Merleau-Ponty (1966/1996:94-96) – emoções não são interiores

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Temos de rejeitar o preconceito de que o amor, o ódio ou a raiva são “realidades interiores” acessíveis apenas a uma testemunha, a pessoa que os experimenta. A raiva, a vergonha, o ódio e o amor não são fatos psíquicos escondidos nas profundezas da consciência de outra pessoa; são tipos de comportamento ou estilos de conduta visíveis do exterior. Estão naquele rosto ou naqueles gestos, não estão escondidos atrás deles. A psicologia só começou a desenvolver-se quando abandonou a distinção entre corpo e mente, quando abandonou os dois métodos correlativos da observação interior e da psicologia fisiológica. Não aprendemos nada sobre a emoção enquanto nos limitámos a medir a velocidade da respiração ou a velocidade do batimento cardíaco na raiva — e também não aprendemos nada sobre a raiva quando tentámos captar a nuance qualitativa e indizível da raiva vivida. Estudar a psicologia da cólera é tentar determinar o significado da cólera, perguntar qual é a sua função na vida humana e qual é o seu objetivo. Assim, descobrimos que a emoção é, como diz Janet, uma reação de desorganização que ocorre quando chegamos a um impasse, — mais profundamente, descobrimos, como mostrou Sartre, que a raiva é um comportamento mágico pelo qual, renunciando a uma ação efetiva no mundo, nos damos uma satisfação simbólica no imaginário, como aquele que, não podendo convencer o seu interlocutor numa conversa, recorre a insultos que nada provam, ou como aquele que, não ousando bater no seu inimigo, se contenta em mostrar-lhe o seu punho à distância. Uma vez que a emoção não é um fato psíquico e interno, mas uma variação na nossa relação com os outros e com o mundo, que se lê na nossa atitude corporal, não devemos dizer que apenas os sinais de cólera ou de amor são dados ao espectador estrangeiro e que os outros são apreendidos indiretamente e através de uma interpretação desses sinais; devemos dizer que os outros me são dados obviamente como comportamento. A nossa ciência do comportamento vai muito mais longe do que pensamos.

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Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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