questão da essência

Se penetrarmos no sentido pleno e originário da questão: Que é isto – a filosofia? então nosso questionar encontrou, em sua proveniência historial, uma direção para nosso futuro historial. Encontramos um caminho. A questão mesma é um caminho. Ele conduz da existência própria ao mundo grego até nós, quando não para além de nós mesmos. Estamos – se perseverarmos na questão – a caminho, num caminho claramente orientado. Todavia, não nos dá isto uma garantia de que já, desde agora, sejamos capazes de trilhar este caminho de maneira correta. Já desde há muito tempo costuma-se caracterizar a pergunta pelo que algo é, como a questão da essência. A questão da essência torna-se mais viva quando aquilo por cuja essência se interroga, se obscurece e confunde, quando ao mesmo tempo a relação do homem para com o que é questionado se mostra vacilante e abalada. Que é isto – A Filosofia?

A especial oportunidade na qual é discutida a questão da essência da metafísica não deve induzir à opinião de que tal questionar esteja condenado a tomar seu ponto de partida das ciências. A investigação moderna está engajada, com outros modos de representação e com outras espécies de produção do ente, no elemento característico daquela verdade conforme a qual todo ente se caracteriza pela vontade de vontade. Como forma antecipadora, começou a aparecer a “vontade de poder”. “Vontade”, compreendida como traço básico da entidade do ente, é, tão radicalmente, a identificação do ente com o que é atual, que a atualidade do atual é transformada em incondicional factibilidade da geral objetivação. A ciência moderna nem serve a um fim que lhe é primeiramente proposto, nem procura uma “verdade em si”. Ela é, enquanto um modo de objetivação calculadora do ente, uma condição estabelecida pela própria vontade de vontade, através da qual esta garante o domínio de sua essência. Mas pelo fato de toda objetivação do ente se exaurir na produção e garantia do ente, conquistando, desta maneira, as possibilidades de seu progresso, permanece a objetivação apenas junto ao ente e já o julga o ser. Todo comportamento que se relaciona com o ente testemunha, desta maneira, já um certo saber do ser, mas atesta simultaneamente a incapacidade de, por suas próprias forças, permanecer na lei da verdade deste saber. Esta verdade é a verdade sobre o ente. A metafísica é a história desta verdade. Ela diz o que o ente é, enquanto ela conceitua a entidade do ente. Na entidade do ente pensa a metafísica o ser, sem contudo, poder considerar, pela sua maneira de pensar, a verdade do ser. A metafísica se move, em toda parte, no âmbito da verdade do ser que lhe permanece o fundamento desconhecido e infundado. Suposto, porém, que não apenas o ente emerge do ser, mas que [67] também, e ainda mais originariamente, o próprio ser reside em sua verdade e que a verdade do ser se desdobra (west) como o ser da verdade, então, é necessária a pergunta pelo que seja a metafísica em seus fundamentos. Este interrogar deve pensar metafísicamente e, ao mesmo tempo, deve pensar a partir dos fundamentos da metafísica, vale dizer, não mais metafísicamente. Num sentido essencial, um tal questionar permanece ambivalente. QUE É METAFÍSICA?

Como consequência do que foi dito, resultou a articulação do que segue: 1 – O problema do fundamento. 2 – A transcendência como âmbito da questão da essência do fundamento. 3 – Sobre a essência do fundamento. SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO

Até aqui se tratou de mostrar, em poucos passos, mas essenciais, que a essência da verdade deve ser procurada mais originariamente do que a tradicional determinação dela, no sentido de uma propriedade da enunciação, quereria admitir. Se, porém, a essência do fundamento possui uma relação interna com a essência da verdade, então também o problema do fundamento somente pode residir lá, onde a essência da verdade haure sua possibilidade interna, na essência da transcendência. A questão da essência do fundamento transforma-se no problema da transcendência. SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO

Mas não nos desgarramos, com a questão da essência, no vazio do universal abstrato que corta o fôlego a qualquer pensamento? Não manifesta a excentricidade de tal interrogação que a filosofia não tem apoio na realidade? Um pensamento radical voltado para o real deve aspirar, primeiramente e sem rodeios, a instaurar a verdade real que hoje nos oferece medida e segurança contra a confusão da opinião e do cálculo. Que importa, em nossa indigência concreta, a questão da essência da verdade que em sua abstração se afasta de toda realidade? Não é a questão da essência o problema mais inessencial e mais gratuito que se possa colocar? SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE

Porque a verdade é liberdade em sua essência, o homem historial pode também, deixando que o ente seja, não deixa-lo-ser naquilo que ele é e assim como é. O ente, então é encoberto e dissimulado. A aparência passa assim a dominar. Sob seu domínio surge a não-essência da verdade. Pelo fato de a liberdade ek-sistente como essência da verdade não ser uma propriedade do homem, e ainda pelo fato de o homem não ek-sistir a não ser enquanto possuído por esta liberdade e somente assim tornar-se capaz de história, a não-essência não poderia nascer subsidiariamente da simples incapacidade e da negligência do homem. A não-verdade deve, antes pelo contrário, derivar da essência da verdade. É pelo fato de a verdade e não-verdade não serem indiferentes um para o outro em sua essência, mas co-pertencerem, que, no fundo, uma proposição verdadeira pode se encontrar em extrema oposição com a correlativa proposição não-verdadeira. Por isso, a questão da essência da verdade atinge, somente então, o domínio original do que realmente é perguntado, quando a vista prévia da plena essência da verdade permite englobar também a reflexão sobre a não-verdade no desvelamento da essência da verdade. O exame da não-essência da verdade não vem preencher tardiamente uma lacuna, mas ele constitui o passo decisivo na posição adequada da questão da essência da verdade. Mas como devemos nós conceber a não-essência na essência da verdade? Se a essência da verdade não se esgota na conformidade da enunciação, então a não-verdade também não pode ser igualada com a não-conformidade do juízo. SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE

O desvelamento do ente enquanto tal é, ao mesmo tempo e em si mesmo, a dissimulação do ente em sua totalidade. É nesta simultaneidade do desvelamento e da dissimulação que se afirma a errância. A dissimulação do que está velado e a errância pertencem à essência originária da verdade. A liberdade, compreendida a partir da ek-sistência insistente do ser-aí, somente é a essência da verdade (como conformidade da apresentação) pelo fato de a própria liberdade irromper da originária essência da verdade, do reino do mistério da errância. O deixar-ser do ente se realiza pelo nosso comportamento no âmbito do aberto. Entretanto, o deixar-ser do ente como tal e em sua totalidade acontece, autenticamente, apenas então, quando, de tempos em tempos, é assumido em sua essência originária. Então a decisão enérgica pelo mistério se põe em marcha para a errância que reconheceu enquanto tal. Neste momento a questão da essência da verdade é posta mais originariamente. Então se revela, afinal, o fundamento da imbricação da essência da verdade com a verdade da essência. A perspectiva sobre o mistério, que se descerra a partir da errância, põe o problema da questão que unicamente importa: que é o ente enquanto tal em sua totalidade? Uma tal interrogação pensa o problema essencialmente desconcertante e por isso não dominado ainda em sua ambivalência: a questão do ser do ente. O pensamento do qual emana originariamente tal interrogação se concebe, desde Platão, como “filosofia”, e recebeu mais tarde o nome de “metafísica”. SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE

O ensaio aqui apresentado conduz a questão da verdade para além dos limites tradicionais da concepção comum e auxilia a reflexão a se perguntar se a questão da essência da verdade não deve ser, ao mesmo tempo e primeiramente, a questão da verdade da essência. Porém, sob o conceito de “essência” a filosofia pensa o ser. A redução da possibilidade interna da conformidade de uma enunciação à liberdade ek-sistente do deixar-ser, reconhecido como seu “fundamento” e, ao mesmo tempo, o aceno para situarmos o começo essencial deste fundamento na dissimulação e errância, apontam para o fato de que a essência da verdade não é absolutamente a “generalidade” vazia de uma universalidade “abstrata”, mas, pelo contrário, o único dissimulado da única história do desvelamento do “sentido” daquilo que designamos ser e que, já há muito tempo, costumamos considerar como o ente em sua totalidade. SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE

A questão da essência da verdade se origina da questão da verdade da essência. Aquela questão entende essência, primeiramente, no sentido de quididade (quidditas) ou de realidade (realitas) e entende a verdade como uma característica do conhecimento. A questão da verdade da essência entende essência em sentido verbal e pensa, nesta palavra, ainda permanecendo no âmbito da representação metafísica, o ser (Seyn) como a diferença que impera entre ser e ente. Verdade significa o velar iluminados enquanto traço essencial do ser (Seyn). A questão da verdade encontra sua resposta na proposição: a essência é a verdade da essência. Após a explicação descobre-se, com facilidade, que a proposição não inverte simplesmente um aglomerado de palavras, nem quer suscitar a impressão de paradoxo. O sujeito da proposição é, caso esta fatal categoria gramatical ainda possa ser usada, a verdade da essência. O velar iluminados é, quer dizer, faz com que se desdobre (Wesen) a concordância entre conhecimento e ente. A proposição não é dialética. Não é de maneira alguma uma proposição no sentido de uma enunciação. A resposta à questão da essência da verdade é a dicção de uma viravolta no seio da história do ser (Seyn). Porque ao ser pertence o velar iluminados, aparece ele originariamente à luz da retração que dissimula. O nome desta clareira é aletheia. SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE

O acontecimento-apropriação apropria homem e ser em sua essencial comunidade. Um primeiro e embaraçoso clarão do acontecimento-apropriação descobrimos no arrazoamento. Este constitui a essência do universo moderno da técnica. No arrazoamento entrevemos um comum-pertencer de homem e ser, em que o deixar pertencer primeiramente determina a espécie de comunidade e sua unidade. Acompanhou-nos na questão pelo comum-pertencer, em que o pertencer tem prioridade sobre a comunidade, o dito de Parmênides: “Pois o mesmo é tanto pensar como ser”. A questão do sentido deste mesmo é a questão da essência da identidade. A doutrina da metafísica apresenta a identidade como um traço fundamental no ser. Mas agora se mostra: ser com o pensar faz parte de uma identidade, cuja essência brota daquele comum-pertencer que designamos acontecimento-apropriação. A essência da identidade é uma propriedade do acontecimento-apropriação. IDENTIDADE E DIFERENÇA