McNeill (2006:142-143) – Finitude e Fado (Schicksal – fate)

Tradução

Uma compreensão autêntica dessa dependência da finitude e do que é finitamente dado em uma situação foi desenvolvida pela primeira vez explicitamente por Heidegger em suas análises da historicidade em Ser e Tempo. Como indicamos nos capítulos 3 e 4, a analítica do Dasein esclarece a maneira pela qual todo comportamento teórico está enraizado no ser do Dasein como práxis originária, e que tal práxis é vista de maneira genuína e autêntica apenas em um “momentâneo” existir, um existir em e como o Augenblick (o instante; o piscar de olhos). Toda a theōria está intrinsecamente exposta a esta finitude. Ao assumir autenticamente uma relação explícita com sua própria mortalidade como aquela que sempre o excede e o ultrapassa, o Dasein passa a reconhecer sua própria finitude; é empurrado para a finitude de sua própria existência e recebe seu objetivo último, a saber, ter que ser (Zu-sein) como um ser-no-mundo finito. Ele reconhece o acontecimento de seu próprio ser como destino (Schicksal), isto é, como um existente finito que é principalmente dependente da dação de um mundo fático e histórico. Ele “se entende … no poder supremo (Übermacht) de sua própria liberdade finita, como em tal liberdade, que só ‘é’ ao fazer uma escolha, assumir a impotencialidade (Ohnmacht) de ser abandonado a si mesmo e tornar-se perspicaz (hellsichtig) para as contingências da situação revelada” (SZ, 384). O contexto deixa claro que esse “poder supremo” de sua liberdade não pertence ao Dasein, como se o Dasein fosse um sujeito que tivesse a liberdade como propriedade à sua disposição, mas que tal liberdade ocorre apenas em e por já ter escolhido, quer dizer, apenas na própria existência e por meio dela já ter sido decidido de certas maneiras. Ao ter escolhido, a existência de alguém sempre foi abandonada a ter (futuramente) que ser um ter-sido. Só se pode vir a ser e ter que ser saindo de um já ter sido abandonado para um mundo, para um já-ser-num-mundo finito. Tal existência finita em um mundo é sempre um ser com outros que “se encontraram eles memos” no mesmo mundo ao mesmo tempo. 1 “Se Dasein, como um fatídico estar-no-mundo, existe essencialmente no ser/estar com outros, então sua ocorrência é um acontecimento com outros e é determinado como destino (Geschick). Assim, designamos a ocorrência de uma comunidade, de um povo” (SZ, 384). No entanto, tal existência no mesmo mundo ao mesmo tempo é totalmente frágil. Como o Dasein existe apenas fora de um mundo que sempre já é um mundo de outros, não há, estritamente falando, nenhum tempo que seja simplesmente do Dasein: meu tempo já é sempre um tempo de outros. O tempo do mundo é sempre o tempo do Augenblick em que um Dasein particular e finito “mantém seu mundo em vista”, se mantém aberto a um tempo e a uma finitude que não é primariamente sua, mas de uma comunidade e um mundo histórico. Ao se abrir para um mundo, o Dasein sempre se fechou de antemão a qualquer possibilidade de um tempo que seria exclusivamente seu. Seu próprio tempo é um tempo de estar com outros em um mundo que nunca pode ser exclusivamente seu. Heidegger escreve, portanto, que o Dasein existe “à maneira do Augenblick para ‘seu tempo’” (SZ, 385), indicando assim que “seu tempo” é sempre o tempo de um ser mundano com outros. O tempo do Dasein sempre já terá sido um destino. Mas é importante ver que tal destino não exclui de forma alguma a liberdade. Muito pelo contrário: as análises de Heidegger implicam que o destino, neste sentido, primeiro permite a liberdade, como a liberdade de ser/estar-em-um-mundo. Para existir futuramente, isto é, livremente, é preciso sempre já ter existido de maneira finita e ter sido abandonado a um mundo. Pois não há liberdade concebível que não seja de fato uma resposta a um mundo que já foi dado. É apenas para a subjetividade moderna, incapaz de conceber a liberdade como outra coisa senão a autodeterminação (autonomia) e, portanto, como uma propriedade da vontade, que a ênfase de Heidegger em “fado” e “destino” parece intolerável (se não também ilegível). Pois a subjetividade moderna pode conceber o destino apenas como um destino cego, como o oposto da autodeterminação.

Original

(MCNEILL, William. The Time of Life. Heidegger and Êthos. New York: State University of New York Press, 2006, p. 142-143)

  1. Ver a análise de “tempo do mundo”, SZ, 414ss.[↩]
  2. See the analysis of “world-time,” SZ, 414ff.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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