Aquele einai, porém, significa: presentar-se. A essência deste PRESENTAR [Anwesen] está profundamente oculta no primitivo nome do ser. Para nós, pois, einai e ousia enquanto parousia e apousia significam primeiramente isto: no presentar-se impera impensada e ocultamente o presente e a duração, acontece (west) tempo. Desta maneira, o ser enquanto tal se constitui ocultamente de tempo. E desta maneira ainda o tempo remete ao desvelamento, quer dizer, à verdade do ser. Mas o tempo, a ser agora pensado, não é extraído da inconstância do ente que passa. O tempo possui ainda bem outra essência que não apenas ainda não foi pensada pelo conceito de tempo da metafísica, mas nunca o poderá ser. Assim o tempo se torna o primeiro pré-nome que deve ser considerado para que se experimente o que em primeiro lugar é necessário: a verdade do ser. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Que é Metafísica?]
O homem é manifestamente um ente. Como tal, faz parte da totalidade do ser, como a pedra, a árvore e a águia. Pertencer significa aqui ainda: inserido no ser. Mas o elemento distintivo do homem consiste no fato de que ele, enquanto ser pensante, aberto para o ser, está posto em face dele, permanece relacionado com o ser e assim lhe corresponde. O homem é propriamente esta relação de correspondência, e é somente isto. “Somente” não significa limitação, mas uma plenitude. No homem impera um pertencer ao ser; este pertencer escuta ao ser, porque a ele está entregue como propriedade. E o ser? Pensemos o ser em seu sentido primordial como PRESENTAR. O ser se presenta ao homem, nem acidentalmente nem por exceção. Ser somente é e permanece enquanto aborda o homem pelo apelo. Pois somente o homem, aberto para o ser, propicia-lhe o advento enquanto PRESENTAR. Tal PRESENTAR necessita o aberto de uma clareira e permanece assim, por esta necessidade, entregue ao ser humano, como propriedade. Isto não significa absolutamente que o ser é primeira e unicamente posto pelo homem. Pelo contrário, torna-se claro. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Identidade e Diferença]
O co-pertencer-se de ser e unidade, de òn e hen, já se mostra ao pensamento no grande começo da filosofia ocidental. Quando nos citam, hoje em dia, simplesmente as duas expressões “ser” e “unidade”, praticamente não somos capazes de dar uma resposta adequada sobre o co-pertencer-se de ambos ou de ver o fundamento deste co-pertencer-se; pois não pensamos nem “unidade” e unir a partir da essência unificante-desvelante do logos, nem “ser” como PRESENTAR que se desvela nem mesmo pensamos o co-pertencer-se de ambos que já os gregos deixaram impensados. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: A Tese de Kant sobre o Ser]
O que nos leva a nomear juntos tempo e ser? Ser significa, desde a aurora do pensamento ocidental-europeu até hoje, o mesmo que PRESENTAR. De dentro do PRESENTAR e da presença fala o presente. Este constitui, segundo a representação corrente, a característica do tempo junto com o passado e o futuro. Ser enquanto presença é determinado pelo tempo. Já o fato de esta ser a situação bastaria para levar uma contínua inquietação ao interior do pensamento. A inquietação cresce tão logo nos pomos a caminho para meditar em que medida se dá esta determinação do ser através do tempo. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
O ser, pensá-lo propriamente, exige que se afastem os olhos do ser na medida em que, como em toda metafísica, é explorado e explicitado apenas a partir do ente e em função deste, como seu fundamento. Pensar o ser propriamente exige que se abandone o ser como o fundamento do ente em favor do dar que joga velado no desvelar, isto é, em favor do dá-Se. Ser, como dom deste dá-Se, faz parte do dar-se. Ser enquanto dom não é expulso do dar. Ser, pre-s-ença é transformado. Como presentificar faz parte do desocultar, permanece incluído no dar como seu dom. Ser não é. Ser dá-Se como o desocultar do pre-s-entar. [Faço, às vezes, esta separação para que se torne bem visível o particípio “ente-sendo” (ser), na palavra “PRESENTAR”. (N. do T.)] [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
Mas até agora deixamos de mostrar, de maneira mais clara, o que significa presente no sentido de presença. Através desta, o ser é uniformemente determinado como pre-s-entar e presenti-ficar, isto é, desvelamento. Que coisa pensamos quando dizemos pre-s-entar? (Pre-s)-entar significa demorar. Mas com demasiada facilidade nos tranquilizamos, concebendo demorar como puro e simples e guiados pela representação costumeira do tempo, como um lapso de tempo de um agora para o agora seguinte. Quando, porém, se fala de pre-s-entar, exige-se que percebamos, no demorar enquanto aproximar-se pelo durar, o permanecer e o durar permanecendo. Presentar se aproxima de nós; presente quer dizer: demorar-se ao nosso encontro, ao encontro de nós, os homens. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
O homem está postado de tal modo, no interior da abordagem pela presença, que recebe como dom o PRESENTAR que dá-Se, enquanto percebe aquilo que aparece no presenti-ficar. Não fosse o homem o constante destinatário do dom que brota do “dá-Se-presença”, não alcançaria ao homem aquilo que é alcançado no dom, nesse caso o ser não apenas ficaria na ausência deste dom, nem apenas também fechado, mas o homem permaneceria excluído do âmbito e do alcance do: Dá-Se ser. [Se às vezes falo em “se dá ser”, faço-o para acentuar a importância do Se na expressão “Dá-Se ser”. Em si elas são equivalentes. (N do T.)] O homem não seria homem. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
Presença significa o constante permanecer que se endereça ao homem, que o alcança e é alcançado [Reichen e erreichen, dois termos com que Heidegger joga em toda a conferência, vêm traduzidos por “alcançar”, que significa, ao mesmo tempo, a) chegar a, atingir (eneichen); b) estender (reichen). (N. do T.)] Mas de onde vem este alcançar que alcança, ao qual pertence o presente como presença, na medida em que há presença? Na verdade, o PRESENTAR de tudo que se presenta sempre aborda o homem, sem que ele atente propriamente nisto ao PRESENTAR como tal. Mas com a mesma frequência, isto é, constantemente, também nos aborda o ausentar. De início aborda-nos de maneira tal que muita coisa não mais se presenta de forma que conhecemos do PRESENTAR, no sentido do presente. E, contudo, também este não-mais-presente imediatamente em seu ausentar, a saber, ao modo do “que foi” e nos aborda. Este não desaparece do anterior agora, como o puramente passado. O que foi se presenta, entretanto, à sua maneira própria. No que foi é alcançado PRESENTAR. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
Mas o ausentar também se endereça a nós, no sentido do ainda-não-presente, ao modo do PRESENTAR, no sentido do vir-ao-nosso-encontro. É assim que se ouve dizer: O futuro já começou; o que não é o caso, porque o futuro jamais começa primeiro, na medida em que ausentar do ainda-não-presente já sempre, de algum modo, nos aborda, quer dizer, se presenta tão imediatamente como o que foi. No futuro, no vir-ao-nosso-encontro, é alcançado PRESENTAR. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
Se atentamos com mais precauções ao que foi dito, então encontramos no ausentar, seja aquilo que foi, seja o futuro, uma maneira de PRESENTAR e de abordar (dirigir a) que, de modo algum, coincide com o PRESENTAR no sentido do presente imediato. De acordo com isto, trata-se de observar: nem todo PRESENTAR é necessariamente presente; coisa estranha. Não obstante, encontramos tal PRESENTAR, a saber, a abordagem que nos alcança, também no presente. Também nele é-nos alcançado PRESENTAR. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
Como determinaremos este jogo de alcançar-nos o PRESENTAR, no presente, no passado e no futuro? Repousa este alcançar no fato de nos alcançar, ou nos alcança porque é em si um alcançar? Vale a segunda alternativa. Advir, enquanto ainda não presente, alcança e traz, ao mesmo tempo, presente. “Ao mesmo tempo”, dizemos e atribuímos, com isto, ao recíproco-alcançar-se de futuro, passado e presente, isto é, à sua própria unidade, um caráter temporal. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
Mas a partir de onde se determina agora a unidade das três dimensões do tempo autêntico, quer dizer, de seus três modos de alcançar o PRESENTAR que a cada um é próprio, sendo reciprocamente enviscerados? Já ouvimos: Tanto no advento do ainda-não-presente, como no que foi do não-mais-presente, e, mesmo no próprio presente, sempre estão em jogo uma espécie de abordagem e um trazer para, isto é, PRESENTAR. Não podemos, evidentemente, atribuir este PRESENTAR, a ser assim pensado, a uma das três dimensões do tempo, a saber — o que parece óbvio — ao presente. Esta unidade das três dimensões repousa, muito antes, no proporcionar-se cada uma à outra. Este proporcionar-se mostra-se como o autêntico no alcançar que impera no que é próprio do tempo, portanto, como uma espécie de quarta dimensão — não apenas uma espécie, mas uma dimensão efetivamente real. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
O tempo é quadridimensional. O que, porém, na enumeração, chamamos de quarta dimensão é, de acordo com a realidade, a primeira, isto é, o alcançar que a tudo determina. Este produz, no porvir, no passado, no presente, o PRESENTAR que é próprio a cada um, os mantém separados pelo iluminar, e os retém, de tal maneira, unidos um ao outro, na proximidade, a partir da qual permanecem reciprocamente próximas as três dimensões. É por isso que denominamos ao primeiro, originário, literalmente empreendedor alcançar, no qual repousa a unidade do tempo autêntico, a proximidade que aproxima, proximidade como Nahheit — palavra antiga, ainda usada por Kant. Esta, porém, aproxima futuro, passado e presente, um do outro, enquanto afasta. Pois mantém o que foi, aberto, enquanto recusa seu porvir como presente. Este aproximar-se da proximidade mantém aberto o advento desde o futuro, enquanto, na vinda, retém o presente. A proximidade que aproxima tem o caráter da recusa e da retenção. Mantém previamente ligados um ao outro na unidade, os modos do alcançar do passado, do futuro e do presente. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
Mas uma vez concedido que o modo de dar, em que dá-Se tempo, exige a caracterização exposta, permanecemos ainda sempre confrontados com o enigmático “Se” que nomeamos quando dizemos: Dá-Se tempo. Dá-Se ser. Aumenta o risco de, com esta denominação do “Se”, criarmos arbitrariamente uma força indeterminada, que teria por função realizar tudo o que se refere ao dar de ser e de tempo. Fugiremos, no entanto, à indeterminação, e evitaremos o arbítrio, enquanto nos ativermos às determinações do dar que procuramos mostrar, e isto precisamente a partir da visão antecipadora sobre o ser como presença, e sobre o tempo no âmbito do alcançar da clareira de um múltiplo PRESENTAR. O dar no “dá-Se ser” revelou-se como destinar e como destino de presença, em suas transformações epocais. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
O dar no “dá-Se tempo” mostrou-se como o alcançar iluminador do âmbito quadridimensional. Na medida em que no ser como presença se anuncia algo semelhante ao tempo, reforça-se a conjetura, a que já aludimos, de que o tempo autêntico, o quádruplo alcançar do aberto, se deixaria descobrir como o “Se” que dá ser, isto é, PRESENTAR. A conjetura parece confirmar-se plenamente se atentarmos ao fato de que o ausentar também se manifesta como um modo de PRESENTAR. Mostrou-se, porém, no passado que presentifica o ainda-não-presente, pela recusa do presente; mostrou-se no vir-ao-nosso-encontro que presentifica o ainda-não-presente pela retenção do presente, aquela maneira do alcançar iluminador que dá toda pre-s-ença para a clareira do aberto. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
Segundo a interpretação lógico-gramatical, aquilo de que alguma coisa se enuncia aparece como sujeito: hypokeimenon, o que já está aí, o que, de alguma maneira, se presenta. O que é atribuído ao sujeito como predicado aparece como aquilo que se co-presenta com aquilo que se presenta, o symbebekos, accidens: “O auditório está iluminado”. No “Se” de “dá-Se sei” fala um PRESENTAR de algo real que se presença, portanto, de uma certa maneira de ser. Se nós o colocarmos em lugar do “Se”, então a frase “dá-Se sei” diz: Ser dá ser. Com isto somos devolvidos àquelas dificuldades que mencionávamos no início da conferência: Ser é. Mas ser “é” tão pouco como tempo “é”. Por isso abandonamos agora a tentativa de determinar o “Se” isoladamente e para si. Não perderemos, contudo, de vista: O “Se” nomeia, ao menos na interpretação de que dispomos por ora, uma pre-s-ença de au-s-ência. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
Com a questão aparentemente inofensiva: Que é o Ereignis?, exigimos uma informação sobre o ser do Ereignis. Mas se agora o ser mesmo se apresenta como algo que pertence ao Ereignis, e somente a partir dele recebe a determinação de presença, então regredimos, com a questão levantada, até aquilo que, em primeiro lugar, exige sua determinação: o ser a partir do tempo. Esta determinação mostrou-se, a partir da vista prévia sobre o “Se”, que dá, pelo exame dos modos de dar mutuamente imbricados, o destinar e o alcançar. Destinar do ser repousa no alcançar iluminador do múltiplo PRESENTAR, no âmbito aberto do espaço-de-tempo. O alcançar, porém, repousa, junto ao destinar, no acontecimento-apropriação, no acontecer-apropriar. Este, isto é, o elemento característico do Ereignis, determina também o sentido daquilo que aqui é denominado: o repousar. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
“Ser enquanto o Ereignis” — outrora pensou a Filosofia o ser enquanto idea, enquanto energeia, enquanto actualitas, enquanto vontade, sempre a partir do ente, e agora – poder-ser-ia dizer – pensa o ser enquanto Ereignis. Assim compreendido, Ereignis significa uma explicação derivada do ser, a qual, caso apresente foros de legitimidade, representa a continuação da metafísica. O “enquanto” significa neste caso: Ereignis como uma espécie de ser, subordinado ao ser, que constitui o conceito central ainda retido. Pensemos, contudo, como foi tentado, ser no sentido de PRESENTAR e presentificar, que se dão no destino, o qual, por sua vez, repousa no iluminador-velador alcançar do tempo autêntico, então o ser faz parte do acontecer apropriados. É dele que o dar e o seu dom recebem sua determinação. Nesse caso o ser seria uma espécie de Ereignis e não o Ereignis uma espécie de ser. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
Mas o refúgio numa tal inversão seria pouco séria. Esta falseia o verdadeiro estado de coisas. Ereignis não é conceito supremo abarcador, sob o qual seria possível inserir ser e tempo. Relações lógicas de ordem não dizem nada aqui. Pois, ao meditarmos sobre o próprio ser e perseguirmos o que lhe é próprio, mostra-se ele como o dom do destino de presença garantido pelo alcançar do tempo. O dom do PRESENTAR é propriedade do acontecer-apropriando. Ser desaparece no Ereignis. Na expressão: “Ser enquanto o Ereignis”, o “enquanto” quer agora dizer: Ser, presentificar destinado no acontecer que apropria, tempo alcançado no acontecer que apropria. Tempo e ser acontecem apropriados no Ereignis. E quanto a este mesmo? Pode-se dizer mais do Ereignis? [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
O outro elemento específico no Ereignis, vislumbramo-lo tão logo meditemos, com suficiente clareza, algo já dito. No ser como PRESENTAR manifesta-se a abordagem, que aborda a nós humanos, de tal modo que no perceber e assumir desta abordagem alcançamos aquilo que é específico do ser homem. Este assumir a abordagem da presença reside, porém, no in-sistir no âmbito do alcançar, alcançar que é o modo como nos alcançou o tempo autêntico quadridimensional. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Tempo e Ser]
Ser e Tempo é a tentativa de uma interpretação do ser em direção ao horizonte transcendental tempo. Que significa aqui “transcendental”? Não a objetividade de um objeto da experiência enquanto constituído na consciência, mas o âmbito do projeto, descoberto a partir da clareira do ser-aí, para a determinação do ser, quer dizer, do PRESENTAR como tal. Na conferência Tempo e Ser é recuperado ao âmbito de uma relação mais originária o sentido do tempo, até então impensado, e que se esconde no ser como PRESENTAR. Falar de algo mais originário pode gerar aqui facilmente um mal-entendido. Mas mesmo que deixemos por ora não decidido como deve ser compreendido o mais originário, e isto quer dizer, como não deve ser entendido, fica, contudo, de pé o fato de que o pensamento — e na verdade tanto na conferência mesma como em todo o caminho de Heidegger — possui o caráter de um retorno. Isto é o passo de volta. Deve-se prestar atenção à plurivocidade da expressão. Necessário torna-se o exame do para onde e do como, quando se fala de “de volta”. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]
A explicitação do tempo tem primeiro em vista o caráter de temporalização da temporalidade do ser-aí, para o elemento estático, que em si já contém — sem que este estado se coisas seja expressamente nomeado na parte de Ser e Tempo que alcançou publicação (vide Ser e Tempo, § 28) — uma indicação em direção da verdade, da clareira, do desvelamento do ser enquanto ser. Já em Ser e Tempo, portanto — ainda que aí a explicação do tempo permaneça limitada à temporalidade do ser-aí, e ainda nada se fale do caráter temporal do ser (enquanto na conferência Tempo e Ser o papel do ser humano para a clareira do ser é intencionalmente silenciado) — , é o tempo, pela referência à aletheia e ao PRESENTAR, tirado da compreensão ordinária, desde o início, e recebeu um sentido novo. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]
As primeiras frases da conferência — após a introdução — também ofereceram certas dificuldades. Primeiro diz-se sem mais: “Ser significa, desde a aurora do pensamento ocidental europeu até hoje, o mesmo que pre-sentar”. Que dizer deste enunciado? Significa ser exclusivamente, ou ao menos com tal primazia, algo assim como PRESENTAR, de maneira que se passem por alto outras determinações? Resulta a determinação do ser como PRESENTAR, única admitida na conferência, apenas da intenção da conferência que procura pensar, numa unidade, ser e tempo? Ou possui o PRESENTAR, na totalidade da determinação do ser, uma primazia “objetiva” independente da intenção da conferência? E, qual a situação, sobretudo, da determinação do ser como fundamento? [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]
Presentar, presença, fala em todos os conceitos metafísicos de ser; mescla-se a todas as determinações de ser. Mesmo o fundamento enquanto aquilo que já está aí diante, enquanto aquilo que subjaz como base, conduz, quando considerado em si mesmo, para o permanecer, o demorar e durar, para o tempo, para o presente. Não apenas nas determinações gregas do ser, mas também, por exemplo, na “posição” kantiana e na dialética de Hegel como movimento de tese, antítese e síntese (portanto, também aqui revelando-se o caráter de posição), fala presente, manifesta-se uma primazia do PRESENTAR (vide Nietzsche, II, pp. 399 ss. e ainda: Marcos do Caminho (Wegmarken [GA9]), 1967; vide pp. 273 ss., A Tese de Kant sobre o Ser). [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]
Nestas indicações apenas alusivas, já se revela uma primazia do PRESENTAR que é codeterminante em todas as caracterizações do ser. Como e de que maneira subsiste esta determinação, qual o sentido que possui a primazia da presença que se manifesta, ainda está impensado. A primazia do PRESENTAR permanece, portanto, na conferência Tempo e Ser, uma afirmação, mas enquanto tal questão e tarefa para o pensamento, a saber, a de meditar se e a partir de onde, e em que medida a primazia do PRESENTAR subsiste. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]
O primeiro período da conferência continua após a já citada frase: “A partir do PRESENTAR, da presença fala presente”. Esta frase é plurivoca. De um lado pode ser compreendida assim, que PRESENTAR como presença (praesenz) seja pensado em função daquele que percebe, de sua represença. Presente seria então uma determinação, consequência do presentear, e nomearia a relação deste, na perspectiva do homem que percebe. De outro lado, pode ser assim compreendido, que — de maneira geral — do PRESENTAR fale tempo, ficando no caso em aberto como e de que maneira “ser como presença é determinado pelo tempo”. A conferência visa a este segundo sentido. A plurivocidade, contudo, e a dificuldade da exposição do problema, o fato, portanto, de que, nas primeiras frases, não se trata de uma conclusão, mas de um primeiro tatear e medir o âmbito temático, podem conduzir a mal-entendidos, cuja eliminação somente é possível quando o olhar se mantém constantemente concentrado na temática da conferência como um todo. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]
No primeiro caso, o PRESENTAR como presentificar refere-se ao ente, aquilo que se presenta. Visa-se, portanto, à diferença entre ser e ente, e à relação de ambos, que estão na base da metafísica. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]
(Presenti)ficar significa aqui, partindo do sentido originário da palavra: soltar, deixar, pôr de lado, deixar ir-se, quer dizer, liberar para o interior do aberto. Aquilo que se presenta e que é “liberado” pelo presentificar é, apenas, através disto, liberado para o interior do aberto do que se copresenta, e liberado como um PRESENTAR autônomo. Não dito e problemático permanece aqui de onde vem e como dá-se “o aberto”. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]
Se, no entanto, o presentificar é pensado com propriedade, neste caso, aquilo que é atingido por este presentificar não é mais aquilo que se presenta, mas o PRESENTAR mesmo. De acordo com isto, a palavra virá escrita no que segue, da maneira seguinte: o presenti-ficar. Ficar (de facere E.S.) significa então: admitir, dar, alcançar, destinar, fazer-pertencer a. O PRESENTAR é admitido neste ficar e através dele naquilo a que pertence e onde é seu lugar. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]
O duplo sentido determinante reside, portanto, no — ficar e, acordo com ele, então também no PRESENTAR. A relação de ambas as partes destacadas e opostas pelo “porém, agora”, que não são sem relação entre si, não está isenta de dificuldade. Dito formalmente, subsiste entre ambos os membros da oposição uma relação de determinação: Apenas na medida em que se dd o ficar (fazer E.S.) de PRESENTAR, é possível o presentificar daquilo que se presenta. Como, porém, deve ser pensada esta relação com propriedade, como a mencionada diferença deve ser determinada a partir do Ereignis, foram questões apenas afloradas. A dificuldade principal reside nisto, que se torna necessário, desde o Ereignis, promulgar para o pensamento a diferença ontológica. Desde o ponto de vista do Ereignis, entretanto, esta relação mostra-se como a relação entre mundo e coisa, relação que, de início, ainda poderia ser concebida, de certa maneira, como a relação de ser e ente; mas nisto se perderia aquilo que lhe é próprio. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]
A quarta sessão foi dominada pela análise de uma questão relativa à passagem importante, antes já citada: “Ser pelo qual…” até “… quer dizer, dá ser”. A questão teve em mira a relação de ser e tempo com o Ereignis perguntando-se se entre os conceitos ali citados — PRESENTAR, presentificar, desvelar (desocultar), dar e acontecer-apropriar — subsiste uma gradação, no sentido de uma sempre maior radicalidade. Perguntou-se também se o movimento, que no período problemático conduz do PRESENTAR passando pelo presentificar etc., até o acontecer-apropriar, é a recondução até aquele fundamento radical. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]
A discussão que se seguiu referiu-se, no essencial, ao sentido do determinar que reside no modo como, em meio à metafísica, o PRESENTAR determina aquilo que se presenta. Através disto, tinha-se por meta tornar mais distinto, pelo contraste, qual o caráter que possui o retorno do PRESENTAR para o acontecer-apropriar, que, com demasiada facilidade, é malentendido como a preparação de um fundamento cada vez mais radical. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]
O PRESENTAR do que se presenta — quer dizer, o presentificar: aquilo que se presenta — é interpretado em Aristóteles como poiesis. Esta, mais tarde reinterpretada como creatio, conduz, numa linha de grandiosa simplicidade, até a posição que constitui a consciência transcendental dos objetos. Assim, mostra-se que o traço fundamental do presentificar na metafísica é o pro-duzir, em suas mais diferentes formas. Contra isto se argumentou que, ainda que em suas obras tardias — antes de tudo nos Nomoi — , o caráter “poético” do noûs já sempre se faça mais presente, a relação de determinação que subsiste entre PRESENTAR e aquilo que se presenta não se compreende em Platão como poiesis. No to kalo ta kala só viria expressa a parousia, o estar-junto do kalon junto aos kala, sem que se atribua a este estar-junto o sentido do “poiético”, sob o ponto de vista daquilo que se presenta. Mas isto prova em que Platão o determinar permanece impensado. Pois nada está nele elaborado que possa ser a parousia propriamente dita; nada está dito sobre o que a parousia produz, no que se refere aos onta. Esta lacuna não se fecha pelo fato de Platão procurar captar a relação do PRESENTAR com aquilo que se presenta na metáfora da luz — quer dizer, não como poiesis, fazer etc., mas como luz — , ainda que nisto se ofereça, sem dúvida, uma proximidade com Heidegger. Pois o presentificar pensado por Heidegger, ainda que, naquela passagem problemática da conferência, seja compreendido como neutral e esteja e deva estar aberto em face de todos os modos do fazer, da constituição, etc., é um levar-para-dentro-do-aberto. Nisto mostrou-se, portanto, agora, de maneira expressa o elemento grego, a luz e o brilhar. Fica, entretanto, aberta a pergunta pelo que quererá dizer a indicação metafórica para a luz, mas que ainda não é capaz de dizer. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]
Neste ponto perguntou-se se seria suficiente conceber a relação do PRESENTAR com aquilo que se presenta, como revelar, se este é tomado em si, isto é, se não é novamente determinado quanto a seu conteúdo Se o revelar já reside em todos os modos da poiesis, do fazer, do causar, como será possível excluir estes modos e reter o revelar (desvelar) puramente para si? Que significaria, então, este desvelar, na medida em que não é novamente determinado relativamente a seu conteúdo? Com referência a isto, foi feita uma importante distinção entre o desvelar que, por exemplo, faz parte da poiesis e o desvelar que é visado por Heidegger. Enquanto o primeiro se refere ao e(dos — é este que, na poiesis, é exibido e desvelado — , refere-se o desvelar pensado por Heidegger a todo o ente. A partir daí mencionou-se a distinção entre o fato de ser (Dass-sein) e o que-ser Mas-sein), cuja origem é obscura e impensada (vide Heidegger, Nietzsche, vol. II, pp. 399 ss.). [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]
Todavia, no que se refere à intenção da dúvida que se esconde na questão, foi dito que, ainda o desvelar, na passagem em questão, seja apenas retido como traço fundamental, de maneira que se retire ao ficar (facere, E.S.), no presenti-ficar, o caráter de causa, contudo, ainda devem ser pensados os diversos modos do desvelar determinados, relativamente a seu conteúdo. Com o passo do PRESENTAR para o presentificar e deste para o desvelar, nada é decidido sobre o caráter de presença das diversas áreas do ente. Permanece uma tarefa para o pensamento: determinar o desvelamento das diversas esferas da coisa. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]
O mesmo tipo de mobilidade que reside no passo do PRESENTAR para o presentificar mostra-se na passagem do presentificar para o desvelar e deste para o dar. Cada vez o pensamento realiza um passo de volta. Assim, o modo de proceder deste pensamento poderia ser visto em analogia com o método da teologia negativa. Isto já se mostraria no fato e na maneira com os modelos ônticos dados na linguagem são demolidos e destruídos. Chama atenção, por exemplo, o uso de verbos como “alcançar”, “destinar”, ..suspender”, “acontecer-apropriar”, que não revelam apenas como palavras que como tais exprimem tempo, uma forma temporal, mas, além disso, mostram um sentido expressamente temporal para algo que não é nada de temporal. [tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”]