A dis-ponibilidade (Bestand, standing reserve) é o modo de presença de tudo o que existe sob o domínio da tecnologia contemporânea e é o único modo permitido: “Na composição (Gestell), a presença de tudo o que está presente se torna uma dis-ponibilidade” (GA79: 32/31). Esse é tanto o caso que “até mesmo o objeto desaparece na sem-objetidade da dis-ponibilidade” (GA7: 19/19). Heidegger não poderia ser mais claro sobre esse ponto em “The Question Concerning Technology” (A questão da técnica), onde ele afirma que “o que se mantém, no sentido de dis-ponibilidade, não mais se opõe a nós como objeto” (GA7: 17/QCT 17). O objeto, como Gegenstand, requer um “sobre e contra” (um “gegen”) no qual se posicionar. Esse espaço do gegen, por sua vez, nomeia uma distância entre o sujeito e o objeto, o espaço da representação. Mas é exatamente essa distância que é questionada pela composição: “A natureza não é mais nem mesmo um objeto (Gegen-stand)” (GA79: 44/41). Em vez de um espaço entre o sujeito e o objeto, agora há uma sufusão nesse espaço e um sufocamento da diferença entre o sujeito e o objeto na transformação geral em dis-ponibilidade. Nenhum espaço é não reclamado ou está fora dos limites. Quase vinte e cinco anos depois, no seminário de 1973 em Zähringen, Heidegger permanece fiel a essa percepção, descrevendo como o ser humano “passou da época da objetividade (Gegenständlichkeit) para a da ordenação (Bestellbarkeit). . . . Estritamente falando, não há mais objetos” (GA15: 388/FS 74). Nas palavras das palestras de Bremen, “quando a dis-ponibilidade entra em vigor, até mesmo o objeto se desfaz como característica do que está presente” (GA79: 26/25).
Embora a dis-ponibilidade não seja um objeto, Heidegger nos adverte para não pensarmos nela simplesmente em termos de um recurso ou estoque: “a palavra aqui diz algo mais e algo essencialmente diferente de meramente ‘estoque’ (Vorrat)” (GA7: 17/QCT 17, tm). Vale a pena repetir o ponto: a dis-ponibilidade não é simplesmente um grupo de objetos disponíveis para entrega, é uma mudança ontológica na natureza do próprio ser.
O reino tecnológico da ordenação, da dis-ponibilidade, é essencialmente diferente da ordem da objetividade e da representação encontrada na ciência moderna. A composição não deve ser identificada com a maquinação, por mais que pareça ser prefigurada por ela. O desafio que a coisa enfrenta como uma reunião do quadripartito (Geviert) não é um fechamento na objetividade, mas uma explosão na “dis-ponibilidade” como mercadoria. Somente com esse pensamento da dis-ponibilidade é que a coisa encontra sua tensão básica, a relação que primeiro lhe concede sua essência. Somente em uma época de dis-ponibilidade poderia haver coisas. Vamos então nos voltar para a característica dominante dessa dis-ponibilidade, sua disponibilidade para demandas imediatas.
(MITCHELL, Andrew J. The fourfold: reading the late Heidegger. Evanston (Ill.): Northwestern university press, 2015)