Res extensa — res cogitans: coisa extensa, coisa pensante. Substância de partes exteriores umas às outras, substância sem partes, reunida em relação a si mesma (sentir, conceber, julgar, querer, imaginar, também amar…). Tomamos o hábito de concebê-las de modo apressado e preguiçoso, como duas coisas colocadas uma ao lado da outra, estranhas uma à outra, até mesmo exclusivas e opostas. Isso, no entanto, é interpretar mal a lição de Descartes. Pois este último não distingue essas duas res tão claramente senão para mostrar quão independentes são suas respectivas realidades uma da outra, a ponto de não haver a menor dificuldade em pensá-las unidas segundo o que ele chama, com extrema precisão, de uma união substancial: não uma terceira res, mas a união das duas primeiras, que são as únicas (como Spinoza, em particular, lembrará, designando-as como os dois atributos da única substância).
Essa união substancial pode ser concebida desde que se perceba claramente que a coisa pensante, não sendo extensa, ou seja, de modo algum exterior a si mesma, pode facilmente, e até mesmo da maneira mais natural ou evidente do mundo (uma evidência para a qual não é necessário forçar o espírito por método, já que ela ocorre naturalmente na vida ordinária), misturar-se com a coisa extensa em todos os seus pontos. De fato, o cogito pontual, estranho à exterioridade, opera em cada ponto do corpo. Estende-se assim, se quisermos, conforme a uma extensão (ou uma espécie de materialidade) muito singular, que é a propriedade do “em lugar nenhum” — ou da parte nula — em todas as partes.
Mas, nesse sentido, a coisa extensa também não é simplesmente exterior nem estranha à coisa pensante. É seu lugar de exercício, ou melhor ainda, é seu próprio exercício. Para relacionar-se consigo mesma em todas as suas operações, a coisa pensante deve separar-se da pura pontualidade. Deve estender-se. Ao estender-se, desvia-se de si — não se divide verdadeiramente, não se corta, mas se desvia. Desse desvio, deve retornar, voltar a “si mesma”. Mas esse retorno passa por um exterior. Somente ali ela poderá constituir-se em “interioridade” e em egoidade. O “interior”, desde o início, é formado pelo desvio-exterior, é propriamente aberto desde o exterior. É igual a uma habitação cuja porta só se abriria de fora…
Se sinto, é que ressinto — em mim ou para mim — o efeito sensível de algo do exterior, o que só é possível se eu mesmo me dirijo ao contato desse exterior, eu mesmo, portanto, fora de mim para ser em mim. Mesmo quando duvido de tudo, é o último resíduo da representação do exterior — ainda que seja fantasmático ou onírico e mesmo que seja submetido à mais severa dúvida sobre sua realidade — que me permite relacionar-me comigo no modo da evidência de um ego sum.
Desde que se enuncia, o ego separa-se de si, por pouco que seja, assim como um corpo, de fato, separa seus lábios para pronunciar a frase “eu sou”. Imediatamente, essa frase significa: “eu sou, mesmo que não haja mais nada no mundo, coisa real capaz de distinguir-se de si para se pôr; ponho-me em mim mesmo, em minha distinção pontual, porque posso passar pelo mínimo de desvio que me relaciona comigo”.
O corpo está, portanto, envolvido no cogito. Está envolvido ali, de maneira paradoxal, como seu desenvolvimento, ou seja, também como sua exterioridade ou como essa exposição segundo a qual só sua simples posição é possível. Consequentemente, o corpo é estranho ao espírito somente se essa estranheza — e essa estranheza — se inscrevem no coração da intimidade egóica e permitem assim que ela se relacione consigo mesma ao mesmo tempo que se relaciona com o mundo (na verdade, essas duas relações são indissociáveis).
A substância extensa é a extensão e a exterioridade da substância pensante, que sem esse exterior não poderia constituir-se em interioridade. Melhor ainda: convém desfazer-se do esquema de um interior oposto a um exterior. Não há mais que um existente, que pode ser considerado sob o aspecto de sua pontualidade ou sob o aspecto da exposição dessa pontualidade. Exposto, o ponto de coincidência consigo mesmo repete-se indefinidamente ao longo de todas as dimensões através das quais exerce sua propriedade de sentido (sentir, assentir, ressentir). O ego é o ponto de sentido — ao mesmo tempo incalculavelmente multiplicado e sempre idêntico em seu recuo inextenso — da configuração (linear, volumosa, motriz, plástica) que se chama um corpo. Ou, para tentar dizê-lo de maneira mais ajustada, o ego é o “um” de “um corpo”, e o corpo constitui o sentido desse “um”, sem o qual este se aboliria na nulidade de sua inextensão.
(Nancy2007)