Pode-se formular o que se discutiu até o presente momento sobre a morte em três teses: 1. Enquanto a presença [Dasein] é, pertence-lhe um ainda-não, que ela será – o constantemente PENDENTE. 2. O chegar-ao-fim do ente que cada vez ainda não está no fim (a superação ontológica do que está PENDENTE) possui o caráter de não-ser-mais-presença [Dasein]. 3. O chegar-ao-fim encerra em si um modo de ser absolutamente insubstituível para cada presença [Dasein] singular. STMSC: §48
Há na presença [Dasein] uma “não-totalidade” contínua e ineliminável, que encontra seu fim com a morte. Mas será que se deve interpretar como PENDENTE o fato fenomenal de que esse ainda-não “pertence” à presença [Dasein] enquanto ela é? A que ente nos referimos quando falamos de PENDENTE? Essa expressão significa aquilo que, sem dúvida, “pertence” a um ente, mas ainda falta. Estar PENDENTE e faltar são co-pertinentes. Estar PENDENTE, por exemplo, diz o resto de uma dívida a ser saldada. O que está PENDENTE ainda não é disponível. Liquidar a “dívida” no sentido de suprimir o que está PENDENTE significa “entrar no haver”, isto é, amortizar sucessivamente o resto, com o que se preenche, por assim dizer, o vazio do ainda-não até que se “ajunte” a soma devida. Estar PENDENTE significa, portanto: o que é co-pertinente ainda não está ajuntado. Do ponto de vista ontológico, as partes a serem ajuntadas nesse caso não estão à mão, embora possuam o mesmo modo de ser das que já se acham à mão que, por sua vez, não se modificam com a entrada do resto. O remanescente à parte do conjunto é liquidado, ajuntando-se, sucessivamente, as partes. O ente em que alguma coisa ainda está PENDENTE tem o modo de ser do que está à mão. Chamaremos de soma a junção ou a disjunção nela fundada. STMSC: §48
Essa disjunção que pertence a um modo de junção, a falta enquanto o que está PENDENTE, não proporciona, de forma alguma, a determinação ontológica do ainda-não que, como morte possível, pertence à presença [Dasein]. Esse ente não possui, absolutamente, o modo de ser do que está à mão dentro do mundo. A junção daquilo que a presença [Dasein] é, “em seu percurso” até completar o “seu curso”, não se constitui como um ajuntamento “ininterrupto” de pedaços que, de algum modo e em algum lugar, estariam à mão por si mesmos. Ao preencher o seu ainda-não, a presença [Dasein] não é o que se juntou assim como ela também não é quando ela não é mais. A presença [Dasein] sempre existe no modo em que o seu ainda-não lhe pertence. Mas não existirá algum ente que, sendo como é, também pode ter um ainda-não sem que tenha de possuir o modo de ser da presença [Dasein]? STMSC: §48
Pode-se dizer, por exemplo, da lua, que o último quarto ainda está PENDENTE até chegar à lua cheia. O ainda-não míngua com o desaparecimento da sombra que oculta. Aí a lua como um todo já está sempre simplesmente dada. Abstraindo-se que, mesmo cheia, a lua nunca pode ser totalmente apreendida, isso não pode significar que as partes pertinentes ainda não sejam e estejam juntas. Esse ainda-não refere-se unicamente à apreensão perceptiva. Todavia, o ainda-não que pertence à presença [Dasein] não apenas se mantém, provisória e momentaneamente, inacessível à experiência própria ou estranha como, sobretudo, ainda não é “real”. O problema não diz respeito à apreensão do ainda-não, característico da presença [Dasein], e sim a seu possível ser e não-ser. A presença [Dasein] deve, em si mesma, devir o que ela ainda não é, ou seja, deve ser. A fim de se determinar comparativamente o ser do ainda-não característico da presença [Dasein], é preciso levar em consideração um outro ente a cujo modo de ser pertença o devir. STMSC: §48
O que, na presença [Dasein], constitui a “não-totalidade”, o insistente anteceder-a-si-mesma, não é nem algo PENDENTE numa junção aditiva nem um ainda-não-se-ter-tornado-acessível. É um ainda-não que, enquanto ente que é, cada presença [Dasein] tem de ser. No entanto, a comparação com o não estar maduro do fruto, a despeito de certa concordância, mostra diferenças essenciais. Tomá-las em consideração significa reconhecer o que há de indeterminado em tudo que dissemos, até o momento, sobre fim e findar. STMSC: §48
A tentativa de se alcançar uma compreensão da totalidade, dotada do caráter de presença [Dasein], tomando-se como ponto de partida um esclarecimento do ainda-não e passando-se pela caracterização do fim, não conduz para a sua meta. Ela só mostrou negativamente que o ainda-não, que cada presença [Dasein] é, recusa sua interpretação como o PENDENTE. O estar-no-fim se apresenta como uma determinação inadequada do fim para o qual a presença [Dasein] é, em existindo. No entanto, a consideração desenvolvida deveria ter explicitado também a necessidade de reverter seus passos. A caracterização positiva do fenômeno em questão (ainda-não ser, findar, totalidade) só terá êxito em se orientando, de forma precisa, no sentido da constituição ontológica da presença [Dasein]. Essa precisão deverá ser assegurada negativamente contra desvios, mediante a compreensão da pertinência regional das estruturas de fim e totalidade que, ontologicamente, sempre resistem à presença [Dasein]. STMSC: §48
As considerações feitas a respeito do PENDENTE, do fim e totalidade resultaram na necessidade de se interpretar o fenômeno da morte como ser-para-o-fim, a partir da constituição fundamental da presença [Dasein]. Somente assim é que se pode esclarecer como, na própria presença [Dasein] e de acordo com sua estrutura ontológica, o ser-para-o-fim possibilita o ser-todo da presença [Dasein]. Mostrou-se a cura como constituição fundamental da presença [Dasein]. O significado ontológico desse termo exprime-se na seguinte “definição”: já anteceder-a-si-mesma-em (um mundo) como ser-junto-aos entes (intramundanos) que vêm ao encontro. Com isso, explicitam-se os caracteres fundamentais do ser da presença [Dasein]: no anteceder-a-si-mesma, a existência, no já-ser-em…, a facticidade, no ser-junto-a, a decadência. Se, portanto, a morte pertence, num sentido privilegiado, ao ser da presença [Dasein], ela (e o ser-para-o-fim) devem poder ser determinados por esses caracteres. STMSC: §50
Recusou-se como inadequada a interpretação do ainda-não e com isso também do ainda-não mais extremo, isto é, do fim da presença [Dasein], no sentido do que está PENDENTE. Isso porque essa interpretação implica um desvio ontológico da presença [Dasein] para o ser simplesmente dado. Existencialmente, estar-no-fim diz ser-para-o-fim. O ainda-não mais extremo possui o caráter daquilo com que a presença [Dasein] se relaciona. Para a presença [Dasein], o fim é impendente. A morte não é algo simplesmente ainda-não dado e nem o último PENDENTE reduzido ao mínimo, mas, muito ao contrário, algo impendente, iminente. STMSC: §50