Niederhauser (2013) – papel da angústia [Angst]

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Se, para fins de ilustração, colocarmos o movimento da revelação do significado em termos lógicos, então a revelação tem lugar ex negativo. A angústia, tonalidade afetiva fundamental do Dasein, desempenha aqui um papel crucial. Expandindo o que argumentei acima, a angústia é uma revelação primordial do ser. Angústia é o nome que Heidegger dá ao fenômeno existencial-ontológico de um aparente colapso de significado. A angústia é a “insignificância absoluta” (SZ: 187/181) de tudo o que é subsistente e presente. O antes-que ou o sobre-o-quê, Wovor, da angústia é o próprio ser-no-mundo, é a própria possibilidade de qualquer coisa estar presente. O Wovor não é um objeto, mas, mais uma vez, um caso de indicação formal, uma ocorrência imanente. A angústia é mais intensa perante a morte como possibilidade de não-ser (cf. SZ: 254/244). Por isso, a angústia surge mais radicalmente perante o nada. Não há nada na angústia, nenhum objeto, nenhum fundamento, nada a que se agarrar. Na análise da angústia, Heidegger revela, então, uma forma privilegiada de pensar fora do domínio dos entes! A angústia apresenta ao Dasein a diferença entre ser e entes. Como argumentei acima, a angústia revela que um “não” determina o Dasein no seu fundamento. Assim, qualquer presença e revelação, incluindo os horizontes em termos dos quais o Dasein se revela, estão condicionados a um “não”, a uma indisponibilidade. A angústia, então, não se refere simplesmente a um colapso ôntico do significado. Pelo contrário, a angústia como tonalidade afetiva fundamental, como insignificância absoluta, juntamente com a niilação do nada, da morte, do ainda-não, é co-constitutiva da revelação, ou seja, de uma apreensão adequada do ser de sentido que o Dasein deve revelar. Em momentos de experiência de “angústia”, o Dasein alcança aquela angústia de tonalidade afetiva fundamental que sempre já co-constitui o Dasein. Assim, o significado surge de uma indisponibilidade. Quando Heidegger argumenta que a angústia “revela, primária e diretamente, o mundo como mundo” (SZ: 187/181), entendo-o como dizendo que o significado do mundo surge da nulidade do Dasein, e esta nulidade está, em última análise, condicionada à morte. O Dasein só pode revelar corretamente o sentido do ser se aceitar a sua nulidade. Em suma, a angústia da tonalidade afetiva fundamental, que está intimamente relacionada com a morte, revela a diferença ontológica, o “não” entre o ser e os entes. Os momentos de angústia podem, então, ser momentos de libertação da prevalência dos entes, das ferramentas, dos equipamentos e dos modos do quotidiano e, deste modo, uma abertura radical do horizonte do futuro desdobra-se a partir da nulidade do Dasein. Pela diferença ontológica, o Dasein pode romper novos horizontes temporais, ou seja, novos modos de presença que concedem um significado diferente aos entes, o que inclui a história. A nulidade do Dasein, então, não é um abismo insuperável, mas o ponto de referência entre o ser e os entes. Para além disso, o “não” que aqui está em causa proíbe uma abertura indeterminada e caótica, pois o “não” limita o que pode ser.

original

[NIEDERHAUSER, Johannes Achill. Heidegger on death: an answer to the Seinsfrage. Cham: Springer, 2021]

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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