McNeill (2006:189-192) – katharsis

destaque

Se voltarmos agora ao tema da tragédia grega, podemos ver melhor o que significa a katharsis do medo e da piedade. Evidentemente, não pode significar que a tragédia nos purga ou alivia do medo e da pena que já trazemos conosco para a tragédia, pelo menos não na forma particular em que trazemos estas emoções conosco. Embora o processo de katharsis comece, de fato, com estes modos de tonalidade afetiva, como formas fundamentais da nossa sensibilidade ao mundo, eles são precisamente transformados na e através da própria apresentação poiética. São transformados no sentido de serem reorientados, de lhes ser dada uma orientação pela própria estória. Para além disso, a estória que nos aborda e nos agarra não só reorienta as emoções que já aí estão, como as traz à tona e às claras de uma nova forma. Pode dizer-se que as “recria”. Reorienta-as e transporta-as poeticamente na direção do futuro e da ameaça última que o futuro sempre representa para os mortais, na medida em que escapa ao nosso controle. Transporta-nos para a possível impossibilidade do nosso ser-no-mundo (como Heidegger, em Ser e Tempo, caracteriza o ser-para-a-morte do Dasein), que antecipamos não como algo que nos diz respeito enquanto indivíduos isolados perante um mundo, mas como um ser-com-os-outros envolvido, o nosso próprio sentido de ser e habitar na presença de outros num mundo. O transporte poético da tragédia transporta-nos para o local da nossa habitação originária, o nosso êthos, transportando-nos para um sentido de presença mundana sintonizado com a aproximação do desconhecido e do imprevisto. A katharsis trágica apresenta-nos, assim, o nosso sentido de ser-no-mundo como aquilo com que o medo e a piedade estão, em última análise, preocupados; devolve-nos poeticamente a um sentido de presença e de ser, entre o ter sido e o futuro, que, de outro modo, permaneceria oculto na maior parte dos nossos envolvimentos quotidianos no mundo.

original

  1. We mean “setting up” here in the sense of the German Aufstellen as used by Heidegger in his essay “The Origin of the Work of Art.” See H, 32f.; BW, 169f.[↩]
  2. The pleasure of the philosophical theorein described in Book X of the Nicomachean Ethics is thereby referred beyond the particular praxis of this pure theorein (supposedly the highest praxis) of human existence and integrated into the dimension of a poetic unfolding of eudaimonia exposed to the realm of daimonia, of the gods, of destiny and fate.[↩]
  3. Hermann Abert, without citing Bernays by name, remarks that only more recent interpreters have conceived of katharsis as a kind of medical purgation; Aristotle himself, he notes, understands katharsis (in the context of the Politics) in a purely musical-religious way, in terms of intensification. Die Lehre vom Êthos in der griechischen Musik (Leipzig, 1899), 15-16 and 15n2.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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