1. O “em-um-mundo”; com relação [Beziehung] a este momento, impõe-se a tarefa de indagar sobre a estrutura ontológica de “mundo” e determinar a ideia [Idee] de MUNDANIDADE [Weltlichkeit] como tal [als solches] (cf. cap. 3 desta seção). STMSCC: §12
§14. A ideia [Idee] de MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo em geral STMSCC: §14
Não será então que, em última instância, se poderia dizer “mundo” simplesmente como determinação desses entes? Na verdade, chamamos esses entes de seres intramundanos [innerweltlich]. Será o “mundo” um caráter do ser da presença [Dasein]? Toda presença [Dasein] não terá sempre seu mundo? Mas com isso “mundo” não seria algo “subjetivo”? Como, então, seria possível um mundo “comum” “em” que nós, sem dúvida, somos e estamos? E quando se coloca a questão [Frage] do “mundo”, que mundo está subentendido? Nem este e nem aquele, e sim a MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo em geral. Através de que caminho deparamo-nos com tal fenômeno [Phänomen]? STMSCC: §14
“Mundanidade” é um conceito [Begriff] ontológico e significa a estrutura de um momento constitutivo de ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. Este, nós o conhecemos como uma determinação existencial da presença [Dasein]. Assim, a MUNDANIDADE [Weltlichkeit] já é em si mesma um existencial. Quando investigamos ontologicamente o “mundo”, não abandonamos, de forma nenhuma, o campo temático da analítica da presença [Dasein]. Do ponto de [111] vista ontológico, “mundo” não é determinação de um ente que a presença [Dasein] em sua essência não é. “Mundo” é um caráter da própria presença [Dasein]. Isto não exclui que o caminho de investigação do fenômeno [Phänomen] “mundo” deva seguir os entes intramundanos [innerweltlich] e seu ser. A tarefa de “descrição” fenomenológica do mundo é tão pouco clara que já a sua determinação suficiente exige esclarecimentos ontológicos essenciais. STMSCC: §14
4. Mundo designa, por fim, o conceito [Begriff] existencial-ontológico da MUNDANIDADE [Weltlichkeit]. A própria MUNDANIDADE [Weltlichkeit] pode modificar-se e transformar-se, cada vez, no conjunto de estruturas de “mundos” particulares, embora inclua em si o a priori da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] em geral. Terminologicamente tomamos a expressão mundo para designar o sentido [Sinn] fixado no item 3. Quando, por vezes, for usada no sentido [Sinn] mencionado no item 2, marcaremos este sentido [Sinn], colocando a palavra entre aspas, “mundo”. STMSCC: §14
Um passar de olhos pela ontologia tradicional mostrará que, junto com a ausência da constituição da presença [Dasein] como ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], também se salta por cima do fenômeno [Phänomen] da MUNDANIDADE [Weltlichkeit]. Em seu lugar, tenta-se interpretar o mundo a partir do ser de um ente intramundano [innerweltlich] e, ademais, de um ente intramundano [innerweltlich] não descoberto como tal [als solches], ou seja, a partir da natureza [NH: “natureza” aqui entendida kantianamente, no sentido [Sinn] da física moderna]. Entendida em sentido [Sinn] ontológico-categorial, a natureza é um caso limite do ser de um possível ente intramundano [innerweltlich]. A presença [Dasein] só pode descobrir [entdecken] o ente como natureza num determinado [Bestimmtheit] modo de seu ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. Esse conhecimento [Erkenntnis] tem o caráter de uma determinada [Bestimmtheit] desmundanização do mundo. Enquanto conjunto categorial das estruturas de ser de um ente determinado [Bestimmtheit], que vem ao encontro [begegnen] dentro do mundo [innerweltlich], a “natureza” nunca poderá tornar [NH: mas o contrário!] compreensível a MUNDANIDADE [Weltlichkeit]. Do mesmo modo, o fenômeno [Phänomen] “natureza”, no sentido [Sinn] do conceito [Begriff] romântico de natureza, só poderá ser apreendido ontologicamente a partir do conceito [Begriff] de mundo, ou seja, através da analítica da presença [Dasein]. STMSCC: §14
No que diz respeito ao problema de uma análise ontológica da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo, a ontologia tradicional, mesmo quando dele se dá conta, movimenta-se num beco sem saída. Por outro lado, uma interpretação da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] da presença [Dasein], das possibilidades [Möglichkeit] e modos de sua mundanização, haverá de mostrar por que, em seu modo de conhecer [Erkennen] o mundo, a presença [Dasein] salta por cima do fenômeno [Phänomen] da MUNDANIDADE [Weltlichkeit], tanto do ponto de vista ôntico [ontisch] como ontológico. Saltar por cima já indica também a necessidade de precauções especiais para se obter um ponto de partida fenomenal [phänomenal] conveniente, que não salte por cima do fenômeno [Phänomen] da MUNDANIDADE [Weltlichkeit]. STMSCC: §14
O mundo mais próximo da presença [Dasein] cotidiana [alltäglich] é o mundo circundante [Umwelt] . Para se chegar à ideia [Idee] de MUNDANIDADE [Weltlichkeit], a investigação seguirá o caminho que parte desse caráter existencial do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] mediano. Passando por uma interpretação ontológica dos entes que vêm ao encontro [begegnen] dentro do mundo [innerweltlich] circundante [Umwelt], poderemos buscar a MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo circundante [Umwelt] (circumundanidade). A expressão mundo circundante [Umwelt] aponta no “circundante” para uma espacialidade [Räumlichkeit]. O “circundar”, constitutivo do mundo circundante [Umwelt], não possui, de maneira nenhuma, um sentido [Sinn] primordialmente “espacial [räumlich]”. O caráter espacial [räumlich] que pertence indiscutivelmente ao mundo circundante [Umwelt] há de ser esclarecido, ao contrário, a partir da estrutura da MUNDANIDADE [Weltlichkeit]. Somente a partir daí poder-se-á ver [Sehen] o fenômeno [Phänomen] da espacialidade [Räumlichkeit] da presença [Dasein], esboçado no §12. Ora, a ontologia tentou justamente interpretar o ser do “mundo” como res extensa, partindo da espacialidade [Räumlichkeit]. É em Descartes que se mostra a tendência mais extremada para uma ontologia do “mundo” desta espécie, ontologia edificada em contraposição à res cogitans que, porém, não coincide, nem do ponto de vista ôntico [ontisch], nem do ontológico, com a presença [Dasein]. Pode-se esclarecer a análise da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] aqui tentada, distinguindo-a desta tendência ontológica cartesiana. É o que se haverá de cumprir em três etapas: A. Análise da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] circundante e da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] em geral. B. Esclarecimento da análise da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] por contraposição à ontologia do “mundo” de Descartes. C. O circundante do mundo circundante [Umwelt] e a “espacialidade [Räumlichkeit]” da presença [Dasein]. STMSCC: §14
O mundo ele mesmo não é um ente intramundano [innerweltlich], embora o determine de tal modo que, ao ser descoberto e encontrado em seu ser, o ente intramundano [innerweltlich] só possa mostrar-se porque mundo “se dá” . Como, porém, “dá-se” mundo? Se a presença [Dasein] se constitui onticamente pelo ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] e se também pertence essencialmente ao seu ser uma compreensão do ser [Seinsverständnis] de si mesmo, por mais indeterminada que seja, não haveria, pois, uma compreensão de mundo, uma compreensão pré-ontológica [vorontologisch], que pudesse dispensar uma visão [Sicht] ontológica explícita e assim o fizesse? Será que para o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] que se acha na ocupação [Besorgen] do ente intramundano [innerweltlich], ou seja, a sua intramundanidade, não se mostra algo assim como mundo? Não será que esse fenômeno [Phänomen] sempre se apresenta numa visão [Sicht] pré-fenomenológica? Não será que sempre se dá numa tal visão [Sicht], mesmo sem exigir tematicamente uma interpretação ontológica? A própria presença [Dasein], no âmbito de seu empenho ocupacional com o instrumento [Zeug] manual [zuhanden], não possui uma possibilidade [Möglichkeit] ontológica em que, de certo modo, a MUNDANIDADE [Weltlichkeit] se lhe evidencia junto com o ente intramundano [innerweltlich] da ocupação [Besorgen]? STMSCC: §16
Para responder a essas questões que visam a uma elaboração do fenômeno [Phänomen] e problema da MUNDANIDADE [Weltlichkeit], toma-se necessária uma análise mais concreta das estruturas em que as questões colocadas tecem o nexo [Zusammenhang] de seu questionamento. [125] STMSCC: §16
Na interpretação provisória da estrutura de ser do manual [zuhanden] (dos “instrumentos”), tornou-se visível o fenômeno [Phänomen] da referência [Verweisung], se bem que de maneira tão esquemática, que é preciso acentuar a necessidade de se descobrir [entdecken] o fenômeno [Phänomen] apenas indicado em sua proveniência ontológica. Tornou-se também claro que referência [Verweisung] e totalidade referencial [Verweisungsganzheit] são, em algum sentido [Sinn], constitutivas da própria MUNDANIDADE [Weltlichkeit]. Até o presente momento, vimos o mundo evidenciar-se somente para e em determinados modos da ocupação [Besorgen] no mundo circundante [Umwelt] do que está à mão [zuhanden], e este com sua manualidade [Zuhandenheit]. Quanto mais aprofundarmos, portanto, a compreensão de ser [Seinsverständnis] deste ente intramundano [innerweltlich], tanto mais ampla e segura tornar-se-á a base fenomenal [phänomenal] para a liberação [Freigabe] do fenômeno [Phänomen] do mundo. STMSCC: §17
Poder-se-ia ficar tentado a ilustrar o papel primordial do sinal [Zeichen] na ocupação [Besorgen] cotidiana [alltäglich] para a própria compreensão do mundo [Weltverständnis] com o uso abundante de “sinais”, característico da presença [Dasein] primitiva, ou seja, com o fetiche e a magia. Decerto, a criação de sinais à base desse tipo de uso de sinais não se faz segundo uma intenção [Absicht] teórica nem através de uma especulação teórica. O uso de sinais [Zeichengebrauch] permanece inteiramente no âmbito de um ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] “imediato”. Num exame mais minucioso, porém, torna-se claro que a interpretação de fetiche e magia feita pela ideia [Idee] de sinal [Zeichen] não é, de modo algum, suficiente para apreender o modo de “estar à mão” dos entes que vêm ao encontro [begegnen] no mundo primitivo. No que concerne ao fenômeno [Phänomen] do sinal [Zeichen], poder-se-ia fazer a seguinte interpretação [Interpretation]: para o homem [Mensch] primitivo, o sinal [Zeichen] e o assinalado [Gezeigten] coincidem. O próprio [eigentlich] sinal [Zeichen] pode representar [vorstellen] o assinalado [Gezeigte] não somente no sentido [Sinn] de substituí-lo, mas, sobretudo, no sentido [Sinn] de que o próprio [eigentlich] sinal [Zeichen] é sempre o assinalado. Essa estranha coincidência [Zusammenfallen] de sinal [Zeichen] e assinalado não reside, contudo, em a coisa [Ding] sinal [Zeichen] já ter feito a experiência de uma certa “objetivação [Ojektivierung]”, sendo experimentada como pura coisa [Ding] e, desse modo, transferida com o assinalado para o mesmo âmbito ontológico do simplesmente dado [vorhanden]. A “coincidência [Zusammenfallen]” não é identificação do que antes estava isolado mas um sinal [Zeichen] que ainda-não-está-livre do designado. Esse uso de sinal [Zeichen] desaparece inteiramente em ser para o assinalado, a ponto de ainda não se poder separar um sinal [Zeichen] como tal [als solches]. A coincidência [Zusammenfallen] não se funda numa primeira objetivação [Ojektivierung] mas na total falta de objetivação [Ojektivierung]. Isso significa, no entanto, que os sinais não foram descobertos como instrumento [Zeug] e que, por fim, o “manual [zuhanden]” intramundano [innerweltlich] ainda não possui de forma alguma o modo de ser [Seinsart] do instrumento [Zeug]. Presumivelmente, esse diapasão ontológico (manualidade [Zuhandenheit] e instrumento [Zeug]), bem como a ontologia da coisalidade [Dinglichkeit], não podem contribuir em nada para uma interpretação do mundo primitivo. Se, no entanto, uma compreensão de ser [Seinsverständnis] é constitutiva da presença [Dasein] primitiva e do mundo primitivo em geral, então torna-se ainda mais urgente a elaboração da ideia [Idee] “formal” de MUNDANIDADE [Weltlichkeit], ou seja, de um fenômeno [Phänomen] que é de tal maneira passível de modificações que todos os enunciados ontológicos, seja no contexto fenomenal [phänomenal] prefixado do que ainda não é isso ou do que já não é mais isso, recebam um sentido [Sinn] fenomenal [phänomenal] positivo a partir do que não é. STMSCC: §17
Esta interpretação [Interpretation] do sinal [Zeichen] tinha apenas a finalidade de oferecer um apoio fenomenal [phänomenal] para se caracterizar a referência [Verweisung]. A relação [Beziehung] entre sinal [Zeichen] e referência [Verweisung] é tríplice: 1. Na estrutura do instrumento [Zeug] em geral, a ação de mostrar [Zeigen], enquanto possível concreção do para quê (Wozu) de uma serventia [Dienlichkeit], funda-se no ser para (Um-zu) (referência [Verweisung]). 2. A ação de mostrar [Zeigen] do sinal [Zeichen], enquanto caráter instrumental do que se acha à mão, pertence a uma totalidade instrumental [Zeugganzheit], a um conjunto referencial. 3. O sinal [Zeichen] não está apenas à mão [zuhanden] junto com outro instrumento [Zeug], mas, em sua manualidade [Zuhandenheit], o mundo circundante [Umwelt] torna-se, cada vez, explicitamente acessível à circunvisão [Umsicht]. O sinal [Zeichen] está onticamente à mão [zuhanden] e, enquanto é esse instrumento [Zeug] determinado [Bestimmtheit], desempenha, ao mesmo tempo, a função de alguma coisa [Ding] que indica a estrutura ontológica de manualidade [Zuhandenheit], totalidade de referencial [Verweisungsganzheit] e MUNDANIDADE [Weltlichkeit]. Aí se enraíza o privilégio desse manual [zuhanden] em meio ao mundo circundante [Umwelt], ocupado pela circunvisão [Umsicht]. [132] Se, portanto, a própria referência [Verweisung] deve ser, do ponto de vista ontológico, fundamento do sinal [Zeichen], ela mesma não pode ser concebida como sinal [Zeichen]. Como a própria referência [Verweisung] constitui manualidade [Zuhandenheit], ela não é a determinação ôntica [ontisch] de um manual [zuhanden]. Em que sentido [Sinn] a referência [Verweisung] é a “pressuposição [Voraussetzung]” ontológica do manual [zuhanden] e em que medida, na qualidade de fundamento ontológico, é também constitutivo da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] em geral? STMSCC: §17
§18. Conjuntura e significância [Bedeutsamkeit]: a MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo STMSCC: §18
O manual [zuhanden] vem ao encontro [begegnen] dentro do mundo [innerweltlich]. O ser desse ente, a manualidade [Zuhandenheit], remete ontologicamente, portanto, de alguma maneira, ao mundo e à MUNDANIDADE [Weltlichkeit]. Em todo manual [zuhanden], o mundo já está “pre-sente por aí”. Embora não de forma temática, o mundo já se descobre [NH: ilumina] antecipadamente em todo encontro. Ele pode, no entanto, aparecer também em certos modos de lidar com o mundo circundante [Umwelt]. É a partir do mundo que o manual [zuhanden] está à mão [zuhanden]. Como o mundo deixa e faz encontrar o manual [zuhanden]? A análise feita até o momento mostrou: o ente intramundano [innerweltlich] que vem ao encontro [begegnen] é liberado em seu ser para a circunvisão [Umsicht] própria da ocupação [Besorgen], é levado em conta. O que diz essa liberação [Freigabe] prévia e como ela há de ser compreendida como distintivo ontológico do mundo? Com quais problemas se depara a questão [Frage] da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo? STMSCC: §18
Conjuntura [Bewandtnis] é o ser dos entes intramundanos [innerweltlich] em que cada um deles já, desde sempre, liberou-se [freigegeben]. Junto com ele, enquanto ente, sempre se dá uma conjuntura [Bewandtnis]. Dar uma conjuntura [Bewandtnis] constitui a determinação ontológica do ser deste ente e não uma afirmação ôntica [ontisch] que sobre ele se possa fazer. Aquilo junto a que possui uma conjuntura [Bewandtnis] é o para quê (Wozu) da serventia [Dienlichkeit], o em quê (Wofür) da possibilidade de emprego [Verwendbarkeit]. Com o para quê (Wozu) da serventia [Dienlichkeit] pode-se dar, novamente, uma conjuntura [Bewandtnis] própria; por exemplo, junto com esse manual [zuhanden] que chamamos, por isso mesmo, de martelo, age a conjuntura [Bewandtnis] de pregar, junto com o pregar dá-se a proteção contra as intempéries; esta “é” em virtude do abrigo da presença [Dasein], ou seja, está em virtude de [worumwillen] uma possibilidade [Möglichkeit] de seu ser. A partir da totalidade conjuntural [Bewandtnisganzheit], sempre se delineia que conjuntura [Bewandtnis] se dá com um manual [zuhanden]. A totalidade conjuntural [Bewandtnisganzheit] que constitui, por exemplo, o manual [zuhanden] em sua manualidade [Zuhandenheit] numa oficina é “anterior” a cada instrumento [Zeug] singular, da mesma forma que a totalidade conjuntural [Bewandtnisganzheit] de uma estância com todos os aparelhos e apetrechos. A própria totalidade conjuntural [Bewandtnisganzheit] remonta, em última instância, a um para quê (Wozu) onde já não se dá nenhuma conjuntura [Bewandtnis], que em si mesmo já não é um ente segundo o modo de ser [Seinsart] do manual [zuhanden] dentro de um mundo, mas um ente cujo ser se determina como ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] onde a própria MUNDANIDADE [Weltlichkeit] pertence à sua constituição de ser [Seinsverfassung]. Esse para quê (Wozu) primordial não é um ser para isso (Dazu), no sentido [Sinn] de um possível estar junto [Wobei] numa conjuntura [Bewandtnis]. O “para quê” (Wozu) primordial é um ser em virtude de [worumwillen]. “Em virtude de” [134], porém, sempre diz respeito ao ser da presença [Dasein], uma vez que, sendo, está essencialmente em jogo seu próprio [eigentlich] ser. Nesse primeiro momento, não se deve aprofundar o contexto indicado que conduz da estrutura da conjuntura [Bewandtnis] para o ser da presença [Dasein] enquanto função única e própria. Antes disso é preciso esclarecer, de modo mais amplo, o “deixar e fazer em conjunto [Bewendenlassen]”, a fim de apreendermos a determinação do fenômeno [Phänomen] da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] e, assim, podermos colocar seus respectivos problemas. STMSCC: §18
O deixar e fazer [Bewendenlassen] previamente junto… com… funda-se num compreender [Verstehen] de algo como deixar e fazer em conjunto [Bewendenlassen], numa compreensão de ser [Seinsverständnis] e estar junto [Wobei] e de estar com [Womit] de uma conjuntura [Bewandtnis]. Isso e o que lhe subjaz mais remotamente como o ser para isso [Dazu], em cuja conjuntura [Bewandtnis] se dá o em virtude de [Worum-willen] para onde [Wohin] retorna, em última instância, todo para quê (Wozu), tudo isso já deve estar previamente aberto numa compreensibilidade [Verständigkeit]. Mas em que a presença [Dasein] se compreende pré-ontologicamente como ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]? Ao compreender [Verstehen] o contexto de remissões [Bezugszusammenhangs] supramencionado, a presença [Dasein] já se referiu a um ser para, a partir de um poder ser [Seinkönnen] explícito ou implícito, próprio [eigentlich] ou impróprio [uneigentlich], em virtude do qual ela mesma é. Assim, delineia-se um ser para isso [Dazu], como possível estar junto [Wobei] de um deixar e [136] fazer em conjunto, o qual estruturalmente deixa e faz entrar junto com alguma coisa [Ding]. A partir de um em virtude de [Worum-willen], a presença [Dasein] sempre se refere ao estar com [Womit] de uma conjuntura [Bewandtnis], ou seja, já permite sempre, em sendo, que o ente venha ao encontro [begegnen] como manual [zuhanden]. A perspectiva dentro da qual [Woraufhin] se deixa e se faz o encontro [Begegnenlassen] prévio dos entes constitui o contexto em que [Worin] a presença [Dasein] se compreende previamente segundo o modo de referência [Sichverweisen]. O fenômeno [Phänomen] do mundo é o em quê (Worin) da compreensão referencial [sichverweisenden Verstehens], enquanto perspectiva de [Woraufhin] um deixar e fazer encontrar [Begegnenlassen] um ente no modo de ser [Seinsart] da conjuntura [Bewandtnis]. A estrutura da perspectiva em que a presença [Dasein] se refere constitui a MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo. STMSCC: §18
Nestas análises, expôs-se apenas o horizonte em que se pode buscar o mundo e a MUNDANIDADE [Weltlichkeit]. Para a consideração [Betrachtung]] posterior é preciso esclarecer primeiro, mais nitidamente, como se deve apreender ontologicamente o contexto referencial [Zusammenhang des Sichverweisens] da presença [Dasein]. STMSCC: §18
Determinando o ser do manual [zuhanden] (conjuntura [Bewandtnis]) e até a própria MUNDANIDADE [Weltlichkeit], como nexo referencial [Verweisungszusammenhang], não será então que o “ser substancial” do ente intramundano [innerweltlich] se dissolve num sistema de relações [Relationssystem]? E, na medida em que relações [Relationen] são sempre “algo pensado” [Gedachtes], o ser dos entes intramundanos [innerweltlich] não desapareceria nesse caso no “pensamento [Denken] puro” [reine Denken]? STMSCC: §18
No âmbito do presente campo de investigação, as diferenças repetidas vezes marcadas entre as estruturas e dimensões da problemática ontológica devem-se manter fundamentalmente separadas: 1) o ser dos entes intramundanos [innerweltlich], que primeiro vêm ao encontro [begegnen] (manualidade [Zuhandenheit]); 2) o ser dos entes (ser simplesmente dado [Vorhandenheit]) que se acham e se podem determinar num percurso autônomo de descoberta [entdecken] através dos entes que primeiro vêm ao encontro [begegnen]; 3) o ser da condição ôntica de possibilidade [ontischen Bedingung der Möglichkeit] da descoberta [Entdeckbarkeit] de entes intramundanos [innerweltlich] em geral, a MUNDANIDADE [Weltlichkeit] [NH: melhor, a vigência [Anwesenheit] do mundo] do mundo. Este último é uma determinação [138] existencial do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], ou seja, da presença [Dasein]. Os outros dois conceitos de ser são categorias [Kategorien] e abrangem entes que não possuem o modo de ser [Seinsart] da presença [Dasein]. Pode-se apreender formalmente o conceito [Begriff] referencial que constitui o mundo como significância [Bedeutsamkeit] no sentido [Sinn] de um sistema de relações [Relationssystem]. Deve-se, porém, observar que tais formalizações nivelam de tal modo os fenômenos que, em remissões [Bezüge] tão “simples” como as que a significância [Bedeutsamkeit] abriga, perdem o conteúdo [Gehalt] propriamente fenomenal [phänomenal]. Essas “relações” [Relationen] e “relatas” [Relate] do ser-para [Um-zu], do ser em virtude de [Um-willen], do estar com [Womit] de uma conjuntura [Bewandtnis], em seu conteúdo [Gehalt] fenomenal [phänomenal], resistem a toda funcionalização matemática; também não são algo pensado, posto pela primeira vez pelo pensamento [Denken], mas remissões [Bezüge] em que a circunvisão [Umsicht] da ocupação [Besorgen] sempre se detém como tal [als solches]. Esse “sistema de relações” [Relationssystem] constitutivo da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] dissolve tão pouco o ser do manual [zuhanden] intramundano [innerweltlich] que, na verdade, é só com base na MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo que ele pode descobrir-se em seu “em-si [An-sich] substancial”. E somente quando o ente intramundano [innerweltlich] em geral puder vir ao encontro [begegnen] é que subsiste a possibilidade [Möglichkeit] de se tornar acessível o que, no âmbito deste ente, é simplesmente dado [vorhanden]. Com base neste ser simplesmente dado [Vorhandenheit] é que se podem determinar matematicamente “propriedades [Eigenschaften]” desses entes em “conceitos de funções” [Funktionsbegriffen]. Conceitos de função [Funktionsbegriffen] dessa espécie só se tornam ontologicamente possíveis remetendo-se a um ente cujo ser possui o caráter de pura substancialidade [Substanzialität]. Conceitos de função não são outra coisa [Ding] do que conceitos formalizados de substância [formalisierte Substanzbegriffe]. STMSCC: §18
Para que a problemática ontológica da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] se possa realçar com maior nitidez é preciso que se esclareça, antes de prosseguir a análise, a interpretação da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] que se lhe opõe de forma mais extrema. STMSCC: §18
Só gradativamente a investigação poderá assegurar-se do conceito [Begriff] de MUNDANIDADE [Weltlichkeit] e das estruturas incluídas nesse fenômeno [Phänomen]. Porque a interpretação de mundo parte, inicialmente, de um ente intramundano [innerweltlich] e logo perde de vista o fenômeno [Phänomen] do mundo em geral, tentaremos esclarecer ontologicamente esse ponto de partida em sua realização, talvez, mais extremada. Não nos contentaremos apenas com uma exposição sumária das coordenadas fundamentais da ontologia do “mundo” de Descartes. Questionaremos as suas pressuposições e procuraremos caracterizá-las à luz do que se obteve até aqui. Esta discussão [Erörterung] há de possibilitar o reconhecimento de que as interpretações do mundo posteriores e, sobretudo, as anteriores a Descartes movem-se em “fundamentos” ontológicos não discutidos em princípio. STMSCC: §18
Na exposição do problema da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] (§14), indicou-se a importância de se obter uma via de acesso [Zugang] adequada ao fenômeno [Phänomen]. Na discussão [Erörterung] crítica do ponto de partida cartesiano teremos, pois, de perguntar: Que modo de ser [Seinsart] da presença [Dasein] é fixado como a via de acesso [Zugangsart] adequada ao que, enquanto extensio, Descartes identifica com o ser do “mundo”? A única via de acesso [Zugang] autêntica [echt] para esse ente é o conhecer [Erkennen], a intellectio, no sentido [Sinn] do conhecimento [Erkenntnis] físico-matemático. O conhecimento [Erkenntnis] matemático vale como o modo de apreensão [Erfassungsart] dos entes, capaz de propiciar sempre uma posse mais [147] segura do ser dos entes nele apreendidos. Em sentido [Sinn] próprio [eigentlich], só é aquilo que tem o modo de ser [Seinsart] capaz de satisfazer o ser acessível no conhecimento [Erkenntnis] matemático. Este ente é aquilo que sempre é o que é; por isso, ao experimentar [erfahren] o modo de ser [Seinsart] do mundo, o que constitui o seu ser propriamente dito é aquilo que pode mostrar o caráter de permanência constante [ständigen Verbleibs], como remanens capax mutationum. Propriamente só [Eigentlich] é o que sempre permanece [Bleibende]. E é isso o que a matemática [Mathematik] conhece. O que no ente se torna acessível pela matemática constitui, portanto, o seu ser. Assim, de uma determinada [Bestimmtheit] ideia [Idee] de ser, inserida no conceito [Begriff] de substancialidade [Substanzialität] e a partir da ideia [Idee] de um conhecimento [Erkenntnis] relativo ao ente assim conhecido, dita-se, por assim dizer, ao “mundo” o seu ser. Descartes não retira o modo de ser [Seinsart] dos entes intramundanos [innerweltlich] deles mesmos. Com base numa ideia [Idee] de ser, velada em sua origem e não demonstrada em sua legitimidade (ser = constância do ser simplesmente dado [ständige Vorhandenheit]), ele prescreve ao mundo o seu ser “próprio [eigentlich]”. Não é, portanto, principalmente o apoiar-se numa ciência [Wissenschaft] particular e, por acaso, especialmente estimada, a matemática [Mathematik], o que determina [NH: mas direcionamento [Ausrichtung] pelo matemático como tal [als solches], mathema e ón] a ontologia do mundo, mas uma orientação fundamentalmente ontológica pelo ser enquanto constância do ser simplesmente dado [ständiger Vorhandenheit], cuja apreensão [Erfassung] é lograda, de modo excepcional, pelo conhecimento [Erkenntnis] matemático. Descartes cumpre, assim, de maneira filosoficamente explícita, a virada das influências da ontologia tradicional sobre a física matemática [mathematische Physik] moderna e os seus fundamentos transcendentais. STMSCC: §21
No contexto de uma primeira caracterização do ser-em [In-sein] (cf. §12), a presença [Dasein] teve de ser delimitada frente a um modo de ser [Seinsart] no espaço [Raum], que denominamos interioridade [Inwendigkeit]. Esta significa: um ser constituído em si mesmo pela extensão [Ausdehnung] está cercado pelos limites extensos de alguma coisa [Ding] extensa. O ente interior e a cerca são ambos simplesmente dados no espaço [Raum]. A recusa de uma tal interioridade [Inwendigkeit] da presença [Dasein] num continente espacial [räumlich] não significa, contudo, excluir em princípio toda espacialidade [Räumlichkeit] da presença [Dasein]. Trata-se apenas de deixar livre o caminho para se perceber a espacialidade [Räumlichkeit] essencial da presença [Dasein]. É esta agora que deve ser explicitada. Como, porém, o ente intramundano [innerweltlich] está igualmente no espaço [Raum], também a sua essa espacialidade [Räumlichkeit] acha-se [NH: portanto, mundo é também espacial [räumlich]] numa ligação ontológica com o mundo. Por isso, deve-se determinar em que sentido [Sinn] o espaço [Raum] é um constitutivo do mundo que, por sua vez, foi caracterizado como momento estrutural de ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. De modo especial, há de se mostrar como o circundante do mundo circundante [Umwelt], a espacialidade [Räumlichkeit] específica do próprio [eigentlich] ente que vem ao encontro [begegnen] no mundo circundante [Umwelt], funda-se na MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo e não o contrário, isto é, que o mundo seria simplesmente dado [vorhanden] no espaço [Raum]. A investigação da espacialidade [Räumlichkeit] da presença [Dasein] e da determinação espacial [räumlich] do mundo parte de uma análise do manual [zuhanden] intramundano [innerweltlich] no espaço [Raum]. Essa consideração [Rücksicht] percorre três etapas: 1. A espacialidade [Räumlichkeit] do manual [zuhanden] intramundano [innerweltlich] (§22); 2. A espacialidade [Räumlichkeit] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] (§23); 3. A espacialidade [Räumlichkeit] da presença [Dasein] e o espaço [Raum] (§24). STMSCC: §21
Enquanto ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], a presença [Dasein] já descobriu a cada passo um “mundo”. Caracterizou-se esse descobrir [entdecken], fundado na MUNDANIDADE [Weltlichkeit] [164] do mundo, como liberação [Freigabe] dos entes numa totalidade conjuntural [Bewandtnisganzheit]. A ação [Handeln] liberadora de deixar e fazer em conjunto [Bewendenlassen] se perfaz no modo da referência [Verweisung], guiada pela circunvisão [Umsicht] e fundada numa compreensão prévia da significância [Bedeutsamkeit]. Mostra-se assim que, dentro de uma circunvisão [Umsicht], o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] é espacial [räumlich]. E somente porque a presença [Dasein] é espacial [räumlich], tanto no modo de dis-tanciamento [Ent-fernung] quanto no modo de direcionamento [Ausrichtung], o que se acha à mão no mundo circundante [Umwelt] pode vir ao encontro [begegnen] em sua espacialidade [Räumlichkeit]. A liberação [Freigabe] de uma totalidade conjuntural [Bewandtnisganzheit] é, de maneira igualmente originária, um deixar e fazer em conjunto [Bewendenlassen] que, numa região [Gegend], dis-tancia e direciona, ou seja, libera a pertinência espacial [räumlich] do que está à mão [zuhanden]. Na significância [Bedeutsamkeit], familiar à presença [Dasein] nas ocupações [Besorgen] de seu ser-em [In-sein], reside também a abertura [Erschliessen] essencial do espaço [Raum]. STMSCC: §24
O espaço [Raum] assim aberto com a MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo ainda não tem nada a ver [Sehen] com o puro conjunto das três dimensões. Neste abrir-se mais imediato, o espaço [Raum] enquanto puro continente de uma ordem métrica de posições e de uma determinação métrica de postos ainda permanece velado. Com o fenômeno [Phänomen] de região [Gegend], indicamos a perspectiva em que o espaço [Raum] se descobre previamente na presença [Dasein]. Entendemos região [Gegend] como o para onde [Wohin] a que possivelmente pertence o conjunto instrumental [Zeugganzen] à mão, que poderá vir ao encontro [begegnen] segundo direções e distanciamentos, isto é, em um lugar. A pertinência determina-se a partir da significância [Bedeutsamkeit] constitutiva do mundo e articula, num possível para onde [Wohin], o para aqui e o para lá. O para onde (Wohin) em geral acha-se prelineado pela totalidade referencial [Verweisungsganzheit] estabelecida num para onde [Wohin] da ocupação [Besorgen], em cujo seio a ação [Handeln] liberadora de deixar e fazer em conjunto [Bewendenlassen] instaura referências. Numa região [Gegend] sempre se estabelece uma conjuntura [Bewandtnis] com o que vem ao encontro [begegnen] enquanto manual [zuhanden]. A conjuntura [Bewandtnis] regional do espaço [Raum] pertence à totalidade conjuntural [Bewandtnisganzheit] que constitui o ser do que está à mão [zuhanden] no mundo circundante [Umwelt]. Com base nesta totalidade conjuntural [Bewandtnisganzheit] do espaço [Raum] é que se pode encontrar e determinar a forma e a direção do que está à mão [zuhanden]. De acordo com a possível transparência da circunvisão [Umsicht] ocupacional, distancia-se e direciona-se o manual [zuhanden] intramundano [innerweltlich] junto ao ser fático [faktisch] da presença [Dasein]. STMSCC: §24
O mundo libera não apenas o manual [zuhanden] enquanto ente que vem ao encontro [begegnen] dentro do mundo [innerweltlich], mas também presença [Dasein], os outros em sua co-presença [Mitdasein]. Contudo, esse ente liberado no mundo circundante [Umwelt], de acordo com seu sentido [Sinn] mais próprio [eigentlich] de ser, é um ser-em [In-sein] um mesmo mundo, em que é co-presente, encontrando-se com outros. A MUNDANIDADE [Weltlichkeit] foi interpretada (§18) como totalidade referencial [Verweisungsganzheit] da significância [Bedeutsamkeit]. Na familiaridade [Vertrautheit] com ela, dotada de compreensão prévia, a presença [Dasein] deixa e faz vir ao encontro [begegnen] o manual [zuhanden] enquanto algo que se [179] descobre em sua conjuntura [Bewandtnis]. O contexto referencial da significância [Bedeutsamkeit] ancora-se no ser da presença [Dasein] para o seu ser mais próprio [eigentlich], a ponto de, essencialmente, não poder ter nenhuma conjuntura [Bewandtnis], sendo o ser em virtude do qual a própria presença [Dasein] é como é. STMSCC: §26
De acordo com a análise aqui desenvolvida, o ser com os outros pertence ao ser da presença [Dasein] que, sendo, põe em jogo seu próprio [eigentlich] ser. Enquanto ser-com [Mitsein], a presença [Dasein] “é”, essencialmente, em virtude dos outros. Isso deve ser entendido, em sua essência, como um enunciado [Aussage] existencial. Mesmo quando cada presença [Dasein] fática [faktisch] não se volta para os outros quando acredita não precisar deles ou quando os dispensa, ela ainda é no modo de ser-com [Mitsein]. No ser-com [Mitsein], enquanto o existencial de ser em virtude dos outros, os outros já estão abertos em sua presença [Dasein]. Essa abertura [Erschliessen] dos outros, previamente constituída pelo ser-com [Mitsein], também perfaz a significância [Bedeutsamkeit], isto é, a MUNDANIDADE [Weltlichkeit] que se consolida como tal [als solches] no existencial de ser-em-virtude-de. Por isso, a MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo assim constituída, em que a presença [Dasein] já sempre é e está de modo essencial, deixa que o manual [zuhanden] do mundo circundante [Umwelt] venha ao encontro junto com a co-presença [Mitdasein] dos outros, na própria ocupação [Besorgen] guiada pela circunvisão [Umsicht]. Na estrutura da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo, os outros não são, de saída, simplesmente dados como sujeitos soltos no ar ao lado de outras coisas. Eles se mostram em seu ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], empenhado nas ocupações [Besorgen] do mundo circundante [Umwelt], a partir do ser que, no mundo, está à mão [zuhanden]. STMSCC: §26
Além dessas duas determinações essenciais da disposição [Befindlichkeit] aqui explicitadas: a abertura [Erschliessen] do estar-lançado [Geworfenheit] e a abertura [Erschliessen] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] em sua totalidade, deve-se considerar ainda uma terceira, que contribui sobremaneira para uma compreensão mais profunda da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo. Como dissemos anteriormente, o mundo que já se abriu deixa e faz com que o ente intramundano [innerweltlich] venha ao encontro [begegnen]. Essa abertura [Erschliessen] prévia do mundo, que pertence ao ser-em [In-sein], também se constitui de disposição [Befindlichkeit]. Deixar e fazer vir ao encontro [Begegnenlassen] é, primariamente, uma circunvisão [Umsicht] e não simplesmente sensação ou observação [Betrachtung]. Numa ocupação [Besorgen] dotada de circunvisão [Umsicht], deixar e fazer vir ao encontro [Begegnenlassen] tem o caráter de ser atingido, como agora se pode ver [Sehen] mais agudamente a partir da disposição [Befindlichkeit]. Do ponto de vista ontológico, inutilidade, resistência, ameaça [drohen], são apenas possíveis, porque o ser-em [In-sein] como tal [als solches] se acha determinado [Bestimmtheit] previamente em sua existência [Existenz], de modo a poder ser tocado dessa maneira pelo que vem ao encontro [begegnen] dentro do mundo [innerweltlich]. Esse ser tocado funda-se na disposição [Befindlichkeit], descobrindo o mundo como tal [als solches], no sentido [Sinn], por exemplo, de ameaça [drohen]. Apenas o que é na disposição [Befindlichkeit] do medo [Furcht], o sem medo [Furchtlosigkeit], pode descobrir [entdecken] o que está à mão [zuhanden] no mundo circundante [Umwelt] como algo [196] ameaçador. O estado de humor [Stimmung] da disposição [Befindlichkeit] constitui, existencialmente, a abertura mundana [Weltoffenheit] da presença [Dasein]. STMSCC: §29
Que a circunvisão [Umsicht] cotidiana [alltäglich] se equivoque, devido à abertura [Erschliessen] primordial da disposição [Befindlichkeit] e esteja amplamente sujeita a ilusão, isto é, segundo a ideia [Idee] de um conhecimento [Erkenntnis] absoluto de “mundo”, um me ón. Em razão dessas avaliações ontologicamente inadequadas, desconsidera-se inteiramente a positividade existencial da possibilidade [Möglichkeit] de ilusão. É justamente na visão [Sicht] instável e de humor [Stimmung] variável do “mundo” que o manual [zuhanden] se mostra em sua MUNDANIDADE [Weltlichkeit] específica, a qual nunca é a mesma. A observação [Betrachtung] teórica sempre reduziu o mundo à uniformidade do que é simplesmente dado [vorhanden]; dentro dessa uniformidade subsiste encoberta sem dúvida uma nova riqueza de determinações, passíveis de descoberta [entdecken]. Contudo, mesmo a mais pura theoria não conseguiu ultrapassar todos os humores [Stimmung]; o que é ainda simplesmente dado [vorhanden] em sua pura configuração apenas se mostra para a observação [Betrachtung] quando consegue chegar a si, demorando tranquilamente junto a…, na rastone e diagoge. O demonstrar [Aufweisung] da constituição ontológico-existencial de toda determinação de conhecimento [Erkenntnis] na disposição [Befindlichkeit] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] não deve ser confundido com a tentativa de abandonar onticamente a ciência [Wissenschaft] ao “sentimento [Gefühl]”. STMSCC: §29
Por que o compreender [Verstehen], em todas as dimensões essenciais do que nele se pode abrir, sempre conduz as possibilidades [Möglichkeit]? Porque, em si mesmo, compreender [Verstehen] possui a estrutura existencial que chamamos de projeto [Entwurf] . O compreender [Verstehen] projeta o ser da presença [Dasein] para o seu em virtude de [worumwillen] e isso de maneira tão originária como para a significância [Bedeutsamkeit], entendida como MUNDANIDADE [Weltlichkeit] de seu mundo. O caráter projetivo do compreender [Verstehen] constitui o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] no tocante a abertura [Erschliessen] do seu pre [das Da], enquanto pre [das Da] de um poder-ser [Seinkönnen]. O projeto [Entwurf] é a constituição ontológico-existencial do espaço [Raum] de articulação do poder-ser [Seinkönnen] fático [faktisch]. E, na condição de lançada, a presença [Dasein] se lança no modo de ser [Seinsart] do projeto [Entwurf]. O projetar-se [Sichentwerfen] nada tem a ver [Sehen] com um possível relacionamento [Beziehung] frente a um plano previamente concebido, segundo o qual a presença [Dasein] instalaria o seu ser. Ao contrário, como presença [Dasein], ela já sempre se projetou e só é em se projetando. Na medida em que é, a presença [Dasein] já se compreendeu e sempre se compreenderá a partir de possibilidades [Möglichkeit]. O caráter projetivo do compreender [Verstehen] diz, ademais, que a perspectiva em virtude da qual ele se projeta apreende as possibilidades [Möglichkeit] mesmo que não o faça tematicamente. [205] Essa apreensão [Erfassen] retira do que é projetado justamente o seu caráter de possibilidade [Möglichkeit], arrastando-o para um teor dado e referido, ao passo que, no projetar, o projeto [Entwurf] lança previamente para si mesmo a possibilidade [Möglichkeit] como possibilidade [Möglichkeit] e assim a deixa ser. Enquanto projeto [Entwurf], compreender [Verstehen] é o modo de ser [Seinsart] da presença [Dasein] em que a presença [Dasein] é as suas possibilidades [Möglichkeit] enquanto possibilidades [Möglichkeit]. STMSCC: §31
A analítica da presença [Dasein] que conduz ao fenômeno [Phänomen] da cura [Sorge] deverá preparar a problemática ontológica fundamental, isto é, a questão [Frage] do sentido [Sinn] de ser em geral. Para se ver [Sehen], a partir do que já se obteve, mais do que a tarefa particular de uma antropologia a priori e existencial, deve-se reexaminar, de modo ainda mais penetrante, os fenômenos estreitamente ligados à questão [Frage] do ser. Até agora, os modos explicitados de ser foram a manualidade [Zuhandenheit] e o ser simplesmente dado [Vorhandenheit] que determinam os entes intramundanos [innerweltlich], destituídos do caráter de presença [Dasein]. Porque, na tradição, a problemática ontológica compreendeu primariamente o ser no sentido [Sinn] de ser simplesmente dado [Vorhandenheit] (“realidade”, “mundo”-real) e, por outro lado, o ser da presença [Dasein] permaneceu indeterminado do ponto de vista ontológico, é preciso discutir o nexo [Zusammenhang] ontológico entre cura [Sorge], MUNDANIDADE [Weltlichkeit], manualidade [Zuhandenheit] e ser simplesmente dado [Vorhandenheit] (realidade). Isso leva a uma determinação mais precisa do conceito [Begriff] de realidade no contexto de uma discussão [Erörterung] das questões epistemológicas de realismo e idealismo, orientadas por essa ideia [Idee]. STMSCC: §39
Desse modo, a conclusão da análise fundamental preparatória da presença [Dasein] possui como tema: a disposição [Befindlichkeit] fundamental da angústia [Angst] como abertura [Erschliessen] privilegiada da presença [Dasein] (§40), o ser da presença [Dasein] como cura [Sorge] (§41), a confirmação da interpretação existencial da presença [Dasein] como cura [Sorge] a partir da própria interpretação pré-ontológica [vorontologisch] da presença [Dasein] (§42), presença [Dasein], MUNDANIDADE [Weltlichkeit] e realidade (§43), presença [Dasein], abertura [Erschliessen] e verdade [Wahrheit] (§44). STMSCC: §39
Naquilo com que a angústia [Angst] se angustia revela-se o “é nada e não está em lugar nenhum”. Fenomenalmente, a impertinência [Aufsässigkeit] do nada e do em lugar nenhum intramundanos [innerweltlich] significa que a angustia se angustia com o mundo como tal [als solches]. A total insignificância que se anuncia no nada e no em lugar nenhum não significa ausência de mundo. Significa que o ente intramundano [innerweltlich] em si mesmo tem tão pouca importância que, em razão dessa insignificância do intramundano [innerweltlich], somente o mundo se impõe em sua MUNDANIDADE [Weltlichkeit]. STMSCC: §40
O angustiar-se abre, de maneira originária e direta, o mundo como mundo. Não é primeiro a reflexão [Überlegung] que abstrai do ente intramundano [innerweltlich] para então só pensar o mundo e, em consequência, surgir a angústia [Angst] nesse confronto. Ao contrário, enquanto modo da disposição [Befindlichkeit], é a angústia [Angst] que pela primeira vez abre o mundo como mundo. Isso, porém, não significa que, na angústia [Angst], se conceba a MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo. STMSCC: §40
Essa estrutura, porém, diz respeito ao todo da constituição da presença [Dasein]. Esse anteceder-a-si-mesma não significa uma espécie de tendência isolada num “sujeito [Subjekt]” sem mundo, mas caracteriza o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. Pertence a esse ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], contudo, que, entregando-se à responsabilidade [Überantwortung] de si mesmo, já se tenha lançado em um mundo. É na angústia [Angst] que o abandono da presença [Dasein] a si mesma se mostra em sua concreção originária. Apreendido em sua plenitude, o anteceder-a-si-mesma da presença [Dasein] diz: anteceder-a-si-mesma-no-já-ser-em-um-mundo. Vendo-se fenomenalmente essa estrutura em sua unidade de essência, evidencia-se também o que foi anteriormente exposto na análise da MUNDANIDADE [Weltlichkeit]. Lá se obteve que a totalidade referencial [Verweisungsganzheit] da significância [Bedeutsamkeit] que, como tal [als solches], constitui a MUNDANIDADE [Weltlichkeit], ancora-se num em-virtude-de (Worum-willen). O acoplamento da totalidade referencial [Verweisungsganzheit], das múltiplas remissões [Bezüge] do “para-quê” ao que está em jogo na presença [Dasein] não significa a fusão de um “mundo” simplesmente dado [vorhanden] de objetos com um sujeito [Subjekt]. Ao contrário, é a expressão fenomenal [phänomenal] da constituição da presença [Dasein] em seu todo originário [ursprünglich], cuja totalidade foi agora explicitada como um anteceder-a-simesma no já ser em… Em outras palavras: existir [existieren] é sempre fático [faktisch]. Existencialidade determina-se essencialmente pela facticidade [Faktizität]. STMSCC: §41
§43. Presença, MUNDANIDADE [Weltlichkeit] e realidade STMSCC: §43
Realidade como título ontológico remete ao ente intramundano [innerweltlich]. Se esse título servir para designar esse modo de ser [Seinsart], a manualidade [Zuhandenheit] e o ser simplesmente dado [Vorhandenheit] mostram-se como modos da realidade. Se, porém, essa palavra mantiver-se no significado [Bedeutung] legado a pela tradição [NH: hodierno], ela significa o ser no sentido [Sinn] de coisas simplesmente dadas. Contudo, nem todo ser simplesmente dado [Vorhandenheit] é coisa [Ding] simplesmente dada. A “natureza” que nos “envolve” é, na verdade, um ente intramundano [innerweltlich] que, no entanto, não apresenta o modo de ser [Seinsart] do que está à mão [zuhanden] e nem de algo simplesmente dado [vorhanden] no modo de “coisidade da natureza”. Qualquer que seja a maneira de interpretar esse ser da “natureza”, todos os modos de ser dos entes intramundanos [innerweltlich] fundam-se, ontologicamente, na MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo e, assim, no fenômeno [Phänomen] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. Disso resulta a seguinte compreensão: realidade não possui primazia no âmbito dos modos de ser dos entes intramundanos [innerweltlich], assim como esse modo de ser [Seinsart] não pode ser caracterizado adequadamente, do ponto de vista ontológico, como mundo ou presença [Dasein]. STMSCC: §43
Entretanto, a análise anterior da MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do inundo e dos entes intramundanos [innerweltlich] mostrou que a descoberta [entdecken] dos entes intramundanos [innerweltlich] funda-se na abertura [Erschliessen] de mundo. Abertura, porém, é o modo fundamental da presença [Dasein] segundo o qual ela é o seu pre [das Da]. A abertura [Erschliessen] constitui-se de disposição [Befindlichkeit], de compreender [Verstehen] e de fala [Rede], referindo-se, de maneira igualmente originária, ao mundo, ao ser-em [In-sein] e ao ser-si-mesmo [Selbstsein, Selbigkeit]. A estrutura da cura [Sorge] enquanto anteceder-a-si-mesma-no-já-estar-num-mundo-como ser-junto [Sein bei] aos entes intramundanos [innerweltlich], resguarda em si a abertura [Erschliessen] da presença [Dasein]. Com ela e por ela é que se dá a descoberta [entdecken]. Por isso, somente com a abertura [Erschliessen] da presença [Dasein] é que se alcança o fenômeno [Phänomen] mais originário [ursprünglich] da verdade [Wahrheit]. O que antes se demonstrou quanto à STMSCC: §44
Para que os fenômenos obtidos na análise preparatória possam ser reconduzidos à visão [Sicht] fenomenológica, basta uma indicação [Aufschluss] a respeito dos estágios percorridos. A delimitação da cura [Sorge] resultou da análise da abertura [Erschliessen] constitutiva do ser do “pre [das Da]”. O esclarecimento deste fenômeno [Phänomen] trouxe consigo a interpretação provisória da constituição fundamental da presença [Dasein], a saber, o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. A investigação teve início com esta caracterização a fim de assegurar, [419] desde o começo, um horizonte fenomenal [phänomenal] suficiente frente às determinações ontológicas prévias da presença [Dasein], em sua maior parte inadequadas e não expressas. Ser-no-mundo foi caracterizado, numa primeira aproximação, na perspectiva do fenômeno [Phänomen] do mundo. E, na verdade, a explicação partiu da caracterização ôntico-ontológica do que está à mão [zuhanden] e do que é simplesmente dado [vorhanden] “em” um mundo circundante [Umwelt] para, então, destacando a intramundanidade, nela tornar visível o fenômeno [Phänomen] da MUNDANIDADE [Weltlichkeit]. A estrutura da MUNDANIDADE [Weltlichkeit], a significância [Bedeutsamkeit], demonstrou-se, no entanto, conectada com o para onde [Wohin] o compreender [Verstehen], que pertence essencialmente à abertura [Erschliessen], projeta-se, isto é, com o poder-ser [Seinkönnen] da presença [Dasein], em virtude da qual ela existe. STMSCC: §67
A interpretação temporal [zeitlich] da presença [Dasein] cotidiana [alltäglich] deve partir das estruturas constitutivas da abertura [Erschliessen]. São elas: compreender [Verstehen], decadência [Verfallen] e fala [Rede]. Os modos de temporalização [Zeitigung] da temporalidade [Zeitlichkeit], a serem liberados no tocante a estes fenômenos, propiciam a base para se determinar a temporalidade [Zeitlichkeit] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. Isso levará, de novo, ao fenômeno [Phänomen] do mundo, permitindo uma delimitação da problemática especificamente temporal [zeitlich] da MUNDANIDADE [Weltlichkeit]. Esta deve confirmar-se mediante a caracterização do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] cotidiano [alltäglich] e imediato da ocupação [Besorgen] decadente na circunvisão [Umsicht]. É a sua temporalidade [Zeitlichkeit] que possibilita a modificação da circunvisão [Umsicht] em visualização perceptiva e em conhecimento [Erkenntnis] teórico aí fundado. A temporalidade [Zeitlichkeit] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] que assim emerge demonstra-se, também, fundamento da espacialidade [Räumlichkeit] específica da presença [Dasein]. Deve-se mostrar a constituição temporal [zeitlich] de dis-tanciamento [Ent-fernung] e direcionamento [Ausrichtung]. O todo destas análises desvela [enthüllen] uma possibilidade [Möglichkeit] de temporalização [Zeitigung] da temporalidade [Zeitlichkeit] em que se funda, ontologicamente, a impropriedade [Uneigentlichkeit] da presença [Dasein]. Além disso, conduz à questão [Frage] de como se deve compreender [Verstehen] o caráter temporal [zeitlich] da cotidianidade [Alltäglichkeit], o sentido [Sinn] temporal [zeitlich] da expressão – “numa primeira aproximação e na maior parte das vezes [zunächst und zumeist]”, aqui constantemente utilizada. A fixação desse problema torna claro que e em que medida o esclarecimento do fenômeno [Phänomen] até agora obtido é insuficiente. STMSCC: §67
A datação do “então” [dann], que se interpreta no aguardar [Gewärtigen] de uma ocupação [Besorgen], implica, pois: então, quando amanhece, é tempo de trabalhar. O tempo interpretado nas ocupações [Besorgen] já é compreendido como tempo de… Cada “agora em que isso ou aquilo” é, como tal [als solches], apropriado [Geeignetheiten] e inapropriado. Assim como todo modo do tempo interpretado, o “agora” [jetzt] não é um mero “agora em que…” mas, como tal [als solches], o que pode ser essencialmente datado também se acha, em sua essência, determinado [Bestimmtheit] pela estrutura da apropriação e inapropriação. O tempo interpretado tem, desde sempre, o caráter de “tempo de…”, ou “não é tempo de…”. A atualização [Gegenwärtigen] que aguarda e retém, inerente à ocupação [Besorgen], compreende o tempo, remetendo ao para quê [Wozu], o qual, por sua vez, encontra-se, em última instância, solidamente ligado ao em virtude de [worumwillen] que a presença [Dasein] pode ser. Junto com essa remissão [Bezug] do ser-para [Um-zu], o tempo público [Öffentlichkeit] revela a estrutura anteriormente conhecida como significância [Bedeutsamkeit]. Esta constitui a MUNDANIDADE [Weltlichkeit] do mundo. Como tempo de…, o tempo público [Öffentlichkeit] tem, em sua essência, caráter de mundo. Por isso, chamamos de tempo do mundo o tempo que se torna público [Öffentlichkeit] na temporalização [Zeitigung] da temporalidade [Zeitlichkeit]. E isso não porque ele seja simplesmente dado [vorhanden] como um ente intramundano [innerweltlich], o que aliás ele nunca pode ser, mas porque, em sentido [Sinn] ontológico-existencial, ele pertence ao mundo. Deve-se mostrar a seguir de que maneira as remissões [Bezüge] essenciais da estrutura de mundo, por exemplo, o “ser-para [Um-zu]”, em razão da constituição ekstática e horizontal da temporalidade [Zeitlichkeit], estão conectadas com o tempo público [Öffentlichkeit], por exemplo, “então, quando”. Em todo caso, somente agora é que se pode caracterizar, de forma plenamente estrutural, o mundo das ocupações [Besorgen]: o mundo das ocupações [Besorgen] é datável, se dá num lapso de tempo, é público [Öffentlichkeit] e, por ser assim estruturado, pertence ao próprio [eigentlich] mundo. Por exemplo, todo “agora” [jetzt], que se pronuncia cotidiana [alltäglich] e naturalmente, possui essa estrutura e é assim compreendido pela presença [Dasein] no deixar-se tempo nas ocupações [Besorgen], embora de maneira atemática e preconceitual. STMSCC: §80
O que significa ler o tempo? “Olhar o relógio” não pode dizer apenas: observar, em sua modificação, o instrumento [Zeug] que se acha à mão e seguir as posições dos ponteiros. No uso do relógio, em que se constata que horas são, dizemos, explicitamente ou não: agora são tantas ou tantas horas, agora é tempo de…, agora não é tempo de…, agora até às… E um tomar tempo que funda e dirige esse olhar o relógio. Aqui torna-se ainda mais claro o que já se mostrou a respeito da contagem mais elementar do tempo: em sua essência, orientar-se pelo tempo, olhando o relógio, é dizer-agora. Isso é tão “evidente” que não prestamos atenção e nem sequer sabemos explicitamente que, nesse momento, o agora já está interpretado e compreendido em todo o seu teor estrutural de possibilidade [Möglichkeit] de datação, dimensão de lapso, público [Öffentlichkeit] e MUNDANIDADE [Weltlichkeit]. STMSCC: §80
A principal tese da interpretação vulgar do tempo – de que ele é “infinito” – revela, ainda mais profundamente, o nivelamento [Einebnung] e o encobrimento do tempo do mundo, inseridos nessa interpretação, e, com isso, da temporalidade [Zeitlichkeit] em geral. Numa primeira aproximação, o tempo se oferece como a sequência ininterrupta de agora. Cada agora também já é um há pouco e um logo mais. Se a caracterização do tempo se atém, primária e exclusivamente, a essa sequência, então, nela, como tal [als solches], não se pode encontrar, fundamentalmente, nem um começo e nem um fim. Enquanto agora, todo último agora já é sempre um logo não mais. É, portanto, tempo no sentido [Sinn] de agora-não-mais, de passado; todo primeiro agora é sempre [520] um há pouco, ainda-não e, com isso, tempo no sentido [Sinn] de agora-ainda-não, de futuro. “Para ambos os lados”, o tempo é o sem fim. Essa tese temporal [zeitlich] apenas é possível, orientando-se por uma sequência de agora, simplesmente dada em si mesma e solta no ar, na qual todo o fenômeno [Phänomen] do agora se encobriu, no tocante à possibilidade [Möglichkeit] de datação, MUNDANIDADE [Weltlichkeit], dimensão de lapso e teor público [Öffentlichkeit], inerente à presença [Dasein], desaparecendo numa fragmentação irreconhecível. Numa visão [Sicht] do que é simplesmente dado [vorhanden] e do que não é simplesmente dado [vorhanden], “pensando-se até o fim” a sequência dos agora nunca se chega a um fim. Como esse pensar o tempo até o fim ainda deve sempre pensar o tempo, costuma-se concluir que o tempo é infinito. STMSCC: §81