcendente no sentido daquilo que faz a transcendência (das Tranzendierende). O sentido verbal inclui assim o seguinte: uma atividade, ou “fazer” no sentido mais lato do termo; uma relação, no sentido formal de uma ultrapassagem de algo em direção a outra coisa; e, algo a ser atravessado, um limite, uma fronteira, algo que “está entre” (ein Dazwischenliegendes). Para além disso, Heidegger distingue, no interior da tradição metafísica, duas formas principais de compreender o conceito de transcendência: a primeira concebe a transcendência em oposição à imanência, a segunda em oposição à contingência. Em geral, explica Heidegger, o imanente designa o que está dentro do sujeito, o que pertence à alma, e o transcendente o que está para além ou fora da consciência. No primeiro caso, a transcendência significa a passagem de uma esfera interior (o sujeito) para uma esfera exterior (as coisas em geral). Esta concepção de transcendência supõe assim um eu encapsulado, entendido como uma espécie de “caixa”. Heidegger chama a esta concepção uma transcendência epistemológica (GA26, 206/ 161), na medida em que diz respeito à possibilidade (ou, neste caso, à impossibilidade) de conhecimento. A segunda interpretação, que Heidegger chama de transcendência teológica (GA26, 206/161), define transcendência como aquilo que excede o finito. Neste último caso, a transcendência já não significa a relação cognitiva de um sujeito com um objeto, de uma esfera interior com uma esfera exterior, mas sim a passagem do finito para o infinito, ou, na terminologia kantiana, do condicionado para o incondicionado. Heidegger acrescenta (claramente com Kant em mente) que estas duas concepções podem fundir-se numa problemática relativa à possibilidade ou impossibilidade de obter conhecimento do incondicionado. Em oposição a estas duas concepções, Heidegger postula, “em princípio” (GA26, 210/165), que a transcendência é: 1) a passagem de um limite entre uma esfera interior e uma esfera exterior, 2) a relação de um sujeito com um objeto, 3) aquilo que excede infinitamente o finito. Em suma, não é nada daquilo que a tradição tinha pensado que fosse. A reapropriação do conceito de transcendência, assim tornada possível, processa-se em várias etapas.

original

  1. As support for this claim, Heidegger—in the 1925 course (GA20, 39/30-31)— appeals to Descartes’s example. In the second meditation, Descartes would have maintained the “intentional” character of the cogitationes, even if the “intentum was illusory. “The fact that it is I who am doubting and understanding and willing is so evident that I see no way of making it any clearer. But it is also the case that the ‘I’ who imagines is the same ‘I.’ For even if, as I have supposed, none of the objects of imagination are real, the power of imagination is something which really exists and is part of my thinking” (Μ, 83/AT VII, 29).[↩]
  2. In the 1928 course, Heidegger speaks of “primordial transcendence” (ursprünglichen Transzendenz), and of Urtranszendenz, in opposition to intentionality, which is characterized as an “ontical transcendence.” GA 26, 170/135.[↩]
Excertos de ,

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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