(Montavont1999)
A vida subjetiva, a vida intencional, a vida pura, a vida do eu, a vida na forma do tempo, a vida infinita, a vida universal, a concreção da vida, o presente da vida, a vida constituinte, o fluxo da vida, a gênese da vida, a vida da consciência, a vida desperta, a vida adormecida, a vida pulsional, a vida afetiva, o mundo da vida, etc. Poderíamos continuar essa lista de ocorrências da palavra “vida” na obra de Husserl. No entanto, Husserl nem sempre falou da vida. Nas Ideen I, o conceito não aparece como tal, embora as coisas estejam presentes “em carne e osso”, mesmo que estejam lá em sua corporeidade viva (Leibhaftig) 1. O ato no qual o eu está voltado para seu objeto, interessado nele, o cogito, é um ato “vivo” (lebendig), ou seja, plenamente atual. Esse caráter vivo se esvai com a passagem do objeto para o fundo da consciência, que então dirige seu interesse para outro objeto. No cogito, o eu se engaja “vitalmente”, está totalmente envolvido, completamente presente. Por fim, o ato do eu é, para Husserl, um “vivido” (Erlebnis) da consciência; no ato de consciência, trata-se da maneira como a vida se possui a si mesma em um vivido imanente 2. Leibhaftig, Leibhaftigkeit, lebendig, Erlebnis, etc.: algo da vida se anuncia, [16] e talvez não apenas sob a forma de metáforas. O caráter vivo é o de uma presença junto às coisas, que assume os horizontes implícitos constitutivos do sentido da própria coisa, ou seja, recupera sua vida esquecida. Essa presença, portanto, não tem nada de imediato: trata-se de redescobrir, além da abstração das significações, a concreção ou concretude da vida da qual elas vivem. O “vivo” e a “vida” deveriam, portanto, ser pensados como algo mais do que uma evidência óbvia 3.
- Destacamos, assim, a parentesco etimológico entre Leib (corpo) e Leben (vida).[
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- Cf. Lições sobre o Tempo, § 42, p. 89: «Em certo sentido, portanto, temos consciência de todos os vividos por meio de impressões, todos eles são impressos. […] Uma percepção é a consciência de um objeto. Mas também é, enquanto consciência, uma impressão, algo de presente imanente.»[
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- Cf. E. Levinas, «Intencionalidade e sensação», in Descobrindo a Existência com Husserl e Heidegger, Vrin, 2ª ed., Paris, 1982, p. 147.[
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