O Dasein é esse ente cujo ser é sempre meu. O ser-sempre-meu (Jemeinigkeit) está estreitamente ligado à existência, pois o ser do ente que eu sou só pode ser meu na condição de que eu me relacione com ele, que ele não me seja indiferente nem originalmente fechado, no sentido em que o ser de uma pedra o é para ela. A ser-sempre-meu é a relação do Dasein com seu ser que torna possível o pronome Eu. O Eu deriva do ser-sempre-meu e não o ser-sempre-meu do Eu; o mesmo do mim mesmo precede o eu. O ser-sempre-meu constitui, portanto, um princípio de individuação radicalmente diferente do dizer-eu, que sempre implica o Tu, o Ele, etc. Assim, tomar o Eu como ponto de partida para uma análise do meu ser é falhar em compreendê-lo, e não se poderia reprovar Heidegger por ter negligenciado “a evidência primeira do cogito”, uma vez que esta, abstraindo-se da interpretação ontológica que geralmente a acompanha, está fenomenologicamente subordinada ao ser-sempre-meu. Essa propriedade primeira, no entanto, não é algo do qual eu seja a origem, mas a relação com o próprio ser como origem do si mesmo: “A determinação ‘sempre meu’ significa: o Dasein me é lançado para que o meu si mesmo seja o Dasein; Dasein significa: cuidado (Sorge) não apenas do ser humano, mas do ser do ente como tal, revelado ekstaticamente nesse cuidado. O Dasein é ‘sempre meu’, o que significa que ele não é posto por mim nem separado em um Eu individualizado. O Dasein é ele mesmo por sua relação essencial com o ser em geral. Essa é a intenção da proposição, frequente em Ser e Tempo: a compreensão do ser pertence ao Dasein” (GA40:40).
O peso e a função, a carga, do ser-sempre-meu são consideráveis. Fundamenta, em primeiro lugar, a distinção entre a existência própria e a existência imprópria, que atravessa e estrutura toda a analítica existencial. Independentemente de sua maneira de ser, o Dasein é sempre meu e se relaciona com seu ser como sua própria possibilidade. “O Dasein é sempre sua possibilidade e não a ‘possui’ como uma propriedade no sentido de um ente simplesmente presente” (SZ:42). Sendo sua possibilidade, o Dasein pode se perder ou se encontrar, ser propriamente ou impropriamente, ser ou não ser seu ser. Além disso, se o Dasein é, em sua ipsidade, relação com o próprio ser, então o próprio ser é sempre meu. Sem isso, o ser no sentido do questionado da questão não seria o próprio ser do ente interrogado, e nenhuma ontologia surgiria. A analítica existencial é ontologia fundamental porque o ser sempre meu do Dasein é o ser como tal. Por fim, o ser-sempre-meu anuncia o Ereignis. Enquanto em Ser e Tempo o ser-sempre-meu e a propriedade são concebidas a partir do ser, após Ser e Tempo o ser será pensado a partir da apropriação. (DFHPE)