A meditação consiste no valor de converter a verdade de nossos próprios princípios e o espaço de nossas próprias metas naquilo que é mais digno de ser questionado.
NOTA: Esta meditação não é nem necessária para todos, nem realizável ou mesmo passível de ser sustentada por todos. Em contrapartida, a falta de meditação forma boa parte das distintas etapas das realizações e dos empreendimentos. No entanto, o questionamento da meditação nunca cai na ausência de fundamento e na inquestionabilidade, porque pergunta previamente pelo ser. Para a meditação, o ser é sempre o mais digno de ser questionado. Nele a meditação encontra a maior resistência externa, o que o impele a ajustar contas com esse ente que deslizou na luz de seu ser. [DZW]
O outro início do pensamento é assim denominado não porque possua uma forma diversa da que possuia qualquer outra filosofia até aqui, mas porque precisa ser o unicamente outro a partir da ligação com o início unicamente uno e primeiro. A partir dessa articulação mútua de um início com o outro já está também determinado o modo da MEDITAÇÃO pensante característico da transição. O pensamento inserido na transição empreende o projeto fundante da verdade do seer como uma MEDITAÇÃO histórica. A história não é aí o objeto e a circunscrição de uma consideração, mas aquilo que o questionar pensante primeiramente desperta e obtém como o sítio de suas decisões. O pensamento no interior da transição coloca o primeiro movimento de essenciação do seer da verdade e o porvir mais extremo da verdade do seer em discussão e dá voz, em meio a essa discussão, à essência até aqui inquestionada do seer. No saber do pensamento inserido na transição, o primeiro início permanece decisivo como primeiro e é, entretanto, superado como início. Para esse pensamento, a reverência mais clara em relação ao primeiro início, que abre, além disso, pela primeira vez, o seu caráter único, precisa caminhar lado a lado com a ausência de um olhar para trás – uma ausência inerente à virada de outro questionar e dizer. [tr. Casanova; GA65: 1]
O perguntar desperta imediatamente a suspeita de um enrijecimento vazio segundo o que é incerto, o que se encontra indecidido e se mostra como impassível de ser decidido. Ele se comporta como se o saber implicasse um desprendimento de tudo e uma inserção em uma MEDITAÇÃO estagnante. Ele possui a aparência de algo constritivo, inibidor, se não mesmo negador. E, não obstante: no perguntar dá-se a afluência impulsionadora do sim ao indomito, a extensão para o interior do que ainda não foi pesado e precisa ser ponderado. Aqui vige o lançar-se-para-além-de-si-mesmo em direção ao que nos ultrapassa. Perguntar é a liberação para o que impõe em seu velamento. [tr. Casanova; GA65: 4]
A pergunta sobre o “sentido do seer” é a pergunta de todas as perguntas. Na execução de seu desdobramento determina-se a essência do que denominamos aí “sentido”; determina-se o lugar em que a pergunta se retém como MEDITAÇÃO, o que ela abre como pergunta: a abertura para o encobrir-se, isto é, a verdade. [tr. Casanova; GA65: 4]
Se algum dia uma história nos for ainda uma vez comunicada, a exposição criadora ao ente a partir do pertencimento ao ser, então é indispensável a determinação: preparar o tempo-espaço da última decisão – se e como nós experimentamos e fundamos esse pertencimento. Nisso reside: de maneira pensante fundar o saber do acontecimento apropriador, por meio da fundação da essência da verdade enquanto ser-aí. Como quer que a decisão sobre a historicidade e a falta de historicidade possa vir a ser tomada, os questionadores, que preparam de maneira pensante a decisão, precisam ser, cada um porta a solidão para o interior de sua maior hora. Que dizer realiza o mais elevado silenciamento pensante? Que procedimento efetua mais prontamente a MEDITAÇÃO sobre o seer? O dizer da verdade; pois ele é o entre para a essenciação do seer e a entidade do ente. Esse entre funda a entidade do ente no seer. O seer, porém, não é algo “anterior” – subsistindo por si, em si –, mas o acontecimento apropriador é a coetaneidade tempo-espacial para o seer e o ente. [tr. Casanova; GA65: 5]
O aceno já frequentemente reiterado, segundo o qual o “cuidado” só pode ser pensado na região inicial da questão do ser e não como uma visão qualquer, pessoalmente casual, marcada pela “visão de mundo” e por uma determinação “antropológica”, também permanecerá no futuro ineficaz, enquanto aqueles que só “escrevem” uma “crítica” da questão do ser não experimentarem e não queiram experimentar nada da necessidade do abandono do ser. Pois na era de um “otimismo” muito mal exposto, já o teor do termo “cuidado” e do “abandono do ser” soa por si só como “pessimista”. O fato, então, de precisamente as tonalidades afetivas indicadas por esse nome, juntamente com seu oposto, terem se tornado fundamentalmente impossíveis na região do questionamento inicial, porque elas têm por pressuposto a ideia de valor (agathon ) e as interpretações até aqui do ente tanto quanto a concepção corrente do homem, quem é que poderia levar sua MEDITAÇÃO a tal ponto que isso pudesse se tornar ao menos uma questão? [tr. Casanova; GA65: 5]
A retenção, o meio afinador do espantar-se e do pudor, o traço fundamental da tonalidade afetiva fundamental, nela afina-se o ser-aí com vistas ao silêncio do passar ao largo do último deus. De maneira criadora nessa tonalidade afetiva fundamental do ser-aí, o homem torna-se o guardião desse silêncio. Assim, a MEDITAÇÃO inicial do pensar torna-se necessariamente um pensar autêntico, quer dizer, um pensar que estabelece a meta. Não uma meta qualquer e não a meta em geral, mas a meta única e, assim, particular de nossa história: é essa meta que é estabelecida. Essa meta é a própria busca, a busca do seer. Ele acontece e é mesmo a mais profunda descoberta, quando o homem se torna aquele que vela pela verdade do seer, o guardião daquele silêncio e é decidido nessa direção. [tr. Casanova; GA65: 5]
No primeiro início: a ad-miração. No outro início: o pre-ssentimento. Tudo seria mal compreendido e estaria fadado ao fracasso, se quiséssemos preparar a tonalidade afetiva fundamental com o auxílio de uma decomposição e mesmo de uma “definição”, liberando-a de seu poder afinador. Só porque o que é coberto pela expressão “tonalidade afetiva” foi mantido afastado por meio da “psicologia”, só porque a busca pela “vivência” precisaria arrastar ainda hoje com maior razão para o âmbito do equívoco tudo aquilo que é dito sobre a tonalidade afetiva sem uma MEDITAÇÃO sobre ela: é somente por isso é que precisa ser dito “sobre” a tonalidade afetiva sempre uma vez mais uma palavra indicadora. [tr. Casanova; GA65: 6]
Toda e qualquer denominação da tonalidade afetiva fundamental por meio de uma única palavra fixa-se sobre uma opiniáo equivocada. Toda e qualquer palavra é sempre retirada do que é legado pela tradição. O fato de a tonalidade afetiva fundamental do outro início precisar ser dotada de muitos nomes não contesta sua simplicidade, mas confirma sua riqueza e sua estranheza. Toda e qualquer MEDITAÇÃO sobre essa tonalidade afetiva fundamental é constantemente apenas uma lenta equipagem com vistas ao insight afinador da tonalidade afetiva fundamental, que precisa permanecer fundamentalmente um a-caso. A equipagem com vistas a tal a-caso só consiste naturalmente, de acordo com a essência da tonalidade afetiva, na ação pensante transitória; e essa ação precisa crescer a partir do saber propriamente dito (do resguardo da verdade do seer). Mas se o seer se essencia como a recusa e se essa recusa mesma deve vigorar em sua clareira e ser conservada como recusa, então a prontidão para a recusa só pode subsistir como abdicação. A abdicação não é aqui, contudo, o mero não querer ter e o deixar de lado, mas ela acontece como a forma mais elevada da posse, cuja elevação encontra a decisão na franqueza do entusiasmo pela doação do insondável pelo pensar, isto é, pela doação da recusa. Nessa decisão, o aberto da transição é retido e fundado – o em-meio-a abissal do entre em relação ao não-mais do primeiro início e de sua história e ao ainda-não do preenchimento do outro início. Nessa decisão, toda guarda do ser-aí precisa fincar pé, na medida em que o homem como fundador do ser-aí precisa se tornar o guardião do silêncio do passar ao largo do último deus. Essa decisão, porém, enquanto pressentindo, é apenas a sobriedade da força de sofrimento do criador, aqui daquele que projeta a verdade do seer, que abre o silêncio para a violência essencial do ente, a partir da qual o seer (como acontecimento apropriador) torna-se apreensível. [tr. Casanova; GA65: 6]
Na essência da verdade do acontecimento apropriador decide-se e funda-se ao mesmo tempo todo verdadeiro, o ente se faz ente, o não ente desliza para o interior da aparência do seer. Essa distância é, sobretudo: a mais ampla e para nós primeira proximidade com deus, mas também a indigência do abandono do ser, encoberto pela ausência de indigência, que se atesta por meio do desvio em relação à MEDITAÇÃO. Na essenciação da verdade do seer, no acontecimento apropriador e como acontecimento apropriador, encobre-se o último deus. [tr. Casanova; GA65: 7]
Somente se mensuramos o quão unicamente necessário o ser é e como ele não se essencia como o próprio deus; somente se tivermos determinado nossa essência com vistas a esses abismos entre o homem e o seer e entre o seer e os deuses, somente então os “pressupostos” começarão uma vez mais a serem efetivamente realizados para uma “história”. Por isto, em termos de pensamento, a única coisa que se mostra como válida é a MEDITAÇÃO com vistas ao “acontecimento apropriador”. Por fim e em primeiro lugar, o “acontecimento apropriador” só pode ser re-pensado (compelido para diante do pensar inicial), se o seer mesmo for concebido como o “entre” para o passar ao largo do último deus e para o ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 7]
1) Acontecimento apropriador: a luz segura da essenciação do seer no campo de visão extremo da mais íntima indigência do homem histórico. 2) O ser-aí: o entre aberto no meio e, assim, velador, entre a chegada e a fuga dos deuses e o homem nele enraizado. 3) O ser-aí tem a origem no acontecimento apropriador e em sua viragem. 4) Por isto, ele só pode ser fundado como a verdade e na verdade do seer. 5) A fundação – não recriação – é um deixar-ser-fundamento por parte do homem, que chega, com isto, pela primeira vez, uma vez mais a si e reconquista o ser-si-mesmo. 6) O fundamento fundado é ao mesmo tempo abismo para a abertura do fosso abissal do seer e não fundamento para o abandono do ser do ente. 7) A tonalidade afetiva fundamental da fundação é a retenção. 8) A retenção é a referência insigne, instantânea ao acontecimento apropriador no ser chamado por meio de seu conclamar. 9) O ser-aí é o acontecimento fundamental da história por vir. Esse acontecimento emerge do acontecimento apropriador e se torna um sítio instantâneo possível para a decisão sobre o homem – sua história ou não história como sua transição para o ocaso. 10) O acontecimento apropriador e o ser-aí estão em sua essência, isto é, em sua pertinência enquanto fundamento da história, ainda completamente velados e permanecerão por um longo tempo causando estranhamento. Faltam as pontes; os saltos ainda não foram levados a termo. Ainda permanece de fora a profundidade da experiência da verdade que lhes satisfazem e a MEDITAÇÃO sobre o seu sentido: a força da decisão elevada. Em contrapartida, numerosas no caminho são apenas as ocasiões e os meios da má interpretação, porque falta mesmo o saber daquilo que aconteceu no primeiro início. [tr. Casanova; GA65: 11]
O “domínio” velado, mas vivido até o fim, das igrejas, o caráter corrente e a acessibilidade das “visões de mundo” para as massas (como substitutivo do “espírito” há muito prescindido e da referência às “ideias”), o levar adiante indiferente da filosofia como erudição e ao mesmo tempo de maneira mediada e imediata como escolástica da igreja e da visão de mundo, tudo isto manterá durante muito tempo afastada a filosofia enquanto cofundação criadora do ser-aí a partir da onisciência corrente e ágil da opinião pública. Isto não é naturalmente algo que se precisaria “lastimar”, mas apenas o sinal de que a filosofia vai ao encontro de um envio destinamental autêntico de sua essência. E tudo depende de nós não perturbarmos esse envio, nem o desfigurarmos muito menos por meio de uma “apologética” da filosofia, uma maquinação, que necessariamente permanece sempre abaixo de sua posição hierárquica. Com certeza, porém, é necessária a MEDITAÇÃO sobre a aproximação desse envio destinamental da filosofia, o saber sobre aquilo que perturba e desfigura e que gostaria de fazer valer a pseudoessência da filosofia. Esse saber interpretaria com certeza mal a si mesmo, se ele se deixasse atrair pela possibilidade de tornar aquele elemento adverso objeto da refutação e da confrontação. O saber da inessência precisa permanecer aqui constantemente um passar ao largo. [tr. Casanova; GA65: 14]
A questão é que, na medida em que e logo que a filosofia se reencontra em sua essência inicial (no outro início) e a questão acerca da verdade do seer se torna o meio fundante, desentranha-se o elemento abissal da filosofia, que precisa retornar ao inicial, para trazer ao espaço livre de sua MEDITAÇÃO a abertura do fosso abismai e o para-além-de-si, o estranho e constantemente inabitual. [tr. Casanova; GA65: 14]
A MEDITAÇÃO sobre o caráter do povo é uma travessia essencial. Assim como não podemos nos esquecer disso, também precisamos saber que um nível hierárquico maximamente elevado do seer precisa ser conquistado por meio da luta, se é que um “princípio autenticamente popular” deve ser dominado como normativo para o ser-aí histórico em meio à sua colocação em jogo. [tr. Casanova; GA65: 15]
A filosofia é o saber imediatamente inútil, mas, não obstante, um saber dominante a partir da MEDITAÇÃO. MEDITAÇÃO é questionamento acerca do sentido, isto é, acerca da verdade do seer. O questionamento acerca da verdade é o salto para o interior de sua essência e, com isto, para o interior do seer mesmo. A questão é: se, quando e como somos pertencentes ao ser (como acontecimento apropriador). Essa questão precisa ser questionada por causa da essência do ser, que precisa de nós, e, em verdade, não como aqueles que se encontram precisamente ainda presentes, mas de nós, na medida em que nós ratificamos insistentemente suportando o ser-aí e o fundamos como a verdade do seer. Por isto, a MEDITAÇÃO – salto para o interior da verdade do ser – é necessariamente auto-meditação. Isto não significa consideração voltada para trás de nós como “dados”, mas fundação da verdade do ser si mesmo a partir da propriedade do ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 16]
Porque a filosofia é tal MEDITAÇÃO, ela salta de antemão para o interior da decisão extrema em geral possível e domina também de antemão com sua abertura todo abrigo da verdade no ente e como ente. Por isto, ela é saber dominante pura e simplesmente, apesar de não ser saber “absoluto” ao modo da filosofia do Idealismo Alemão. Como, porém, a MEDITAÇÃO é automeditação e, por conseguinte, como nós nos voltamos concomitantemente para o interior da questão quem nós somos; e como nosso ser é um ser histórico e, em verdade, um ser tradicional e determinado pelo sido, a MEDITAÇÃO necessariamente se transforma na questão acerca da verdade da história da filosofia, MEDITAÇÃO sobre o seu primeiro início que a tudo ultrapassa e seu desdobramento em direção ao fim. [tr. Casanova; GA65: 16]
Uma MEDITAÇÃO sobre o atual tem sempre vista curta. Essencial é a MEDITAÇÃO sobre o início que, pressagiando seu fim, vincula ainda o “atual” como o desembocar do fim; e isto de tal modo que só a partir do início o atual se torna manifesto em termos da história do ser. E de vista ainda mais curta é a orientação da filosofia pelas “ciências” que, desde o começo da Modernidade – não por acaso –, se tornou usual. Essa direção de questionamento – não apenas o modo “teórico-científico” expresso – precisa ser completamente abandonado. [tr. Casanova; GA65: 16]
Toda necessidade enraíza-se em uma uma indigência. A filosofia como a primeira e mais extrema MEDITAÇÃO sobre a verdade do seer e o seer da verdade tem sua necessidade na indigência primeira e mais extrema. Essa indigência é aquilo que impulsiona o homem de um lado para o outro no ente e que o traz pela primeira vez para diante do ente na totalidade e para o meio do ente, levando-o, assim, a si mesmo, e, com isto, deixando iniciar ou perecer respectivamente a história. Esse elemento impulsionador é o caráter de jogado do homem no ente, que o determina como o que joga o ser (a verdade do seer). [tr. Casanova; GA65: 17]
A necessidade da filosofia consiste no fato de que ela não precisa afastar como MEDITAÇÃO aquela indigência, mas suportá-la e fundamentá-la, transformá-la no fundamento da história do homem. [tr. Casanova; GA65: 17]
A impotência do pensar compreendida no sentido habitual tem muitas razões: 1) O fato de, por agora, não ser levado a termo, nem poder ser levado a termo nenhum pensar essencial. 2) O fato de maquinação e vivência pretenderem ser a única coisa efetiva e, com isto, poderosa, não havendo nenhum espaço para o poder autêntico. 3) O fato de nós, supondo que tenha sucesso um pensar essencial, não termos ainda a força para nos abrirmos para a sua verdade, porque pertence a tal força uma posição hierárquica própria da existência. 4) O fato de, em meio ao embotamento crescente em relação à simplicidade de uma MEDITAÇÃO essencial e em meio à falta de persistência no questionamento, se desconsiderar todo curso e todo caminho, se ele já não traz consigo no primeiro passo um “resultado”, com o que passa a haver algo para “fazer” e algo para “vivenciar”. Por isto, a “impotência” ainda não é imediatamente uma objeção ao “pensar”, mas apenas aos seus desprezadores. E, por outro lado, o poder autêntico do pensar (como um re-pensar da verdade do seer) não tolera nenhuma constatação e valoração imediatas, sobretudo porque o pensar precisa se transpor para o interior do seer e, por isto, precisa colocar em jogo toda a estranheza do seer. Assim, ele nunca pode se basear no sucesso de um efeito no ente. [tr. Casanova; GA65: 18]
(Sobre a pergunta: quem somos nós?) Como MEDITAÇÃO sobre o seer, a filosofia é uma automeditação necessária. A dita fundamentação desse nexo distingue-se essencialmente de todo e qualquer tipo de asseguramento da certeza de “si mesmo” do “eu” justamente em virtude da “certeza”, não da verdade do seer. Mas ela também remonta ainda a um âmbito mais originário do que aquele que precisou levar a termo na transição o posicionamento “ontológico-fundamental” do ser-aí em Ser e tempo, posicionamento esse que ainda agora não foi desdobrado de maneira suficiente e elevado ao saber daqueles que questionam. [tr. Casanova; GA65: 19]
Na medida em que, porém, segundo a fundamentação originária da essência da MEDITAÇÃO como auto-meditação, “nós” mesmos, então, estamos concomitantemente voltados para o âmbito do questionamento, a questão filosófica, vista a partir daí, alcança a seguinte forma enquanto questão: quem somos nós? [tr. Casanova; GA65: 19]
Abstraindo-se da questão sobre o quem, quem é que temos em vista com o “nós”?. Nós mesmos, que estamos agora presentes à vista, os homens aqui e agora? Onde é que transcorre o círculo demarcador? Ou temos em vista “o” homem enquanto tal? Mas “o” homem só “é” enquanto histórico e a-histórico. Nós visamos a nós mesmos como o próprio povo? Mas mesmo então, não somos os únicos, mas, enquanto povo, somos com outros povos. E por meio do que se determina a essência de um povo? Ao mesmo tempo fica claro: o modo como na questão é estabelecido o questionado, “nós”, já contém uma decisão sobre o quem. Isto quer dizer: nós não podemos, sem sermos tocados pela pergunta sobre o quem, estabelecer o “nós” e o “nos” por assim dizer como algo presente à vista, para o qual apenas falta ainda a determinação do quem. Mesmo nessa questão reside um reflexo da viragem. Ela não pode ser nem formulada, nem respondida. No entanto, enquanto a essência da filosofia não for concebida como MEDITAÇÃO sobre a verdade do seer, e, com isso, a necessidade da auto-meditação daí emergente não tiver se tornado efetiva, a questão já permanecerá exposta enquanto questão a uma pesada reserva. [tr. Casanova; GA65: 19]
Só quem concebe o fato de que o homem precisa fundar historicamente a sua essência por meio da fundação do ser-aí, o fato de que a insistência da pendência do ser-aí não é outra coisa senão a moradia no tempo-espaço daquele acontecimento, que acontece apropriadoramente como a fuga dos deuses; só quem recolhe de maneira criadora a consternação e a animação do acontecimento apropriador na retenção como tonalidade afetiva fundamental, consegue pressentir a essência do ser e preparar em tal MEDITAÇÃO a verdade para o futuro verdadeiro. [tr. Casanova; GA65: 19]
A MEDITAÇÃO enquanto auto-meditação, tal como ela se torna necessária aqui a partir do questionamento acerca da essência do seer, está longe daquela clara et distincta perceptio, na qual o ego desponta e se torna certo. Como só a ipseidade – os sítios instantâneos da conclamação e da copertinência – precisa ser colocada em decisão, não se tem como conceber na transição o que lhe cabe. [tr. Casanova; GA65: 19]
Na MEDITAÇÃO e por meio dela acontece necessariamente o sempre-ainda-outro, que é importante propriamente preparar, mas que não encontraria os sítios do acontecimento apropriador, se não fosse uma clareira para o velado. A filosofia como automeditação da maneira indicada só é executável como pensar inicial do outro início. Essa automeditação deixou todo “subjetivismo” para trás, mesmo aquele que se esconde da maneira mais perigosa possível no culto à “personalidade”. Onde esse culto é estabelecido e, de maneira correspondente, onde é estabelecido na arte o “gênio”, tudo se movimenta, apesar dos asseguramentos em contrário, na via do pensamento do “eu” e da consciência moderna. Quer se compreenda a pessoalidade como a unidade “espírito-alma-corpo”, quer se inverta essa mistureba e só se estabeleça em primeiro lugar à guisa de afirmação o corpo, tudo isto não altera nada na confusão aqui dominante do pensar, que se desvia de toda e qualquer pergunta. O “espírito” é considerado sempre neste caso como “razão”, como a faculdade do poder-dizer-eu. Aqui, até mesmo Kant já se encontrava para além desse liberalismo biológico. Kant viu: a pessoa é mais do que o “eu”; ela está fundada na autolegislação. Naturalmente, isto também permaneceu platonismo. E as pessoas querem fundamentar, por exemplo, o dizer-eu biologicamente? Se não, então essa inversão é de qualquer modo apenas uma brincadeira, o que ela também continua sendo mesmo sem isto, porque aqui permanece inquestionadamente pressuposta a metafísica velada de “corpo” e “sensibilidade”, “alma” e “espírito”. [tr. Casanova; GA65: 19]
O que é, contudo, o início do pensar – no significado da MEDITAÇÃO sobre o ente enquanto tal e sobre a verdade do seer? [tr. Casanova; GA65: 20]
Por que o pensar a partir do início? Por que uma retomada mais originária do primeiro início? Por que a MEDITAÇÃO sobre a sua história? Por que a confrontação com o seu fim? Porque o outro início (a partir da verdade do ser) se tornou necessário? Por que, afinal, em geral início?. [tr. Casanova; GA65: 23]
O pensar inicial como confrontação entre o primeiro início que precisa ser antes de tudo reconquistado e o outro início a ser desdobrado é por essa razão necessário; nessa necessidade, além disso, impõe-se a MEDITAÇÃO mais ampla e mais aguda, impedindo toda fuga diante de decisões e saídas. [tr. Casanova; GA65: 23]
O pensar inicial é: 1) Deixar viger o seer a partir do dizer silenciador da palavra conceptiva no ente. (Construir nessa montanha). 2) A prontidão dessa construção por meio da preparação do outro início. 3) Alçar o outro início como confrontação com o primeiro em sua repetição mais originária. 4) Em si sigético, na mais expressa MEDITAÇÃO precisamente silenciador. [tr. Casanova; GA65: 23]
O erro de avaliação na tomada de posição em relação ao pensar é duplo: 1) Uma superestimação, na medida em que são esperadas respostas imediatas para uma postura, que quer poupar para si o questionamento (o caráter resoluto para a MEDITAÇÃO e o suportar da necessidade e da indigência). 2) Uma subestimação, na medida em que o pensamento é mensurado a partir da re-presentação habitual e em que a força nele que funda o tempo-espaço, o caráter de preparação, é desconhecido. [tr. Casanova; GA65: 24]
Na transição realiza-se a MEDITAÇÃO e a MEDITAÇÃO é necessariamente auto-meditação. Essa, porém, aponta para o fato de que esse pensar está ligado a nós mesmos e, com isto, ao homem, exigindo uma nova determinação da essência do homem. Na medida em que essa essência é determinada modernamente como consciência e como autoconsciência, a MEDITAÇÃO transitória parece precisar se tornar uma nova clarificação da autoconsciência. Sobretudo porque nós não podemos nos expor mais simplesmente a partir do estado atual da autoconsciência que é mais um computo. A experiência fundamental do pensar inicial é, portanto, de qualquer modo, o ente no sentido do homem atual e de sua situação e, com isto, a “reflexão” do homem sobre “si”. Nessa reflexão encontra-se algo correto, e, contudo, ela não é verdadeira. Na medida em que a história e a MEDITAÇÃO histórica suportam e dominam o homem, toda MEDITAÇÃO é também automeditação. A questão é que a MEDITAÇÃO a ser realizada no pensar inicial não toma o ser si mesmo do homem atual como dado, como algo a ser imediatamente alcançado na representação do “eu” e do nós e de sua situação. Pois justamente assim a ipseidade não é conquistada, mas definitivamente perdida e dissimulada. [tr. Casanova; GA65: 30]
A MEDITAÇÃO do pensar inicial é muito mais tão originária que ela pergunta primeiramente como é que o si mesmo precisaria ser fundamentado, o si mesmo em cujo âmbito “nós”, eu e tu, chegamos sempre a cada vez a nós mesmos. Assim, é questionável se encontramos por meio da reflexão sobre “nós” a nós mesmos, se encontramos o nosso si mesmo, e se, por conseguinte, o projeto do ser-aí em geral tem algo em comum com a clarificação da “auto”-consciência. Pois bem, não está de modo algum definido que o “si mesmo” seria determinável algum dia pela via que passa pela representação do eu. Ao contrário, é preciso reconhecer que a ipseidade só emerge da fundação do ser-aí, mas que essa fundação se realiza como acontecimento da apropriação do que pertence à conclamação. Com isto, emerge a abertura e a fundação do si mesmo a partir da e como a verdade do seer. Não a decomposição diversamente dirigida da essência do homem, não a indicação de outros modos de ser do homem – tudo considerado por si como antropologia aprimorada – é o que produz aqui a auto-meditação, mas é a questão acerca da verdade do ser que prepara o âmbito da ipseidade, na qual, atuando historicamente e agindo, o homem – nós –, assumindo a figura do povo, chega ao seu si mesmo. [tr. Casanova; GA65: 30]
A MEDITAÇÃO do pensar inicial remonta a nós (mesmos) e, contudo, ao mesmo tempo não. Não a nós, para destacar a partir daí as determinações normativas, mas a nós como entes históricos e, em verdade, na indigência do abandono do ser (de saída decadência da compreensão de ser e esquecimento de ser). A nós, que já estamos estabelecidos assim na exposição ao ente, a nós dessa maneira, para encontrar para além de nós o ser si mesmo. [tr. Casanova; GA65: 30]
O caráter transitório do pensar inicial traz incontornavelmente consigo essa ambiguidade, como se se tratasse de uma MEDITAÇÃO antropologicamente existenciária no sentido corrente. Em verdade, porém, cada passo é suportado pela pergunta acerca da verdade do seer. [tr. Casanova; GA65: 30]
O olhar que se volta para nós é realizado a partir do salto prévio no ser-aí. Para a primeira MEDITAÇÃO, contudo, foi preciso tentar destacar ao menos uma vez junto aos modos de ser do homem a diversidade do modo de ser do ser-aí em contraposição a todo “vivenciar” e a toda “consciência”. Todavia, é natural a sedução para restringir toda a MEDITAÇÃO em Ser e tempo Parte I à esfera de uma antropologia apenas diversamente direcionada. [tr. Casanova; GA65: 30]
Em meio à confusão e à ausência de cultivo do “pensar” atual carece-se de uma concepção quase escolar de seus caminhos sob a figura de “questões” caracterizadas. Nunca reside naturalmente na MEDITAÇÃO mais instrutiva sobre essas questões a vontade e o estilo pensantes decisivos. No entanto, para a clarificação antes de tudo em face do falatório sobre “ontologia” e “ser”, é preciso saber, sobretudo, o seguinte: O ente é. O seer se essencia. [tr. Casanova; GA65: 34]
A MEDITAÇÃO sobre o caminho: 1) O que é um pensar inicial. 2) Como é que o outro início se realiza como silenciamento. O “acontecimento apropriador” seria o título correto para a “obra”, que aqui não pode ser senão preparada; e, por isto, é preciso colocar como título, ao invés disso: Contribuições à filosofia. A “obra”: a construção que se desenvolve no voltar-se para o fundamento preponderante. [tr. Casanova; GA65: 35]
O domínio histórico da história do pensar ocidental se torna cada vez mais essencial, e a difusão de uma emdição filosófica “histórica” ou “sistemática” cada vez mais impossível. Pois o que importa é não trazer ao conhecimento nenhuma nova representação do ente, mas fundar o ser homem na verdade do seer e preparar essa fundação no repensar do seer e do ser-aí. Essa pre-paração não consiste na criação de conhecimentos provisórios, a partir dos quais, então, mais tarde, deveriam ser descerrados os conhecimentos propriamente ditos. Ao contrário, pre-parar significa aqui: abrir o caminho, impor para o caminho – no sentido essencial: afinar. Por outro lado, porém, não como se o pensado e o a se pensar só fossem uma ocasião indiferente para um movimento de pensamento, mas a verdade do seer, o saber da MEDITAÇÃO, é tudo. Todavia, o caminho desse repensar o seer não tem já a inscrição fixa em um mapa. A terra vem a ser pela primeira vez, sim, através do caminho e é em cada posição do caminho desconhecida e não tem como ser calculada. [tr. Casanova; GA65: 42]
A história ocidental da metafísica ocidental é a “prova” de que a verdade do seer não pôde se tornar questão, e o aceno para os motivos dessa impossibilidade. O mais tosco desconhecimento da verdade do seer, contudo, residiria em uma “lógica” da filosofia. Pois essa é uma retransposição consciente ou inconsciente da “teoria do conhecimento” para si mesma. A “teoria do conhecimento”, porém, é apenas a forma da perplexidade da metafísica moderna diante de si mesma. A confusão chega ao seu ápice, quando, então, essa “teoria do conhecimento” se arroga ainda uma vez como “metafísica do conhecimento”; o cálculo na calculadora da “aporética” e a “discussão aporética” “em si” de “direções” e de “fronts de problemas” presentes à vista se tomam, e, em verdade, com plena razão, o método da erudição filosófica mais moderna. Esses são apenas os últimos prolongamentos do processo, por meio do qual a filosofia perde a sua essência e se degenera na mais tosca ambiguidade, porque o que parece ser filosofia inequivocamente não pode ser mais uma tal para aquele que sabe. E, por isto, todas as tentativas de dizer o que não é a verdade do seer também precisam se haver com o fato de que elas no máximo fornecem um novo alimento para a obtusidade ignorante das más interpretações ulteriores, caso tais elucidações sejam elucidações da crença de que a não filosofia poderia ser transformada pela instrução em filosofia. Com certeza, a MEDITAÇÃO sobre aquilo que a verdade do seer não é, porém, é essencial como uma MEDITAÇÃO histórica, na medida em que ela pode auxiliar a tornar os movimentos fundamentais nas posições metafísicas fundamentais do pensar ocidental mais transparentes e o velamento da história do ser mais penetrante. [tr. Casanova; GA65: 44]
autêntico da palavra só possui a sua necessidade se ela tiver reconhecido que a MEDITAÇÃO sobre a verdade do seer inclui uma mutação da postura que pensa para a postura pensante, mudança essa que, naturalmente, não pode ser efetuada por meio de indicações morais, mas precisa ser previamente transformada e, em verdade, na publicidade do invisível e do que está isento de barulho. [tr. Casanova; GA65: 44]
Porque a essência do seer se essência no acontecimento da apropriação da de-cisão. Todavia, de onde sabemos isso? Nós não o sabemos, mas o inquirimos e abrimos em tais questões para o seer os sítios e talvez um sítio exigido por ele, caso a essência do seer precise se mostrar como a recusa, para a qual o questionamento insuficiente permanece a única proximidade adequada. E, assim, só um criar que funda todo ser-aí com vistas a um longo prazo (e só esse criar, não o empreendimento cotidiano fixo da instituição do ente) precisa despertar a verdade do seer como questão e como indigência através da senda mais decisiva e em impulsos iniciais cheios de alternância, aparentemente desprovidos de conexão e desconhecidos para si, tornar pronto para a tranquilidade do seer; ao mesmo tempo, porém, também decididamente contra toda e qualquer tentativa de confundir e enfraquecer, no mero querer para trás, mesmo que esse querer esteja em relação com as tradições “mais valorosas”, a coação impiedosa na indigência da MEDITAÇÃO. [tr. Casanova; GA65: 44]
A decisão precisa criar aquele tempo-espaço, o sítio para os instantes essenciais, no qual a seriedade suprema da MEDITAÇÃO emerge em consonância com a maior alegria possível do envio para uma vontade de fundação e de construção, da qual também nenhuma confusão permanece distante. Só o ser-aí, nunca uma “doutrina”, pode trazer fundamentalmente a transformação do ente. Tal ser-aí enquanto fundamento de um povo carece da mais longa preparação a partir do pensar inicial; mas esse pensar permanece sempre a cada vez apenas um caminho do reconhecimento, que começa ao mesmo tempo por muitas vias, da indigência. [tr. Casanova; GA65: 45]
Será que a decisão é capaz de trazer consigo mais uma vez a fundação dos sítios instantâneos para a fundação da verdade do seer ou será que tudo se desdobrará ainda como “luta” em torno das puras condições do prosseguimento da vida e do esgotamento da vida em dimensões gigantescas, de tal modo que a “visão de mundo” e a “cultura” não se mostrarão mais senão como apoios e como meios de luta desse “combate”? O que se prepara, então, por meio daí? A transição para o animal tecnicizado, que começa a substituir os instintos que já se tornaram mais fracos e mais toscos pelo gigantismo da técnica. Nessa direção de decisão, não é característica a tecnicização da “cultura” e a imposição da “visão de mundo”, mas sim o fato de a “cultura” e de a “visão de mundo” se tornarem meios da técnica de luta para uma vontade, que não quer mais nenhuma meta; pois conservação do povo não é nunca uma meta possível, mas apenas condição do estabelecimento de uma meta. Se a condição, porém, se transforma em algo incondicionado, então ganha o poder o não querer da meta, o seccionamento de toda MEDITAÇÃO que venha a emergir da origem. Desaparece, então, completamente a possibilidade do conhecimento de que “cultura” e “visão de mundo” são já estacas de uma ordem do mundo, que deve ser supostamente superada. “Cultura” e “visão de mundo” não perdem o seu caráter por meio do fato de elas serem colocadas a serviço da política; quer elas sejam consideradas como valores “em si” ou como valores “para” o povo, a cada vez a MEDITAÇÃO, se é que ela é efetivamente uma tal MEDITAÇÃO, está firmemente encravada no não querer as metas originárias, isto é, a verdade do seer, na qual se decide pela primeira vez sobre a possibilidade e a necessidade de “cultura” e “visão de mundo”. [tr. Casanova; GA65: 45]
A era da completa ausência de questões não tolera nada digno de questão e destrói toda solidão. Por isso, ela precisamente precisa difundir o discurso acerca do fato de que, ao mesmo tempo, cada um de nós adquire conhecimento por meio da solidão desse solitário e é instruído a tempo sobre o seu fazer em termos de “imagens” e “sons”. Aqui, a MEDITAÇÃO toca tangencialmente o elemento sinistro da era e se sabe também, afinal, muito distante de todo e qualquer tipo de “crítica temporal” e de “psicologia” vulgar. Pois é importante saber que aqui, em todo o deserto e em todo o caráter terrível, ressoa algo da essência do seer e alvorece o abandono do ente (enquanto maquinação e vivência) pelo seer. Essa era da completa ausência de questão só pode ser ultrapassada por uma era da simples solidão, na qual se prepara a prontidão para a verdade do próprio seer. [tr. Casanova; GA65: 51]
As duas coisas são no fundo a mesma. Não obstante, para compelir o abandono do ser enquanto indigência, tudo precisa ser respectivamente levado à MEDITAÇÃO, para que a mais extrema indigência, a indigência da falta de indigência, irrompa e leve à primeira ressonância a mais longínqua proximidade com a fuga dos deuses. Ora, mas há uma demonstração mais forte do abandono do ser do que a massa humana que se esbalda no ingente e em sua instituição e que não é mais nem mesmo digna de encontrar a aniquilação em uma via de todas as mais curta? Quem pressente a ressonância de um deus em tal renúncia? [tr. Casanova; GA65: 54]
No que o abandono do ser se anuncia: 1) A completa insensibilidade em relação ao múltiplo naquilo que é considerado essencial; plurissignificância provoca a perda de força e a má vontade em relação à decisão real e efetiva. Por exemplo, tudo o que significa a palavra “povo”: o elemento comunitário, o elemento racial, o baixo e o inferior, o nacional, o permanente; por exemplo, tudo aquilo que é chamado de “divino”. 2) O não saber mais o que é condição e o que é condicionado e incondicionado. Idolatria em relação às condições do seer histórico, do elemento populista, por exemplo, com toda a sua plurissignificância, transformando-o em algo incondicionado. 3) O permanecer preso no pensar e no estabelecimento de “valores” e “ideias”; sem qualquer questão séria, vê-se aí, como que em algo inalterável, a forma estrutural do ser-aí histórico; e a isso corresponde o pensar em termos de “visões de mundo”. 4) De acordo com isso, tudo é inserido em uma engrenagem “cultural”, as grandes decisões, o Cristianismo, não são expostos a partir da raiz, mas contornados. 5) A arte é submetida a uma utilidade cultural e desconhecida em sua essência; a cegueira em relação ao seu cerne essencial, o modo da fundação da verdade. 6) Em geral característico é o erro de avaliação em relação ao que é repulsivo e negador; ele é simplesmente alijado como o “mal”, equivocadamente interpretado e, com isso, apequenado e tanto mais propriamente ampliado em seu perigo. 7) Nisso se mostra – completamente à distância – o não saber em torno do pertencimento do não, da nulidade ao seer mesmo, a falta de qualquer ideia em face da finitude e da unicidade do seer. 8) Isso é acompanhado pelo não saber da essência da verdade; o fato de antes de tudo o que é verdadeiro a verdade e a sua fundação precisarem ser decididas; a busca cega pelo “verdadeiro” na aparência do querer maximamente sério. 9) Por isto, a recusa do saber autêntico e o medo diante da questão; o esquivar-se da MEDITAÇÃO; a fuga em direção ao ceme dos dados e das maquinações. 10) Toda tranquilidade e toda retenção aparecem como inatividade, como um deixar passar e como renúncia e talvez sejam a mais ampla reconexão com o deixar ser do ser como acontecimento apropriador. 11) A segurança de si do que não se deixa mais conclamar; a calcificação contra todos os acenos; a impotência da expectativa; só ainda calcular. 12) Tudo isso são apenas irradiações de um encobrimento confuso e calcificado da essência do seer, sobretudo da abertura de seu fosso abissal: o fato de unicidade, raridade, instantaneidade, acaso e acometimento, retenção e liberdade, resguardo e necessidade pertencerem ao seer; o fato de esse seer não se mostrar como o que há de mais vazio e mais comum, mas como o que há de mais rico e mais elevado e só se essenciar no acontecimento da apropriação, acontecimento esse graças ao qual o ser-aí chega à fundação da verdade do ser no abrigo por meio do ente. 13) A elucidação particular do abandono do ser como decadência do Ocidente; a fuga dos deuses; a morte do Deus moral cristão; sua reinterpretação. O velamento desse desenraizamento por meio do encontrar a si mesmo que se inicia de maneira supostamente nova do homem (Modernidade); esse encobrimento banhado no brilho do e intensificado pelo progresso: descobertas, invenções, indústria, máquina; ao mesmo tempo a massificação, a negligência, a desertificação, tudo como desatrelamento do fundamento e das ordens; o desenraizamento, porém, como o mais profundo velamento da indigência, a falta de força para a MEDITAÇÃO, a impotência da verdade; o pro-gresso em direção ao não ente como abandono crescente do seer. 14) O abandono do ser é o fundamento mais íntimo para a indigência da falta de indigência. Como é que essa indigência pode ser efetuada como indigência? Alguém não precisa deixar a verdade do seer brilhar – mas para quê? Quem dos desprovidos de indigência consegue ver? Haverá algum dia uma saída para tal indigência, que se nega constantemente como indigência? Falta o querer sair. Será que a lembrança das possibilidades do passado essencial (o sido) do ser-aí pode conduzir à MEDITAÇÃO? Ou será que algo in-habitual, não ideável se choca com essa indigência? 15) O abandono do ser, aproximado por meio de uma MEDITAÇÃO sobre a desertificação do mundo e sobre a destruição da terra no sentido da rapidez, do cálculo, da pretensão do massificado. 16) O “domínio” coetâneo da impotência da mera mentalidade e da violência da instituição. [tr. Casanova; GA65: 56]
O abandono do ser é o fundamento e, com isso, ao mesmo tempo a determinação mais originária da essência daquilo que Nietzsche reconheceu pela primeira vez como niilismo. O quão pouco mesmo ele e sua força conseguiram impelir o ser-aí ocidental à MEDITAÇÃO sobre o niilismo! Ainda menor, porém, é a esperança de que essa era traga à tona a vontade de saber sobre o fundamento do niilismo. Ou será que deveria emergir desse saber pela primeira vez a clareza quanto ao “fato” do niilismo? [tr. Casanova; GA65: 57]
4) O desnudamento, a publicização e a vulgarização da tonalidade afetiva. A essa desertificação criada por meio daí corresponde a inautenticidade crescente de toda e qualquer postura e, juntamente com isso, a despotencialização da palavra. A palavra só continua se mostrando como o invólucro e como a excitação tonitruante, junto à qual não se pode mais ter em vista um “sentido”, porque se retira todo o poder de reunião de uma MEDITAÇÃO possível e se despreza a MEDITAÇÃO em geral como algo estranho e impotente. Tudo isso se torna tanto mais sinistro, quanto menos impertinentemente ele se desenrola, quanto mais obviamente ele se apossa do cotidiano e é coberto por assim dizer por novas formas da instituição. A consequência do desnudamento da tonalidade afetiva, que é ao mesmo tempo a dissimulação do vazio crescente, se mostra completamente na incapacidade de experimentar precisamente o acontecimento propriamente dito, o abandono do ser, como indigência afinadora, supondo mesmo que ele poderia ser mostrado em certos limites. [tr. Casanova; GA65: 58]
A copertinência das duas só é concebida a partir do retorno à sua mais ampla dissincronia e a partir da dissolução da aparência de sua mais extrema oposicionalidade. Se a MEDITAÇÃO pensante (como questão acerca da verdade do seer e apenas como essa questão) alcança o saber acerca dessa copertinência, então o traço fundamental da história do primeiro início (a história da metafísica ocidental) já é concebido a partir do saber do outro início. Maquinação e vivência apontam formalmente para a concepção mais originária da fórmula para a questão diretriz do pensamento metafísico: entidade (ser) e pensamento (como con-ceber re-presentativo). [tr. Casanova; GA65: 61]
O niilismo no sentido de Nietzsche significa: que todas as metas desapareceram. Nietzsche tem em vista aqui as metas que crescem em si e que transformam o homem (para onde?). O pensar em “metas” (o há muito tempo mal interpretado telos dos gregos) pressupõe a idea e o “idealismo”. Por isto, apesar de sua essencialidade, essa interpretação “idealista” e moral do niilismo permanece provisória. Se tivermos em vista o outro início, o niilismo precisa ser concebido de maneira mais fundamental como a consequência essencial do abandono do ser. Como é, porém, que esse abandono do seer pode chegar a ganhar o espaço do conhecimento e a se decidir, se já aquilo que Nietzsche experimentou e pensou integralmente pela primeira vez como niilismo permaneceu até agora inconcebido e, antes de tudo, não nos coagiu à MEDITAÇÃO? Tomou-se conhecimento da “teoria” nietzschiana sobre o “niilismo” como uma psicologia da cultura interessante, mas antes disso as pessoas fizeram o sinal da cruz diante de sua verdade, isto é, elas mantiveram aberta ou tacitamente essa verdade afastada do corpo como algo diabólico. Pois é assim que se encontra formulada a reflexão elucidativa: aonde é que chegaríamos se isso fosse verdadeiro e viesse a se tornar verdadeiro? E não se pressente que justamente essa reflexão ou a atitude que a sustenta e o comportamento em relação ao ente é que constituem o niilismo propriamente dito: não se quer admitir a ausência de metas. E, por isso, se tem uma vez mais “metas”, ainda que essas metas não apontem senão para o fato de que o que pode ser em todo caso um meio para o estabelecimento de metas e para a sua persecução é alçado à categoria de uma meta: o povo, por exemplo. E, por isso, justamente lá onde se acredita ter uma vez mais metas, lá onde se é uma vez mais “feliz”, lá onde se passa a tornar uniformemente acessível a todo o “povo” os “bens culturais” até aqui vedados à “maioria” (cinemas e viagens para banhos de mar), precisamente aí, nessa embriaguês “vivencial” barulhenta, é que está o maior de todos os niilismos, o fechar os olhos organizado ante a ausência de metas do homem, o desviar “sempre pronto a entrar em ação” diante de toda decisão que estabeleça uma meta, o medo diante de toda e qualquer região de decisão e de sua abertura. O medo diante do seer nunca foi tão grande quanto hoje. Prova: a instituição gigantesca para que o grito ofusque esse temor. A característica essencial do “niilismo” não depende de se igrejas e monastérios são destruídos e se homens são mortos aí ou se isso é reprimido e o “cristianismo” pode seguir o seu caminho, mas o decisivo é: se se sabe e se quer saber que precisamente essa tolerância do Cristianismo e o Cristianismo mesmo, que o discurso geral sobre a “providência” e o “senhor Deus”, por mais sincero que ele possa vir a ser para o particular, são apenas desvios e impasses no âmbito que não se quer reconhecer como o âmbito de decisão sobre o seer e o não seer e se deixar assim fazer valer. O niilismo de todos o mais fatídico consiste no fato de que podemos nos fazer passar por protetores do Cristianismo e até mesmo requisitar para nós com base em realizações sociais o caráter cristão de todos o mais cristão. Esse niilismo tem toda a sua periculosidade no fato de que ele se esconde completamente e se destaca agudamente e com razão daquilo que se poderia chamar o niilismo tosco (o bolchevismo). A questão é que a essência do niilismo é justamente tão abissal (porque ele desce e alcança a verdade do seer e a decisão sobre ela), que precisamente essas formas de todas as mais opostas podem e precisam lhe pertencer. E, por isso, pode parecer que, computado no todo e de maneira minuciosa, o niilismo seria insuperável. Se as duas formas opostas mais extremas do niilismo se combatem, em verdade, de maneira necessária do modo mais intenso possível, então essa luta conduz de um modo ou de outro para a vitória do niilismo, isto é, para uma solidificação renovada; e isso supostamente sob a figura, segundo a qual as pessoas proíbem a si mesmas de algum dia ainda achar que o niilismo ainda estaria em obra. [tr. Casanova; GA65: 72]
O seer abandonou tão fundamentalmente o ente e esse é a tal ponto entregue à maquinação e ao “vivenciar”, que necessariamente aquelas tentativas aparentes de salvação da cultura ocidental, assim como toda “política cultural”, precisam se tornar a figura mais insidiosa, e, com isso, a figura mais elevada do niilismo. E esse é um processo que não está articulado com homens particulares e suas ações e doutrinas, mas que apenas expulsa a essência interna do niilismo para o interior da mais pura figura que lhe é atribuída. A MEDITAÇÃO sobre isso carece naturalmente já de um ponto de vista, a partir do qual nem uma ilusão por parte das coisas muito “boas”, “progressistas” e “gigantescas”, que são realizadas, nem mesmo um mero desespero vem à tona, desespero esse que só não fechou os olhos ainda diante da completa ausência de sentido. Esse ponto de vista, que funda ele mesmo para si de maneira nova pela primeira vez tempo e espaço, se mostra como o ser-aí que ganha de modo primordial o saber sobre o seer ele mesmo como a recusa e, com isso, como o acontecimento apropriador. Na experiência fundamental de que o homem como fundador do ser-aí é usado pela divindade do outro deus abre-se a preparação da superação do niilismo. Mas o elemento mais incontomável e mais pesado nessa superação é o saber sobre o niilismo. Esse saber não pode permanecer preso nem à palavra, nem à primeira elucidação do que se tem em vista por meio de Nietzsche, mas é preciso reconhecer como a sua essência o abandono do ser. [tr. Casanova; GA65: 72]
Em verdade, a ciência moderna e atual não alcança em lugar algum o campo da decisão sobre a essência do seer. Por que então, porém, pertence à MEDITAÇÃO sobre a “ciência” a preparação da ressonância? [tr. Casanova; GA65: 73]
O abandono do ser é a consequência de início previamente conformada da interpretação da entidade do ente a partir do fio condutor do pensar e da precipitação primeva, condicionada por meio daí, da aletheia não fundada expressamente. Como, então, contudo, na Modernidade e enquanto Modernidade, a verdade assume a figura da certeza, como essa certeza se firma sob a forma do pensar, que pensa a si mesmo imediatamente, do ente como aquilo que se encontra contra-posto re-presentado, e como a fundamentação da Modernidade consiste na fixação desse elemento fixo; além disso, como essa certeza do pensar se desdobra na instituição e no empreendimento da “ciência” moderna, o abandono do ser (e, isto significa, a retenção da aletheia até a sua coação a se manter reprimida em meio ao esquecimento) é decidido concomitantemente pela ciência moderna, e, em verdade, sempre apenas, na medida em que ela pretende ser um ou até mesmo o saber normativo. Por isto, uma MEDITAÇÃO sobre a ciência moderna e sobre a sua essência maquinalmente enraizada no interior da tentativa de um aceno para o abandono do ser como ressonância do seer é incontornável. [tr. Casanova; GA65: 73]
Nisso reside ao mesmo tempo: a MEDITAÇÃO assim configurada sobre a ciência ainda é a única MEDITAÇÃO filosoficamente possível, contanto que a filosofia já se movimente na transição para o outro início. Todo e qualquer tipo de fundamentação científico-teórica (transcendental) se tornou tão impossível quanto uma “dotação de sentido”, que atribui à ciência presente à vista e, com isso, não alterável em sua consistência essencial, tanto quanto ao seu funcionamento, o estabelecimento de uma meta populista e política ou de alguma outra meta antropológica. Essas “fundamentações” se tornaram impossíveis, porque elas pressupõem necessariamente “a ciência” e, então, só são dotadas com um “fundamento” (que não é fundamento algum) e um sentido (para o qual falta a MEDITAÇÃO). Por meio daí, “a ciência” e, com isso, a solidificação do abandono do ser empreendida por ela se tornaram, com maior razão, definitivas. Assim, toda e qualquer questão acerca da verdade do seer (toda filosofia) é alijada do âmbito do agir como desnecessária e como realizada sem necessidade. Mas precisamente esse alijamento da possibilidade (da possibilidade interna) de toda e qualquer MEDITAÇÃO sobre o pensar enquanto pensar do seer, porque ele não possui a menor ideia do que ele mesmo faz, é impelido a mexer com maior razão com as formas de pensamento, os meios de pensamento e as regiões de pensamento da metafísica até aqui pegos sem escolha com vistas à produção de uma bebida “ligada à visão de mundo”, e a aprimorar a filosofia passada e a se comportar em tudo isso “de maneira revolvida”; revolvimento esse que (equivalendo a uma instituição de todos os lugares comuns possíveis) merece ser chamado simplesmente de “revolucionário” em comparação com a ausência de veneração insuperável em relação aos grandes pensadores. Veneração é naturalmente algo diferente de elogio e de deixar viger por “seu” tempo, caso alguém quisesse se reportar a algo desse gênero. [tr. Casanova; GA65: 73]
A MEDITAÇÃO sobre “a ciência”, que tem de ser fixada em uma série de sentenças diretrizes, precisa destacar algum dia esse nome da indeterminação histórica característica da equiparação arbitrária com episteme, scientia, Science, fixando-a com vistas à essência moderna da ciência. Ao mesmo tempo, a subespécie que se firmou na ciência, a subespécie da aparência de saber (como resguardo da verdade), precisa se tornar clara e a ciência precisa ser perseguida até as instituições e os estabelecimentos de funcionamento que pertencem necessariamente à sua essência maquinal (a “universidade” atual). Para a caracterização da essência dessa ciência, na medida em que a ligação com o “ente” é vislumbrada, a distinção agora corrente entre ciências históricas e ciências exatas experimentais é diretriz, apesar de essa distinção, assim como a distinção que emerge dela entre “ciências da natureza e ciências do espírito”, só ser uma distinção de primeiro plano e só encobrir propriamente de maneira precária a essência una das ciências que, em aparência, são fundamentalmente diversas. A MEDITAÇÃO não é válida inteiramente para uma descrição e uma clarificação dessas ciências, mas para a solidificação realizada através delas e nelas do abandono do ser, em suma, da ausência de verdade de toda ciência. [tr. Casanova; GA65: 73]
Há hoje dois e apenas dois caminhos de uma MEDITAÇÃO sobre “a ciência”. [tr. Casanova; GA65: 75]
Um deles concebe a ciência não como a instituição agora presente, mas como uma possibilidade determinada do desdobramento e da construção de um saber, cuja essência mesma só se vê enraizada em uma fundamentação mais originária da verdade do seer. Essa fundamentação realiza-se como primeira confrontação com o início do pensamento ocidental e vem a ser, ao mesmo tempo, o outro início da história ocidental. A MEDITAÇÃO assim dirigida sobre a ciência retorna de maneira igualmente decidida para o sido, assim como ela antecipa de maneira ousada um porvir. Ela não se movimenta em parte alguma na discussão de algo presente e de sua fabricação imediata. Calculada a partir do presente, essa MEDITAÇÃO sobre a ciência se perde no efetivamente irreal, o que de imediato significa também para todo o cálculo o impossível. [tr. Casanova; GA65: 75]
O outro caminho, que estaria prelineado nas seguintes sentenças diretrizes, concebe a ciência em sua constituição atual real e efetiva. Essa MEDITAÇÃO tenta conceber a essência moderna da ciência segundo as aspirações que lhe são pertinentes. Como MEDITAÇÃO, porém, ela também não é nenhuma mera descrição de um estado presente à vista, mas a exposição de um processo, na medida em que esse processo conflui para uma decisão sobre a verdade da ciência. Essa MEDITAÇÃO permanece dirigida pelos mesmos critérios de medida que a primeira e não é senão o reverso daquela. [tr. Casanova; GA65: 75]
18) A forma oposta moderna em relação à ciência “experimental” é a “historiologia” que cria a partir de “fontes” e sua subespécie, a pré-historiologia, na qual talvez a essência de toda historiologia, o fato de que ela nunca alcança a história, pode ser elucidada da maneira mais penetrante possível. Toda “historiologia” se alimenta da comparação e serve à ampliação das possibilidades de comparação. Apesar de a comparação ter em vista aparentemente as diferenças, as diferenças nunca se tornam de qualquer modo para a historiologia uma diversidade decidida, ou seja, a unicidade do único e do simples, em face do qual a historiologia, caso ela pudesse se colocar algum dia diante de tal elemento único, precisaria reconhecer a si mesma como insuficiente. O pressentimento inconsciente da negação ameaçadora de sua própria essência pelo histórico é o fundamento de todos o mais íntimo, razão pela qual a comparação historiológica só concebe as diferenças, para ordená-las em uma região ulterior e mais enredada da comparabilidade. Toda comparação, no entanto, é em essência uma igualação, a rearticulação com algo igual, que não chega enquanto tal de modo algum ao saber, mas constitui aquele elemento autoevidente, a partir do qual toda explicação e referência possuem a sua clareza. Quanto menos a própria história, quanto mais apenas os feitos, as obras, os produtos e as opiniões são indicados, calculados de maneira exaustiva e apresentados enquanto eventos em sua sequência e diversidade, tanto mais facilmente a historiologia pode satisfazer o rigor que lhe é próprio. O fato de ela sempre se mover nessa região é comprovado da maneira mais evidente possível por meio do modo do “progresso” das ciências historiológicas. Esse progresso consiste na respectiva troca e na troca respectivamente diversa e causada das perspectivas diretrizes da comparação. A descoberta do assim chamado novo “material” é sempre a consequência, não o fundamento da perspectiva escolhida de maneira nova da explicação. Nesse caso, há tempos que se restringem, em meio ao aparente alijamento de todas as “interpretações” e “apresentações”, ao asseguramento das “fontes” que, então, são elas mesmas designadas os “resultados” propriamente ditos. Mas mesmo esse asseguramento dos “resultados” e do que pode ser encontrado passa ao mesmo tempo e necessariamente para o interior de uma explicação e, com isso, para a requisição de uma perspectiva diretriz (a mais tosca subordinação e inserção de um resultado na ordem do já encontrado é uma explicação). No transcurso do desenvolvimento da historiologia, não é apenas o material que cresce. Ele não se torna apenas mais abarcável e, por meio de instituições mais refinadas, mas rápido e confiavelmente acessível, mas ele se torna antes de tudo em si mesmo cada vez mais constante, isto é, mais invariável na mudança das perspectivas, às quais ele é submetido. O trabalho historiológico se torna por meio daí cada vez mais confortável porque só a aplicação de uma nova perspectiva interpretativa no material fixado precisa ainda ser levada a termo. A perspectiva interpretativa, porém, nunca é trazida à tona pela historiologia mesma, mas a historiologia se mostra sempre apenas como o reflexo da história atual, na qual o historiólogo se encontra, mas que ele não conhece precisamente em termos históricos. Ao contrário, a historiologia só consegue explicar as coisas, por fim, historiologicamente. A alternância da perspectiva interpretativa, contudo, garante, então, por um tempo mais longo, uma vez mais uma profusão de novas descobertas, o que, por outro lado, fortalece a historiologia mesma no autoasseguramento de sua progressividade, fixando-a cada vez mais no desvio que lhe é próprio ante a história. No entanto, caso uma determinada perspectiva interpretativa seja alçada ao nível da única perspectiva normativa, então a historiologia encontra nessa univocidade da perspectiva diretriz, além disso, ainda um meio para se elevar a uma posição acima da historiologia até aqui, alternante em suas perspectivas, e levar essa constância de sua “pesquisa” à correspondência há muito desejada com as “ciências exatas”, se tornando propriamente “ciência” – o que se anuncia no fato de que ela se torna capaz de ser funcionalizada e “institucionalizada” (por exemplo, de maneira correspondente às instituições da sociedade do Imperador Guilherme). Essa consumação da historiologia na “ciência” assegurada não é de maneira alguma contradita pelo fato de que sua principal realização é levada a cabo desde então sob a forma da produção de relatos (reportagens) e de que os historiólogos se tornam ávidos por tais apresentações da história do mundo. Pois a “ciência da imprensa” já está, e não por acaso, em curso. Ainda se vê nela uma subespécie, se não até mesmo uma degradação da historiologia, mas, em verdade, ela é apenas a derradeira antecipação da essência da historiologia enquanto ciência moderna. É preciso atentar para a junção inevitável dessa “ciência da imprensa” no sentido amplo com a indústria editorial. As duas, em sua unidade, emergem da essência técnica moderna. (Por isto, logo que a “Faculdade de filosofia” se decidir a se transformar naquilo que ela agora já é, a ciência da imprensa e a geografia se tornarão as suas ciências fundamentais. O definhamento interior dessas “faculdades”, que se estende por toda parte de maneira clara, é apenas a consequência da falta de coragem para alijar de maneira decidida o seu caráter aparente como faculdades filosóficas e abrir ao caráter de funcionamento das “ciências do e