Aristóteles começa o Livro I da Metafísica discutindo cinco níveis ou graus diferentes de “ver” ou conhecer: aisthesis, empeiria, techne, episteme e sophia. Diz-se que o primeiro deles, aisthesis ou apreensão sensorial, pertence por natureza aos entes vivos em geral. Um segundo nível de conhecimento é o da empeiria, “experiência”. Enquanto a apreensão sensorial depende, a cada momento, da dada condição de um objeto imediato que lhe é apresentado, a experiência implica ter assumido uma certa postura — uma orientação ou Gestelltsein, como diz Heidegger (GA19, 73) — e uma relativa constância em meio à alternância de dados dos sentidos; implica já ter reunido uma determinada variedade de sensações com relação a uma unidade subjacente, ou seja, ser capaz de manter juntos em uma certa continuidade o que, de outra forma, seriam momentos temporais dispersos de apreensão sensorial. Em suma, isso implica a capacidade de reter fenômenos, de manter as coisas presentes (Gegenwärtighalten) ao longo de um período de tempo.
Aristóteles concede uma medida de experiência — que, por implicação, surge de uma combinação de impressões sensoriais e memória (a última implicando também phantasia, “imaginação”) — a outros animais, bem como aos entes humanos. No entanto, o fato de ter assumido uma postura e uma orientação em meio a outros entes ainda não implica ser capaz de se relacionar com essa mesma postura como tal, ou seja, de alcançar a individualidade no sentido de ter se libertado para o próprio ser. Isso só é possível por meio da distância concedida pela natureza. Isso só é possível por meio da distância concedida pelo logos, apenas por meio de uma “visão” que enxerga além do que aparece na unidade experiencial da percepção dos sentidos. Assim, continua Aristóteles, “o gênero humano vive também pela arte e pelo raciocínio”. Os termos “arte” e “raciocínio” (techne kai logismois) são usados em um sentido bastante amplo aqui, o que é difícil de traduzir em inglês. Techne significa conhecimento; é claramente diferente tanto da apreensão sensorial quanto da experiência, embora ainda não tenha sido definido no sentido restrito de conhecimento produtivo (em oposição ao prático). Logismois, por sua vez, refere-se à faculdade do logos e lembra a definição grega do ser humano como zoion logon echon. De fato, os dois andam juntos: a implicação é que a mudança para o nível de techne implica ter logos. Ao contrário dos entes humanos, os animais e outros entes vivos, implicitamente, não têm nem logos nem techne.
Nesse ponto, Aristóteles menciona um quarto nível de conhecimento, embora sem indicar com mais precisão o que significa. É por meio da experiência, diz ele, que os seres humanos adquirem tanto a arte (techne) quanto a “ciência” (episteme). A techne, explica Aristóteles, surge primeiro quando, a partir de muitas impressões (ennoematon) decorrentes da experiência, “um único julgamento universal é formado com relação a objetos semelhantes”. Tanto a experiência quanto a techne são tipos de conhecimento (gnosis); a experiência é o conhecimento dos particulares; a techne, dos universais. E, no entanto, Aristóteles afirma: “consideramos que o conhecimento (eidenai) e a proficiência pertencem mais à techne do que à experiência, e presumimos que os artesãos são mais sábios do que as pessoas de mera experiência…” (M, 981 a24). O conhecimento específico a ser encontrado na techne é um eidenai, o “ver” que, na frase inicial, é identificado como o objetivo específico do esforço humano. A experiência, como observa Aristóteles, certamente pertence à techne no sentido de que tal conhecimento surge por meio da experiência: sem experiência, não poderia haver techne. No entanto, Aristóteles indica que há um salto qualitativo da visão dos particulares para a visão dos universais. Embora a experiência também seja um ter-visto (e, de fato, um tipo de ter-visto que é crucial para o desenvolvimento da phronesis),1, ou seja, um ter percorrido e assimilado um número de “percepções”, esse ter-visto permanece como um conhecimento de particulares (de eventos particulares, “efeitos”, percepções), de experiência sensorial, e ainda não é um ver de universais. Essa “visão” dos universais, das “formas” ou eide, está implícita na techne, e é com base nesses universais que o conhecimento científico ou episteme pode se desenvolver primeiro.
Em sua análise do Livro I da Metafísica, Heidegger enfatiza que, na empeiria, o fenômeno específico que aparece está de fato presente em seu eidos, mas esse eidos está inserido em um contexto referencial de envolvimento. Isso implica que ele é experimentado a partir do que quer que esteja se apresentando em um determinado contexto, mas não é explicitamente antecipado ou previsto como tal. No desenvolvimento da techne, por outro lado, aquilo que pode se apresentar é precisamente antecipado em seu eidos como arche, como aquilo que já está aí, aquele ponto de partida a partir do qual algo surge (aition) e se torna presente. “O que o fazer-presente (Gegenwärtigung) do contexto antecipa, em última análise, é: colocar o ente em sua presença (Anwesenheit) (ousia) à nossa disposição para descobri-lo, voltando ao que já está aí, a arche” (GA19, 77). Nesse processo de ver mais (mallon eidenai) pela previsão, pela antecipação, o eidos torna-se cada vez mais separado — cada vez mais colocado em relevo sobre e contra sua instanciação e aparência particulares, embora ainda não tenha se tornado o objeto de uma contemplação independente e temática, que ocorre primeiro no nível da episteme, conforme rigorosamente definido por Aristóteles. O eidos nessa proto-independência está inicialmente “simplesmente aí”, implícito na própria techne. Sua crescente separação — precisamente por meio da determinação platônico-aristotélica de ser — é, no entanto, indicativa, como Heidegger aponta, de uma crescente independência do próprio logos grego. No processo de lidar com as coisas, de fazer e criar, “o legein se torna cada vez mais independente” (GA19, 91). O eidos é, por assim dizer, “lido” (abgelesen) das — o que também significa que é lido nas — próprias coisas em sua presença contextual (GA19,77); ele é selecionado e reunido (legein) como tal: é antecipado como logos. O que está em jogo nesse processo é, portanto, nada menos que o advento do logos greco-ocidental da racionalidade técnico-científica que afirma ser o logos dos próprios entes. No entanto — como veremos muito mais adiante em nosso estudo — uma das inclinações que o pensamento de Heidegger sobre o ser (o logos do Sein) tentará mostrar é que essa antecipação específica (essa previsão específica como uma predição, um prenúncio de algo em “como ele chega ao seu ser”: GA19,91) faz uma certa violência às coisas em si, aos entes na singularidade de sua auto-exibição. O eidos, como ser (Sein), não é originalmente logos.
O quinto e último estágio do conhecimento discutido por Aristóteles no primeiro capítulo do Livro I é a sophia, a sabedoria. A suposição geral de que os artesãos são mais sábios do que as pessoas de mera experiência implica ainda, diz Aristóteles, que a sophia “em todos os casos depende mais do conhecimento (eidenai)” (M, 981 a26). Aristóteles também dá sua razão para supor que os artesãos são mais sábios: é porque eles “conhecem”, isto é, viram (isasin, relacionado a eidenai) a causa” (aitia). O conhecimento como eidenai é, portanto, uma tendência particular que se encontra na techne, uma tendência que já aponta na direção da sophia. Na techne, como diz Heidegger, a sophia já está prefigurada (GA19, 77).
Esse esboço breve e muito esquemático já indica algo essencial com relação à distinção entre experiência, em sua orientação para a aisthesis, e techne, e em particular com relação aos diferentes tipos de apreensão envolvidos. Aponta para algo que será crucial para a distinção de Aristóteles entre theoria e phronesis, entre contemplação e sabedoria prática. Enquanto na techne aquilo que ainda tem de vir à presença (o ergon, a “obra” a ser produzida) já foi visto de antemão em seu eidos determinante — enquanto o ver na techne, como um eidenai, é um ver e ter visto —, o objeto particular da percepção sensorial que contribui para a experiência não foi visto de antemão; em sua singularidade e unicidade, ele sempre teve de ser visto. Enquanto o avistamento antecedente (theorein) do eidos na techne, em princípio, já tem o ser (ousia) de seu objeto à sua disposição (salvo as inevitáveis contingências às quais o processo real de criação está exposto), esse não é o caso no nível da aisthesis da experiência, onde aquilo que se apresenta precisamente não foi visto de antemão. Esse “já ter o presente à disposição” é identificado em outro lugar por Heidegger como o significado primário de ser que vem à tona na filosofia grega: ousia, parousia, presença.2 É um sentido de ser já inscrito no eidenai grego.
O desenvolvimento desse sentido de “ver” como uma disposição livre é mais bem esclarecido por Aristóteles quando ele contrasta a pessoa de experiência, o artesão e o mestre artesão ou arquiteto. A pessoa de experiência vê o “fato”, o “que é” (to hoti), mas não o “porquê” (dioti). Vê que este é o caso aqui e agora, à medida que a situação se apresenta em um contexto específico, mas não vê nem sabe de onde surge, como veio a existir. O artesão ou artífice, por outro lado, vê o porquê, a “causa” (aitia). O mestre artesão, entretanto, vê mais e é mais sábio do que o mero artesão. E essa superioridade está associada ao fato de o mestre artesão ter desenvolvido a capacidade de ensinar. Nessa medida, seu conhecimento já prenuncia a possibilidade de episteme, pois (diferentemente do conhecimento do artesão) foi liberado do envolvimento direto no processo produtivo. Assim como o conhecimento epistêmico prenunciado por ele, a capacidade de ensinar é uma possibilidade já latente na techne, uma possibilidade que o mestre artesão desenvolve explicitamente. No entanto, o mestre artesão ainda é, até certo ponto, um artesão. A visão do mestre artesão permanece orientada para o fim da fabricação e da produção. E se a sabedoria deve ser associada ao fato de ser livre e independente (eleutheros) — com liberdade de envolvimento com a liberdade para theorein, para supervisionar e inspecionar a existência como um todo — então pode haver um conhecimento que seja ainda mais sábio e mais livre. A hierarquia do conhecimento delineada por Aristóteles no final do primeiro capítulo do Livro I é resumida da seguinte forma: “a pessoa de experiência é considerada mais sábia do que os meros possuidores de qualquer poder de percepção sensorial, o artesão do que a pessoa de experiência, o mestre artesão do que o artesão, e o conhecimento especulativo (de theoretikai) mais erudito do que o produtivo (poietikon)” (M, 981 b31).